Restam cinco minutos | Crônica de Raphael Cerqueira Silva

 por Raphael Cerqueira Silva | 

Foto de Jr Korpa na Unsplash

Estou na cantina — desfrutando minha solitude — na melhor hora do expediente: a hora do café. Bem, isto é apenas força de expressão, pois, como os leitores sabem, detesto café.

Mas, eu dizia, estou à mesa: comendo casadinhas, tomando uma coquinha gelada, lendo no smartphone, quando, súbita e devastadora feito o raio de Júpiter, Isaurinha entra — ou melhor: invade o recinto. 

— Ai, amigo, que bom te ver. Tô precisando te contar uma boa do seu chefe.

Sem desviar os olhos da tela, peço que deixe para depois — de preferência, depois das dezoito: aqui, até os azulejos têm ouvidos.

— Nossa, mas é babado forte. Num vou guentar esperar… Lá no terceiro andar só falam disso.

Tiro outra casadinha do embrulho. Olho bem para a cara de Isaurinha: plantada no batente da porta, cabelo em desalinho, bochechas afogueadas, olhos agateados a implorar atenção. 

Por um instante, penso em perguntar se já foi empossada no D.I.V.A — o célebre Departamento de Investigação da Vida Alheia, que, bem sei, conta com dezenas de membros neste prédio. Mas deixo pra lá.

— Posso terminar de ler a crônica do Galduróz?

— Que que é isso?

— Vai me dizer que não sabe o que é crônica?

— Né isso não, sô. Tô perguntando é desse nome aí que cê falou.

— Galduróz. Eduardo Gal-du-róz. A escrita dele é curta e debochada; tem uma magia sedutora na forma de narrar. Sem contar que esbanja sarcasmo — do tipo que certas pessoas por aqui não entenderiam. 

— Ô, amigo, mas eu preciso falar. Falar agora, antes que entra boi na linha. E aí já viu, né.

— Curioso, o texto desta semana. Melancólico, porém interessante. Narrativa em terceira pessoa, sobre um senhorzinho — seu Américo, o nome dele — que...

— Vou levar a novidade pra quem quer ouvir, então. E te deixar aí, com esse seu Mágico do Orós. 

Antes que lhe explique que Orós fica num rincão bem longe daqui — e que o cronista, até onde sei, não é nenhum discípulo do Mandrake — a coleguinha, tão intempestiva quanto entrou, se manda corredor afora. 

Olho o relógio na parede. 

A vaca malhada, toda prosa com seu pavoroso laço cor-de-rosa, muge: 

— Restam cinco minuuuuuutos. 

Deixe estar. É tempo suficiente para conhecer o fado do seu Américo — quiçá, ler outra crônica.





Raphael Cerqueira Silva, é mineiro de São Geraldo, servidor público, graduado em Direito e História, e cronista nas revistas Vicejar e Conhece-te. Publicou Confissões, livro de contos, e A Vida Segue, livro de crônicas.