Sinais | Conto de Suzana Amorim



Europeana


Comprou felicidade. A samambaia estava sem graça, apesar de mais barata. Receou atrair mau agouro ao lembrar da superstição da mãe: “felicidade se ganha, não se compra.” O jardim da casa da infância tinha a extensão de um muro dedicada às mudas que as vizinhas lhes traziam, e a árvore-da-felicidade era a maior delas, orgulho da mãe que acreditava ser a energia da casa o adubo da planta. Ignorou a crendice e passou o cartão. Na manhã seguinte, folha caída. Não gostou da luz, será? Nesse pedaço nem bate tanto sol. Preciso molhar mais? Quatro dias depois, folhas amareladas em multiplicação. Água demais, agora? A intenção de dar vida à casa pelada resultou em mais um enterro. Voltaria aos cactos.


O elevador parou no primeiro andar. O vizinho entrou com a filha. Ninguém se cumprimentou. A menina escondeu o rosto atrás de uma das pernas do pai. Ela desceu no térreo e entonou um tchau grave, sem resposta, a não ser pela língua silenciosa e à mostra da garotinha que desceria na garagem. Previu o inferno de seu destino. A amiga surpreendeu-se com a presença e ostentou Margarida, que vestida de amarelo com um saiote em pétalas brancas, completava seu terceiro ano. Tentou se consolar com os salgados e com a cerveja pouco gelada. Os doces em formato de bichos e o bolo envolto de creme verde-limão anunciariam o fim. As conversas entrecortadas dos pais orgulhosos e abobalhados com a sociabilidade de seus filhos bem arrumados e suados de tanto brincarem nos tobogãs coloridos e descomunais para um ambiente com teto a zonzearam. Voltou para casa, demorou-se no banho e jogou-se no sofá.


Zapeou a televisão e empacou no canal para cães. A programação prometia “estimular, entreter e relaxar seu cãozinho”. Quando criança, teve muitos. A mãe os substituía logo na sequência da morte de cada um deles, não sem antes fazer uma prece e colocar uma flor sobre a cova no jardim, uma ao lado da outra, no muro oposto aos presentes das vizinhas. Hipnotizada, refez a promessa de nunca mais ter animal de estimação. A indústria pet crescia pelo bairro. Ao lado do mercadão de plantas, um carrinho de passeio dobrável com limite de cinquenta quilos ficava na porta do petshop e sustentava uma placa de vinte por cento de desconto e cem gramas de ração amostra grátis. Houvesse isso anos antes e o carrinho dela se confundiria com o dos cachorros. 


Ignorou os sinais. Não servia para mãe de planta, não servia para mãe de pet. Deveria ter previsto que para mãe de gente também não prestaria.




A paulistana Suzana Amorim é psicanalista, membro do Departamento de Formação em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, formada em Psicologia pelo Mackenzie e em Teatro pelo Macunaíma. Com passagens pelas áreas hospitalar e corporativa, atua clinicamente em consultório particular desde 2018. Estreou na literatura em 2024 com "O peito oco", romance publicado pelo Selo Auroras.