![]() |
Obra de Mónica Mayer Link:https://goo.gl/WEVirP |
Em
2015 mulheres do país inteiro saíam às ruas para combater o
assédio. Era a primavera feminista brasileira. O estopim, uma garota
de doze anos que participava de um programa de culinária. A
indignação tomou proporções imensas. E era justo que fosse assim.
Desde os tempos bíblicos homens se comportam dessa maneira. Trata-se
de uma prática milenar. E precisa acabar. Resolvi contar aqui o
#primeiroassédio versão bíblica que, diferente das circunstâncias
de hoje, foi julgado de maneira favorável. Estejamos unidas para
evitar, combater e resolver com justiça essas violências. Esta
é a história da Susana, filha de Joaquim e mulher de Hilquias.
Bonita como um lírio, cultivava o hábito de se banhar num lago no
meio do jardim ao meio dia. Tomar banho todo dia era um privilégio
naqueles tempos. Joaquim devia ser muito hospitaleiro porque vira e
mexe em sua casa estavam os anciãos da aldeia julgando casos do
populacho, uma vez que eram juízes. As vistas da bela Susana e de
seus hábitos acenderam os velhinhos, coisa que as pessoas costumam
ignorar. Acham que velhos são assexuados.
Arderam
tanto que acabaram confessando-se um para o outro e tramando um
terrível ardil contra a pobre Susanita. Como de costume, ao meio-dia
a menina dirigiu-se para o jardim, despiu suas vestes para banhar-se
e pediu às criadas para buscar óleo e bálsamo e também para
fechar a porta do jardim. Com a saída das criadas os velhos se
lançaram sobre Susanita ameaçando: "As portas do jardim estão
fechadas, ninguém nos vê, e nós te desejamos. Por isso, consente
conosco e junte-se a nós! Se recusares, testemunharemos contra ti
que um moço esteve contigo, e que foi por isso que afastaste de ti
as meninas". Susanita decidiu que ceder seria uma ofensa a seu
Deus e pôs a boca no trombone. E os anciãos cumpriram a ameaça de
calúnia em assembleia e condenou a pequena à morte por
apedrejamento porque o que a turba quer é ver sangue.
Daniel
ainda era novinho mas encasquetou com a palavra dos dois juízes e
levou os dois para a acareação. Um disse que tinha visto o ato
debaixo de uma árvore alta e o outro disse que tudo ocorreu debaixo
de uma árvore baixa. Descoberta a mentira dos anciãos, a multidão
feliz pode apedrejar os dois e Susanita voltou aliviada para os
braços de seu Hilquias, passear pelo jardim. E foram felizes para
sempre. Ou não. Aqueles
não eram bons tempos para as mulheres.
------------------------------------------------------------
Mamilos, texto integrante do livro De mim ninguém sai com fome de Norma Souza Lopes
Norma de Souza Lopes é poeta, autora dos livros de poemas "Borda" (Patuá, 2014) e "De mim ninguém sai com fome" (Patuá, 2017) das participou antologias "Versos da Violência" da Editora Patuá, "Entre lagartas e Borboletas" da Scenarium Livros Artesanais, “Antologia Senhoras Obscenas” e de diversas publicações virtuais (Germina, Mallarmagens, InComunidades, Vida Secreta etc.). É Escritora efetiva da Revista Escritoras Suicidas. Vive em Belo Horizonte/MG desde 1971, ano em que nasceu. "Créditos//cabelo da mãe/olhos do pai/design do miolo/e da fachada/da vida//mas a poesia/e melancolia/é minha." Blog: https://goo.gl/4RjsM9