por Taciana Oliveira___


O zine A dor do agora é mais uma publicação do Aliás Selo Editorial, e está disponível apenas para leitura na plataforma Calameo. Conversei com a Thaís DSR que responde pela autoria do texto. O resultado dessa conversa rendeu uma entrevista pocket para o Mirada.
É a tua segunda colaboração com o Aliás Selo Editorial. A primeira foi a participação no e-book As Cidades e o Desejo. Como foi produzir o zine? Era um formato novo para você?
Eu já tinha visto muitas mulheres escreverem no formato de zine. Até já tinha comprado alguns em feiras feministas e os da editora Aliás (comprei todos). De alguma maneira parece que esse formato é utilizado como ferramenta de luta das mulheres, já que as editoras nem sempre nos publicam e foge de outros formatos mais institucionalizados. Mas nunca tinha produzido um. Durante o processo me senti conectada com essas outras mulheres que utilizam o zine para se expressar.
Juliana por Thaís DSR
Você e a Juliana DSR assinam a publicação. Fala um pouco do processo criativo dessa parceria.
Aqui em casa somos três irmãs muito unidas e conectadas. Parecia um caminho natural a gente fazer as coisas juntas. Nós três temos uma ligação diferente no mundo das artes, a Ju desenha, eu escrevo e a minha irmã Carol é da área dos instrumentos musicais. Toda vez que escrevo algo novo é para elas que mostro primeiro. E, em contrapartida, a Ju sempre mostra seus desenhos e a Carol suas canções. Acho que isso une a gente. Alguns desenhos já estavam prontos e eu achei que cabiam no zine. Como o da Marielle e o da Matheusa, que a Juliana fez na época em que tudo isso doía ardentemente. Na época eu escrevi o texto da Marielle e ela fez o desenho, eles já se encaixavam. Outros a gente pensou juntas. Nós relemos os textos e pensamos o que poderia simbolizá-los. Foi tudo muito compartilhado, por isso assinamos juntas. É uma criação de irmãs.
Thaís por Juliana DSR

Quando li o zine lembrei muito de uma texto da Clarice Lispector: Eu não aguento a resignação. Ah, como devoro com fome e prazer a revolta. Lembrei também da força dos versos de Maya Angelou em Still I Rise. A dor do agora é um "manifesto", um texto urgente que grita por resistência, uma porrada para acordar os que estão na apatia?

Acho que a A dor do agora trabalha com dois movimentos. Tem essa chamada pública de que é preciso levantar, que o mundo nos exige coragem, que ficar parada não é uma opção. Mas também são processos muito pessoais das dores que lutar e resistir nos causa. Então também é um texto que pode tocar as pessoas que já estão lá, que já tiveram seu despertar político, que já estão nas trincheiras. Porque fala do quantas vezes estamos cansadas, no quantas vezes pensamos em desistir, fala sobre perder batalhas. A morte da Marielle foi uma dessas perdas irreparáveis, que nos destruiu em vários níveis. Ela era a primeira vereadora lésbica e negra que eu conheci. Era mágico saber que ela existia. Nós chegamos a estar juntas na construção do movimento de mulheres lésbicas do Rio de Janeiro. E quando a assassinaram... Nossa! Nada poderia reparar isso! Nós perdemos e sabíamos disso. Mas também sabíamos que Marielle não iria querer ver a gente se conformando com a derrota. Então levantamos em meio a dor. Por ela e por todas as mulheres. Outros textos falam muito sobre a lesbianidade e esse processo de sair do armário, mas não só de sair, mas também de sentir orgulho de quem é (o texto da Cidade e os desejos também fala disso). Todo militante homossexual por mais que levante suas bandeiras com orgulho no presente carrega consigo um passado de dúvidas, muitas vezes de vergonha de si, um processo doloroso de autoaceitação. A dor do agora também é pra elas/eles. A dor do agora mas que a gente sabe que não é pra sempre.


Thaís DRS é professora de Geografia, Mestre em Educação, lésbica e feminista.
*Juliana DRS tem essa sensibilidade no traço que parece se refletir na vida.

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Copio aqui o texto do lançamento do zine, escrito por Anna K de Lima, integrante do Aliás Selo Editorial, uma das escritoras mais porretas do Estado do Ceará, quiça do Brasil! As mulheres do Aliás não se cansam em multiplicar afetos . Elas reverberam o mundo:

A gente se empenha em impulsionar mulheres pelo mundo, Aliás! Uma força revolucionária, essa, de estar de mãos dadas — umas às outras. Daí apresentamos a zine da Thaís e Juliana DSR que nos toca imensamente sobre as formas de nos posicionarmos e sermos resistência nesse mundo. Não tá fácil, a gente sabe (e sofre!), mas é importante que estejamos juntas.



Publish at Calameo


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Taciana Oliveira é cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada por fotografia, café, música e literatura. Coleciona memórias e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra quem quiser ouvir: Ter bondade é ter coragem.

por João Gomes __


Dividido esquematicamente, De mim ninguém sai com fome nos oferta um apanhado de temas que, numa leitura descuidada, podemos acreditar que trata sempre da mesma presença/ausência, quando mais parece que tudo está associado ao “jeito de arrumar o ar no peito”, o ritmo suave no “muito do que eu dissesse poderia ser poesia”. Tendo o amado como o interlocutor de sua metalinguagem irônica e sem chatear o leitor, seu interlocutor de fora, a poeta mineira Norma de Souza Lopes, nascida em 1971 e autora de Borda, quer ser amada porque sabe que na poesia, como no amor, “é só esperar o dia bom”. Seus poemas, alguns, querem ser sussurrados em “decilitros de ar” sendo “quase um suspiro”, já noutros devemos gritar “e se foder com violência” num frenesi tipo Roberto Piva. O que mais encanta é isso partir de uma mulher que faz de seus anseios estéticos a representação pluralizada do desejo feminino sem, necessariamente, se fazer de objeto.


por Taciana Oliveira__

As Duas Mortes de Sam Cooke é um documentário que aborda a trajetória do cantor e compositor considerado por muitos o pai da Soul Music ou o Rei do Soul. Sam Cooke foi um dos primeiros e mais importantes artistas militantes dos direitos civis americanos. Filho de um pastor evangélico, criado em Chicago, começou sua carreira musical cantando em igrejas até tornar-se vocalista de uma banda gospel. Anos depois foi contratado por uma grande gravadora e sua voz ganhou as rádios americanas. Por sua elegância e suavidade na interpretação, no início da carreira passou a ser comparado a Frank Sinatra.
Visionário, em uma época que as grandes gravadoras dominavam o mercado, investiu na criação de um estúdio de gravação voltado exclusivamente na valorização e contratação de músicos negros. Era amigo de Muhammad Ali, Malcolm X, Smokey Robinson e de tantos outros nomes que contestavam a política segregacionista do governo americano. Cooke era o segundo maior nome em vendas da gravadora RCA, ficando atrás apenas de Elvis Presley. Talento incontestável, morreu aos trinta e três anos em circunstâncias até hoje não devidamente esclarecidas. Seu legado musical inspirou gente como Marvin Gaye, All Green e Michael Jackson. Inspirado em Bob Dylan, que escreveu Blowin' in the Wind, Cooke compôs Change is gonna come, canção que virou o hino dos direitos civis nos Estados Unidos. Seus versos foram citados no discurso de posse do presidente americano Barack Obama em 2014.

A direção do documentário é de Kelly Duane . O filme é costurado por depoimentos de familiares, amigos e fãs, e ainda conta com as participações de Quincy Jones e Dionne Warwick. Abaixo uma playlist de grandes sucessos de Sam Cooke e o trailer do filme.



I was born by the river in a little tent
Oh and just like the river I've been running ever since
It's been a long, a long time coming
But I know a change gonna come, oh yes it will

It's been too hard living but I'm afraid to die
Cause I don't know what's up there beyond the sky
It's been a long, a long time coming
But I know a change gonna come, oh yes it will

I go to the movie and I go downtown
Somebody keep telling me don't hang around
It's been a long, a long time coming
But I know a change gonna come, oh yes it will

Then I go to my brother
And I say brother help me please
But he winds up knockin' me
Back down on my knees

There been times that I thought I couldn't last for long
But now I think I'm able to carry on
It's been a long, a long time coming
But I know a change gonna come, oh yes it will

A Change Is Gonna Come, Sam Cooke








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Taciana Oliveira é cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada por fotografia, café, música e literatura. Coleciona memórias e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra quem quiser ouvir: Ter bondade é ter coragem.


por Taciana Oliveira___



Sim, Boneca Russa merece uma maratona. Assisti de um fôlego só. A série tem um roteiro inteligente, uma narrativa enxuta construída por diálogos hilários. A ironia e o loop atemporal que permeia os oito episódios são a fonte de sustentação para o desenvolvimento dos conflitos psicológicos das personagens. Porém, nem tudo na série é motivo pra gargalhada. Rir de tudo em Boneca Russa é sinal de desespero.
Natasha Lyonne
A história começa na comemoração do aniversário de Nadia (Natasha Lyonne), que após um acidente “fatal” mergulha em uma espiral de repetições diárias com efeitos diferentes para determinadas situações de sua existência. Nessa viagem é possível vislumbrar passagens determinantes na formação de sua personalidade, e perceber que o seu envolvimento com o mundo estabelece consequências inevitáveis para quem a cerca. Com um elenco extremamente afinado, uma montagem ágil e uma trilha sonora que te pega no primeiro verso de Gotta Get Up, de Harry Nilsson, a série é uma caixa de referências pop que vão desde a citação do filme Vidas em Jogo de David Fincher até o nome da empresa onde Nadia trabalha, Rock and Roll Games, uma homenagem explícita a produtora Rockstar Games, das séries Grand Theft Auto e Red Dead Redemption.
Fuja do clichê “mais um roteiro parecido com o filme Feitiço do Tempo.” A produção em questão não é o primeira a utilizar do mesmo recurso narrativo. La jetée, um curta-metragem de ficção científica, dirigido pelo francês Chris Marker em 1962, já apostava na fórmula. Há dezenas de outros títulos que utilizam dessa ferramenta criativa para criar histórias que transcendem além do loop atemporal e da viagem no tempo. Boneca Russa não é uma simples comédia de costumes. A proposta das roteiristas Natasha Lyonne, Leslye Headland e Amy Poehler, extrapola comparações simplistas com o filme de Harold Ramis. Fuja dessa premissa e dê o play no primeiro episódio.








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Taciana Oliveira é cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada por fotografia, café, música e literatura. Coleciona memórias e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra quem quiser ouvir: Ter bondade é ter coragem.


por Taciana Oliveira__




O que a gente mais precisa é aprender a se levantar desse lamaçal que invadiu casas, ruas, escolas e instituições. Ele tomou conta de templos, batizou o judiciário, abençoou o legislativo, executivo, excluiu o juramento de ética da grande imprensa. Essa lama toda faz pouco caso dos direitos humanos, aplaude políticas excludentes, favorece uma hipocrisia cínica que elege imbecis. E são essas mesmas pessoas que querem definir a sua vida, o seu direito de ser. Desmerecem a história, sua condição sanitária, a garantia de segurança, sua identidade sexual. Eles vandalizam ecossistemas, apoiados em uma moral cristã que Cristo rejeitaria. É urgente tirar essa sujeira de cada cômodo, avenida, hospital e aldeias... A nossa apatia também responde por esses corpos enterrados na lama.

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Taciana Oliveira é cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada por fotografia, café, música e literatura. Coleciona memórias e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra quem quiser ouvir: Ter bondade é ter coragem.

por Taciana Oliveira__








Hoje acontece o lançamento de Quintais do Cariri – pequeno registro do brincar, de Letícia Graciano Nunes (Aliás Editora, 2018). Tive oportunidade de conversar com a autora nesses últimos dias. A partir dessas conversas produzimos duas peças audiovisuais para divulgação da obra. Quintais do Cariri – pequeno registro do brincar é um livro para educadores, crianças e adultos. É uma pesquisa alimentada pelo resgate oral, pela memória e por afetos. Abaixo segue o texto de divulgação do Aliás, coletivo do qual tenho a alegria de ser uma das participantes, e os vídeos produzidos para o lançamento do livro.

Quintais do Cariri – pequeno registro do brincar

Ao fechar os olhos lembrando de sua infância, que momentos felizes te percorrem na pele? Que cantigas você ouve? Que brinquedos e utensílios esquisitos hoje não há mais entre nós, que essa nova geração não domina?! Bila, raia, cirandas, elástico, carniça, pega-pega, bandeirinha, pistas de carrinho na areia, xibiu, quintais e quintais plenos de alegria!
Quem registrou as brincadeiras das nossas crianças no território do Cariri Cearense, foi a Letícia Graciano Nunes, mãe de Cora e campeã de voos altos em balançadores de árvores. Uma sábia escutadora de histórias que andou pelo Crato, Juazeiro do Norte e Potengi fotografando e conversando com pessoas adultas e crianças que – oxalá! – continuam a exercer seus papeis do bem brincar pelo mundo afora! Quintais do Cariri – pequeno registro do brincar  traz desenhos feitos em lápis de cor, giz de cera, explicações de como se brinca e até partituras para se cantar/tocar as canções que outrora embalavam as brincadeiras.
Letícia Graciano Nunes

Um registro dos dias de ventos a transpassar os cabelos, de suor escorrendo pela testa, de pé no chão dos terreiros e aquela sensação maravilhosa de andar de bicicleta sem as mãos! O livro é um convite às percepções, sem forçar a nostalgia, pois ainda há muito o que se brincar pelo espaços e quintais!
O livro foi agraciado com edital Mais Infância, apoiado pela Secretaria de Cultura do Estado do Ceará, Lei 13.811, de 16 de agosto de 2006, que permitiu sua materialização.
Pensado em parceria com a Aliás Editora, editora independente que publica e projeta ações de mulheres, sejam elas cis ou trans, pelo mundo. Parida em setembro de 2017, a Aliás Editora possui diversos títulos no mundo, entre publicações físicas e virtuais, exposições, formações e o enorme desejo de seguir caminhando rumo àquele lugar no mundo aonde as mulheres sejam escutadas/lidas/pensadas.
SERVIÇO



Quintais do Cariri – pequeno registro do brincar
Autora: Letícia Graciano Nunes
Ano de Publicação: 2018
Editora: Aliás Editora
Nº páginas: 38







                                                             


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Taciana Oliveira é cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada por fotografia, café, música e literatura. Coleciona memórias e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra quem quiser ouvir: Ter bondade é ter coragem.

por Taciana Oliveira___

Arquivo de Talles Azigon
Lembro daquele novembro de 2012: Juazeiro, Crato, um céu que brilhava em outra intensidade. Lembro do All Star cor de laranja, do almoço no Guanabara, das conversas sobre Camus, Cassiano Ricardo, do carnaval de Recife e Olinda , do mar de Iracema e do sorriso de Talles Azigon. Depois de alguns anos retomamos o nosso papo. O rapaz que eu conheci no sol do Cariri conquistou um punhado de sonhos.
Quando nos conhecemos em 2012, no Crato, você caminhava para os primeiros passos da criação de uma editora independente. Alguns meses depois, na companhia de amigos, nasce a Editora Substânsia, responsável pela promoção de novos nomes da literatura e de renovar a cena literária independente do teu Estado. Conta dessa tua trajetória como editor e de como funcionava a curadoria para as publicações da editora.
A Substânsia, que vai completar cinco anos de existência, é uma editora independente, que nasceu em Fortaleza, da vontade de três pessoas, eu, Madjer Pontes e Nathan Magalhães, de ver boas e bons escritoras e escritores que até então não conseguia ter sua obra impressa em livros, publicados em edições bem acabadas, bem editadas. Foram mais de 35 livros publicados, livros de poemas, romances, ensaios, crônicas, contos, traduções... um catálogo que não faz feio perto de uma grande editora. Os nomes e os títulos publicados, alguns recebemos por email, alguns já conhecíamos e desejamos publicar. A publicação geralmente é coparticipada, sendo que também arriscávamos investindo em projetos especiais, como a coleção mormaço e a edição bilíngue de Electra, traduzido pelo Professor Orlando Araújo.
Tua história como poeta vai além da publicação dos teus livros. Você sempre teve, mesmo que indiretamente, uma preocupação em evidenciar o papel do artista na construção de um pensamento crítico. Agora com a criação da Livro Livre Curió Biblioteca Comunitária, você aposta na formação de crianças e adultos da tua comunidade. Como surgiu a ideia de transformar tua casa em uma biblioteca comunitária?

Eu nunca acreditei em arte pela arte, sempre acreditei em arte pelo outro, logo, pela vida. Tive no meu trajeto um sem número de pessoas, bibliotecárias, poetas, musicistas, educadores, que facilitaram a construção do meu pensamento, que foram minhas interlocutoras, minha universidade. Desde pequenino, quando comecei a gestar em mim a maravilha da leitura, juntar livros que eu conseguia, comprava, ou garimpava das casa de amigos que não fazia muita questão deles e eu os pedia pra mim, na prateleira da sala da minha vó, fingindo ser uma biblioteca, era um dos meus passatempos prediletos. Quando conheci uma moça chamada Anitta Moura, criadora de um movimento chamado Livro Livre, que compartilhava livros em espaços públicos e criava pontos de compartilhamento de livros, eu pensei, essa é a hora, vamos lá. Fiz a biblioteca, que já eu certo antes mesmo de existir, não poderia ser diferente, os livros pautam minha vida. 
Arquivo de Talles Azigon
Tua produção poética transcende as fronteiras cearenses, não apenas por ser uma narrativa atemporal, mas por proporcionar ao leitor uma identificação genuína, sem medo de contrapor a realidade careta e covarde que tanto combatemos. Fã confesso de Bandeira e Cacaso, tua poesia transborda o direito pleno de existir/resistir: Meu coração não é covarde/mesmo amando dois/nunca amará pela metade. Como e quando nasce a poesia em Talles Azigon?
A poesia está guardada nas palavras, é tudo que eu sei, também sou fã do Manoel de Barros, da Cora Coralina, da Conceição Evaristo, da Carolina de Jesus, da Cecília Meireles, do Francisco Carvalho, do Mário Gomes, da Clarice Lispector, da Adélia Prado, sem falar de todas as escritoras e escritores que editei, e que não cito, pois seria injusto, já que não dá pra listar todo mundo. É bem difícil afirmar com convicção como nasce a poesia, pois é tão múltiplo, pode ser de uma gozada, ou dá vontade de dar uma gozada, da raiva, da contemplação, do tédio, do deslumbramento. Eu acho que vivo em estado de poesia, não que isso seja um dom, ou uma dádiva, acho que isso foi uma escolha de vida, por isso me alimento de palavras a todo momento, amo falar, amo escutar histórias, amo conversar. Minha casa tá aberta vinte e quatro horas para quem quiser debater qualquer assunto. Nunca fui uma pessoa silenciosa, tanto que um dia escrevi pensado em Orides se toda palavra é crueldade, todo silencia também o é.
No momento em que o país atravessa um imenso descaso as causas humanitárias, e grupos alimentam o discurso de ódio as minorias, recordo do seu resgate a obra de Maria Carolina de Jesus, tua luta incessante em valorizar uma política de igualdade em todos os setores. Dentro desse contexto nos presenteia com uma lista de dez títulos imprescindíveis para a formação de um leitor.
Quarto de Despejo, Carolina Maria de Jesus
Estrela da Vida Inteira, Manuel Bandeira 
A faca no Peito, Adélia Prado 
A hora da Estrela, Clarice Lispector  
A casa, Natércia Campos 
A importância do Ato de Ler, Paulo Freire 
Cinco Semanas Em Um Balão, Júlio Verne 
Os Pestes, Road Dhal 
Menino do Mato, Manoel de Barros
Olhos D’água, Conceição Evaristo
Você acaba de lançar a segunda campanha colaborativa para o financiamento do *Saral#2. Conta como foi o lançamento da primeira publicação. Qual a importância de continuar a lançar novos nomes sem as amarras do mercado editorial?
O saral surgiu depois de eu ter lançado dois livros e editado outros 30, eu me toquei de que estava fazendo literatura ainda para poucos, mesmo a frente de uma editora independente. Então eu pensei em fazer um livro que cada uma/um pagasse de acordo com suas possibilidades financeiras. Acho que devemos propor sempre outras coisas, não se submeter ao que está estabelecido. Tanto que eu começo o saral afrontando afirmando vocês querendo ou não, isto é literatura.
           
Sobre o Saral: A campanha colaborativa para o Saral#2 vai até 20 de fevereiro. Colabora aqui: https://goo.gl/5AzqJh
                                                                                                             






     Videopoema O ópio do povo - Talles Azigon
     Direção Roteiro e Edição: Taciana Oliveira

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Talles Azigon é poeta, produtor cultural, editor, mediador de leitura, curador de eventos literários e contador de histórias. Foi um dos fundadores da Editora Substânsia, editora cearense independente com mais de 35 títulos publicados. Foi Secretário Geral do Conselho de Políticas Culturais de Fortaleza, representando no mesmo o segmento da Literatura, no biênio 2013/2014






                                                           




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Taciana Oliveira é cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada por fotografia, café, cinema, música e literatura. Coleciona memórias e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra quem quiser ouvir: Ter bondade é ter coragem.












por Taciana Oliveira___


Divulgação

Patrícia Naia é poeta, periférica, ativista e produtora do Slam das Minas PE. Conversamos um pouco sobre sua trajetória e os preparativos para as novas performances e batalhas poéticas em 2019.

1 - O Slam nasceu na década de 1980 nos guetos e periferias americanas. Poesia, hip hop e grafite construíram uma cena e ajudaram a produzir uma identidade de resistência e reconhecimento cultural nos Estados Unidos. No Brasil essa onda toma força em 2008 com uma série de eventos dedicados ao rap e a poesia. Em 2015 acontece o primeiro Slam em Brasília, e no ano seguinte em São Paulo. Você é uma das organizadoras do Slam das Minas em Recife. Conta como foi a ideia de trazer o evento pra a cena urbana recifense. Fala um pouco desse diálogo com o Slam das Minas de SP.

Eu e Amanda Timóteo já trabalhávamos com o Controverso Urbano, acompanhávamos o Slam Resistência, e o Slam das Minas SP por vídeos, materiais e etc... O Controverso Urbano é um coletivo que realiza saraus em praças e lugares públicos da cidade, daí, eu e Amanda ficamos empolgadas em trazer o Slam pra cá, ficamos confortáveis porque já tínhamos essa experiência, e achávamos muito importante ter um espaço para mulheres mostrarem suas produções literárias, compartilhar experiências… Então, em agosto de 2017 fizemos o primeiro evento.

2 - No Slam a poesia reverbera a autonomia do corpo feminino dentro do espaço urbano. As batalhas poéticas apresentam bem mais que um desafio de rimas. Elas conectam uma geração de mulheres que atuam para quebrar uma estrutura social de cerceamento aos seus direitos e a sua opção de ser. Podemos considerar que o evento por ter participação exclusiva de mulheres é também um espaço de “segurança“ para abordar pautas relativas a repressão sexual, preconceito racial e homofobia? 

Claro. Trazer o espaço pra cá, tem tudo a ver com isso. Com criar espaços seguros onde as mulheres se sintam a vontade, confortáveis e animadas em ver outras mulheres mostrando suas produções, suas performances literárias, seus trabalhos.
Além disso, é um espaço que gera visibilidade, trocas, identificações e com certeza se torna um espaço de reivindicações, de protesto através da poesia.

3 - Você é natural de São Paulo, radicada em Recife desde os 08 anos de idade. Sua trajetória é periférica. Vivemos em uma capital que registra altos índices de violência contra as mulheres. Violência essa que se manifesta também em agressões verbais e na repressão religiosa e sexual. Sua criação literária é fruto desse olhar sobre essa cidade e da sua condição de mulher negra e lésbica?

Sem dúvida. Sempre digo, que gosto muito de escrever sobre a cidade e todos os meus sentimentos em relação a ela, sejam os de medo, de alegria, de bem-estar, ou de protesto. O que escrevo hoje é fruto das minhas experiências vividas na favela, na zona norte de Recife, das minhas vivências enquanto professora, mulher negra dentro desse contexto urbano tão violentador. Hoje eu escrevo muito do que eu vivo, e também crio outras vidas através da poesia.

4 - O Punho fechado no fio da Navalha (Editora Castanha Mecânica, 2017) e o zine A Vida é delas são obras com sua assinatura. Sua poesia carrega visceralidade e potência aliadas a uma postura feminina de resistência. O poema é sua geografia. Vou pegar carona em um dos seus versos e te pergunto: O poema é o caminho do teu corpo?

Hoje a poesia é o caminho pelo qual eu me acesso, me conecto com minha ancestralidade, me conecto com histórias de representatividade, me renovo. Então, de todas as forças existe um caminho de mão dupla entre mim e as poesias que eu escrevo, e que eu leio.

5 – Agora em janeiro acontece mais uma edição do Slam das Minas. O que você espera para os próximos meses em um país alimentado pelo ódio as minorias? A literatura será bandeira, estandarte de combate a intolerância?

A poesia que é produzida no Slam tem uma característica forte de manifesto acho que esse ano essa vai ser uma bandeira importante de luta para quem trabalha no cenário literário.
Após o evento de janeiro, estamos preparando a edição de 2019 das batalhas, fazendo parcerias com escritoras de outros estados, projetos. Acredito que 2018 foi um ano muito importante para o Spam das Minas PE. Alcançamos coisas grandes, visitamos escolas, realizamos batalhas na cidade e fora dela, aprovamos editais, enfim. Para 2019 o desejo é dobrar essas realizações, estamos trabalhando duro, com afeto e resistência para isso.


 Fotografias de Bárbara Ellen

Fotografia: Bárbara Ellen
Fotografia: Bárbara Ellen
Fotografia: Bárbara Ellen
Fotografia: Bárbara Ellen



por Tânia Consuelo___

Francesca Woodman
Viver reprisando mais uma vez. 
Algo redundante. Estava cansada da cor estéril do esmalte. O cigarro dourando os dentes, enegrecendo os lábios. Diacho epidêmico. Agosto na vida. E quem escreveu essa obra. Quem foi que não recriou as histórias da vida? Melinda sempre a cozer e empanturrar. Comida encomendada pelo diabo. Olhava para o lado e um ramo de arruda para contrabalancear. A pequena que tanto sonhava? A minha querida olhando para onde não tinha gente. Era sempre assim e eu tentava imaginar o que passava. Não era às vezes que colocava os olhos para a parede. E eu parava e vagava meu pensamento a tal ponto que tudo ao redor perdia o foco, passava a me comunicar com o passado. Refazia uma a uma as questões ao me relacionar com o mundo. Muitas pessoas eu lembrava e de repente um gosto de sangue na boca. Fazia muitas costuras com sentimentos de mágoas e ponderava cada rancor. As intrigas iam se desfazendo na minha cabeça. Aquilo que vinha na minha mente, sentimentos que se interpunham a qualquer angústia. E meus impulsos que não pretendiam reconhecer certas ousadias. Não adiantava voltar atrás dos que vêem a vida por um ângulo tão arbitrário. Que se mentem o tempo todo. A ilusão que está sempre pronta a revidar e tolher-se depois de uma intriga. E pensava o quanto era interessante saltar de um ponto e ver a vida de fora. Qual um satélite para com a Terra. Por esta premissa, o desgosto não mais me abala. A angústia se desfaz. Não sou eu que tive ausências, pois exilar-se é também uma forma de dizer que em algum lugar existe o não-exílio. Para que ter medo da loucura? O reflexo de uma loucura está no profundo da alma. E quando me tenho raso eu simplesmente adoeço. Porque não dá mais para ver certas coisas quando se prefere a superfície para nunca temer o óbvio que é a vida. Então pretendes encarnar sempre do mesmo ponto para sentir somente uma parte do existir. A dor é o revés da tolice.


por João Gomes___

Recordo a primeira vez que tive acesso, por meio do YouTube, com o trabalho de Liniker. Ao primeiro contato senti medo daquele estilo tão potente, capaz de desestruturar o turbilhão de significados contidos em sua maneira suave e poética de dizer as coisas com uma sintonia estarrecedora. Fui inteiramente abduzido. Tudo ali, inclusive o grupo Os Caramelows, era dado em fatias no momento certo, e nada sobrava. Ora com um vozeirão no estilo Tim Maia, ora com uma voz suave, às vezes rouca e às vezes grave, suas canções, como sugere o título do seu primeiro disco, Remonta (2016) o amor e suas raízes. É realmente de se tombar, e tombar o preconceito.

Seu EP de estreia, Cru (2015), foi gravado ao vivo para imprimir a força do momento de natureza íntima, e realizado de forma colaborativa através da plataforma Catarse. Em uma semana, um dos vídeos gravados chegava a um milhão de visualizações, e uníssono e eternamente os internautas agradecem que a black music de seu estilo tenha adentrado na nova música brasileira, fazendo muitos se gostarem ainda mais, por meio de tanta identificação. Música de ou sem qualidade vicia, e quando possui autonomia e referências que transcendem, já viu aonde pode chegar. E tudo isso sem ambição, somente para empoderar sua existência, seu direito de estar e fazer o que bem desejar, embora carinhosamente já seja chamada de deusa pelos fãs.


Divulgação

Com formação cultural do samba ao soul, Liniker de Barros Ferreira Campos, ou simplesmente Liniker, cujo nome é uma homenagem ao futebolista inglês Gary Lineker, vem de uma família de músicos profissionais da cidade de Araraquara, interior de São Paulo. Performático em todos os sentidos, tendo primeiro estudado teatro na Escola Livre de Teatro de Santo André na adolescência com o desejo de desenvolver seu visual não-binário, inicialmente se apresentava com uma mistura de turbante, saia, argolas, batom e bigode. Mas sabemos que Liniker é muito mais que isso, e não alguém que deseja apenas chocar. Em entrevista ao EL PAÍS, questiona: “Por que colocar uma calça jeans e uma camiseta e mostrar meu trabalho só com a voz? Meu corpo é um corpo político.”

Mesmo muito jovem (nascido, pasmem, em 1995), através de suas referências sentimos o quanto é orgânico e clássico o seu trabalho, tendo uma força capaz de se inserir em qualquer público liberto. Tássia Reis, Tulipa Ruiz, Clube do Balanço, da música brasileira atual, Nina Simone, Etta James, Beyoncé, Mariah Carey, Caetano, Gil, Gal e Cartola são as referências e o que ouve Liniker. Com o apoio do público internauta, seu começo viralizou e fez sua carreira virar da noite para o dia. Mas nada veio pronto, suas composições vêm desde os 16 anos, cartas que não tinha coragem de enviar aos garotos que desejava ter algo, quando agora nos embala os corações como salvação da nossa música nacional. Tamanha a força, sente-se que veio para permanecer.

Para que o público idolatre um artista, nem sempre seu trabalho precisa ser consistente. Chocar, ou simplesmente lacrar, tombar, também qualquer um pode ter esse desejo maior e vir a realizá-lo, esquecendo outros requisitos, ou não tendo como interferir nisso, por mais que faça parcerias para alavancar mais ainda o efêmero sucesso na mídia. Liniker começou por baixo, o mais baixo átrio de nossos corações, com o sucesso Zero, onde entoa o seu autobiográfico “Peguei até o que era mais normal de nós / E coube tudo na malinha de mão do meu coração” para cantar uma sofrência tão comum quando em questão de amor “A gente fica mordido, não fica?”, e bem mais ainda quando esta mesma canção já ultrapassa os 22 milhões de visualizações. Podem até dizer que sofrência é o que vende, depois do cantor baiano Pablo, ou da drag e cantora Pabllo Vittar e, mais recente e com mais apuro estético, a recifense Duda Beat que também estourou com o álbum Sinto muito.

A autonomia de opinar foi dada a todos após o surgimento da redes sociais, mas só o de opinar, ser diferente 24h e independente não, ainda é visto como doença, palhaçada, vontade de aparecer, oportunismo. Felizmente Liniker nunca sofreu agressões físicas por ser o que é, esse cruzamento entre o masculino e feminino, um ser não binário, isto é, fora do contexto limitador que conhecemos biologicamente. Mas ultrapassar todos esses gêneros, e com um talento tão arrasador, não é para muitos por mais que queiram. Para alguns, Liniker não precisava de nada além da voz, sendo todo o resto apelatório e descabido, isso como se estivéssemos na era do rádio e não da imagem. Ainda para isso da apelação, citemos Nego do Borel no seu clipe Me solta, onde sempre travestido beija outro homem para ultrapassar no momento os 140 milhões de visualizações de uma música pensada somente para baile funk. No mesmo vídeo, alguém alfineta: “Critica o cara, mas no Carnaval sai vestido de mulher e se amarra.” Quando é para a minha alegria, pode, não é errado, mas se o outro ultrapassa o mês da folia, é doença e apelação.

A cantora Liniker, como prefere ser chamada, no feminino, já saiu das fronteiras brasileiras, chegando recentemente a participar do Tiny Desk Concert produzido pela NPR Music, rádio de titularidade pública e sem fins lucrativos do EUA. Em tradução livre, sobre o concerto de Liniker e os Caramelows, escreveram na descrição do vídeo: “Assistir a esta performance é testemunhar um feitiço sendo lançado, nota por nota. [...] Você tem que voltar para a mistura de jazz e música brasileira no final dos anos 50 para apreciar a afinidade que nossos dois países tiveram um pelo outro musicalmente.” Também anteriormente esteve na TV portuguesa RTP, fazendo todos os apresentadores dançarem com uma composição que parte da sofrência para o amor propriamente de alguém-ele-mesmo que é chamada de Tua. Aí está uma troca positiva entre as nações, de caráter cultural e não ideológico, de riqueza cultural e não de bestialidade fascista.

Liniker sem nenhuma afetação é brasileiríssima, com uma identidade própria, dona de um trabalho visceral e sobre ser ele ou ela responde: “Quando me questionam sobre gênero, eu falo que eu não sei quem eu sou e eu acho que é importante viver essa dúvida também. Eu não preciso ter uma certeza de ‘sou homem’ ou ‘sou mulher’, meu corpo é livre, meu corpo é um corpo político, ele merece a liberdade dele e eu preciso caminhar com isso, aceitar que eu sou assim”, disse em entrevista ao G1. É para isso que se luta, para empoderar e sair do “menina veste rosa e menino veste azul” que não acrescenta nada na evolução humana, pelo contrário, resume e encerra junto com o fascismo todas as problemáticas de nosso tempo.