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Fotografia: Jan Ribeiro |
Fred
Caju (1988) é um guerrilheiro cultural na resistente cena de
literatura contemporânea do Recife/PE. Organizador de mostras que
reúnem várias editoras independentes, escritor premiado no V Prêmio
Pernambuco de Literatura na categoria poesia com o volume Nada
consta, é editor-idealizador
da Castanha Mecânica. É ainda autor de Arremessos
de um dado viciado, As
tripas de Francis Conceição por ela mesma,
O revide das pequenas maldades,
Permanência,
entre outros. Em meio ao tempo corrido do artista, conseguimos bater um papo sobre sua experiência como publicador independente
em tempos de mercado.
Fred,
só pra descontrair os formalismos, o castanha do nome de sua
editora, Castanha Mecânica, além da referência ao romance Laranja
Mecânica,
tem algo a ver com o teu caju? Assim como o protagonista do lendário
e citado romance de Anthony Burgess, você utiliza as ferramentas que
possui para se revelar contra todo o sistema? Assim como no romance,
sua escrita possui certa jovialidade, mas quanto ao seu trabalho de
artesania, você percebe que conquista todos os públicos?
O
Caju veio do meu nome de batismo Carmo Junior, assim como o Fred
(Ednaldo Francisco). A Castanha veio quase consequentemente, tinha
muito o que pensar não. Tava facinho, facinho. O livro do Burgess
sempre teve um nome plasticamente muito interessante pra mim, peguei
pra editora sem o menor constrangimento. Só alterei a fruta mesmo.
Eu estou sempre buscando ferramentas, novas ou velhas. Faz parte da
pesquisa, e o grande lance pra mim é potencializar o pouco. É o que
tento na escrita e na minha vida pessoal. O Sistema come tudo ao seu
redor e eu também como ele quando vejo brecha, são engrenagens
engenhosas demais. Ser ferrugem nisto tudo é um desafio. E eu não
conquisto todos os públicos nem com a escrita nem com a artesania. E
desconfio de qualquer pessoa que almeja qualquer tipo de totalidade.
Procuro respeitar um nicho de pessoas que tem um alinhamento político
semelhante ao meu. É um trampo muito longo, tem muito desserviço a
ser anulado. Em todas as feiras e eventos literários que participo
encontro pessoas que realmente saem gratificadas pelo meu trabalho,
mas sempre tem gente pra desvalorizar, seja por cretinice ou
imaturidade intelectual. E se tem uma coisa que acredito é na
existência dos cretinos.
É
muito difícil se manter de pé em um mercado que engole as
iniciativas mais jovens e menores. Sua escrita consiste muito em não
se utilizar do coitadismo de não termos leitores nem patrocínio
para realizar projetos. Se Fred Caju fosse somente editor e não
estivesse ocupando o maior espaço da Castanha Mecânica, ela
conseguiria ter o respaldo de aceitação que vem alcançando? A
vontade de se autopublicar é maior ou vai na mesma proporção de
publicar outros autores?
Apesar
de gostar de um certo drama, odeio lamentações. Não assumo esse
papel no delírio narrativo do sistema estabelecido de posição de
subalternidade. Eu nunca comecei com algum recurso na frente pra
fazer algo. Então pra mim nunca foi impossível fazer algo que
acredito. Aprendi desde cedo a andar no escuro. Eu só comecei a
editora por ser autor. Mas andei pensando sobre isso, eu só me
preocupei com o nome após pensar em publicar outras pessoas. Nas
publicações analógicas da Castanha Mecânica o maior espaço, como
tu falou, é meu sim. Mas na época dos ebooks eu era só mais um
dentro do acervo. Minha vontade de editar mais gente cresce a cada
dia. Assim como continuar me autopublicando. Num passado recente se
eu estivesse em negociação com alguém pra publicar o livro e eu
tivesse com um material novo, meu livro furava a fila. Hoje ele entra
na lista de espera muito de boa.
Ter
vencido o Prêmio Pernambuco de Literatura possibilitou mudanças na
estrutura física de sua editora? Como é não precisar de uma
gráfica, e como é oferecer serviços mais artísticos e
personalizados já distintos do estilo cartonera das associações de
catadores? O seu livro de poesias Arremessos
de um dado viciado
possui capa dura. Cada livro é um sonho realizado?
Mudou
nada na editora. O livro [Nada Consta]
demorou uns três anos pra ser feito e o prêmio me deu 5 paus. Se a
gente fosse pensar num salário pra isso não chegaria nem a 140
reais mensais. O massa foi ver o livro num raio que eu não conseguia atingir em colégios e sendo mais
capilarizado pelo interior do estado. Facilita e dar dor-de-cabeça
numa proporção muito próxima isso de ter as ferramentas. Tem que
pensar em espaço físico, estoque, manutenção e os caralhos. Mas
quando estou experimentando novas formatos tenho tudo a minha mão e
posso melhor aproveitar os recursos. A filosofia do movimento
cartonero foi muito mais importante pra mim que sua estética. Devo
muito ao movimento e creio que sempre farei questão de manter ao
menos um livro meu no formato. Eu acho que eu nunca sonhei com um
livro. O livro é quase um sacorfágo de um processo de euforia
criativa. É lindo ver pronto, mas se agitar pensando num próximo é
muito mais foda pra mim. Tenho um carinho imenso pelo Arremessos
de um dado viciado.
Fechei o poemário em 2013 e sempre foi um livro que queria ver em
versão física. Esperei capturar mais técnicas e ferramentas pra
realizá-lo só em 2018. Foi um livro que dividiu muito minha
escrita. Além da capa dura tem um dado recortável e montável
dentro do miolo para que o rumo da leitura seja conduzido através do
acaso, dos lances do dado. Cada livro é cada livro, mesmo que esteja
em formatos próximos, sempre vou alinhar o projeto narrativo e
gráfico pra se entrecruzarem.
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Arquivo Fred Caju |
Como
é estar como curador e integrante numa mostra de literatura
independente, onde se misturam várias linguagens, espaço para
conversas com escritores que estão, a seu jeito, fazendo a cena não
parar? Você se sente no dever de não deixar a Castanha cair?
É
foda. A MOPI, Mostra de Publicações Independentes vem se reforçando
antes mesmo de ter nome. Havia mandando uma proposta de ocupação na
Praça da Palavra do FIG e imediatamente chamei as editoras
independentes pra fazer parte do rolê. Já havia tido contato com
outras editoras com um modus operandi tradicional apesar de carregar
nas costas o peso da produção independente também. Me inclinei com
o pessoal que produz mais de uma forma artesanal, mas isso não é o
x da questão. Essas editoras que fazem parte da MOPI estão juntas
muito mais por um pensamento político de enfrentamento do que serem
artesanais. A MOPI não é um coletivo com membros fundadores ou
paredes, nossas fronteiras e ações são conjunturais. Não temos
regulamento que deve ou não deve. Apenas fazemos e perguntamos quem
tá com a gente. A resposta mais comum é “Sim pra tudo”. Não é
algo que almeja a unidade mas a multiplicidade. E quanto ao dever com
a Castanha… Tenho dever nenhum com ela, desde o começou foi um “Ou
vai ou racha”. Se uma hora rachar, tudo bem. Acho que já estou
gabaritado pra ser um velho cheio de histórias pra contar por conta
da editora.
Já
participamos de uma mesa em 2016 sobre editoras independentes, e eu
defendi por falta de estrutura física o meu trabalho como editor
virtual, e você já dava sinais de que não se renderia ao formato
de leitura atual, o e-book, por não ter rendimento e pouco retorno
de público. Como é ser integralmente esse livreiro nômade
talentosíssimo que sabe tão claramente o que deseja fazer?
Não
tive inteligência pra ganhar dinheiro com ebook. Nem com as vendas,
nem com os serviços ou os desdobramentos, mas um dia quero voltar a
olhar pro livro virtual com atenção, sobretudo pela questão da
acessibilidade e a democratização da leitura. Nunca está claro o
que vou fazer pra mim. E acho que é isso que acaba sendo o meu
farol. Quando eu penso em algo do tipo “Porra, isso é muito doido”
é quando mais eu me instigo a fazer. O livro é um lugar de muitos
fracassos e o Sistema é cruel com sua cadeia produtiva. Eu passei
muitos e muitos anos calado ao fundo de palestras, mesas redondas e
eventos de literatura. Aprendi muito ouvindo, assim como me irritei
muito com muita mediocridade recebendo luz. Meu autodidatismo no
mercado editorial deve ter sido muito impulsionado por vaidades que
tenho. Tem coisas que eu jamais faria ao ponto de me permitir gastar
mais pra não cair na vala comum. Dominar os bastidores do livro
acaba me ajudando enquanto livreiro. Mostro o raio-x do processo
criativo para os leitores e a compra e a leitura são feitas com
muito mais ganância. Eu continuo não sabendo bem pra onde estou
indo, mas tem terreno que com certeza que não quero pisar, não
importa nem se me der mais retorno financeiro.
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Arquivo Fred Caju |
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João
Gomes
(Recife, 1996) é poeta, escritor, editor criador da revista de
literatura e publicadora Vida Secreta. Participou de antologias
impressas e digitais, e mantém no prelo seu livro de poesia.