por
Cristina Huggins___
De
tanto olhar as grades, seu olhar
esmoreceu
e nada mais aferra.
Como
se houvesse sĂł grades na Terra:
grades,
apenas grades para olhar.
Rilke,
A pantera

Quantos
gritos cabem no silĂȘncio dessa cidade? O mĂ©dia-metragem da
diretora é também uma pergunta que rouba o sossego. No
filme, a cidade Ă© melancĂłlica, assombrada pelo descaso e pela
incerteza. Suas personagens, “panteras-bĂpedes”, aprisionadas
nessa urbe nada gentil, deambulam pelas ruas, atormentadas em meio Ă
nostalgia e Ă angĂșstia. Uma delas vagueia atĂ© esbarrar na
mesma porta. Confere a residĂȘncia, velha conhecida, e tomba o corpo
fatigado na mesma cama. Ă noite. Ă dia. Ă noite. Ă dia. Ă noite.
Ă dia... Desperta, sufocada por um cotidiano linear.
“Uma
cidade Ă© um corpo de pedra com um rosto”, escreveu Machado de
Assis. Taciana mostra o rosto de sua cidade. Ousada, evita
obviedades. Escolhe uma vereda tortuosa para dialogar com o
espectador. Dispensa a narrativa esperada, conduzida pela palavra, e
constrĂłi uma crĂŽnica imagĂ©tica que flerta com a mĂșsica. Na tela,
passeiam tipos insones, alucinados, atordoados, perdidos; mas
igualmente solidĂĄrios, generosos, puros e, Ă s vezes, confiantes.
Ela incorpora cada um deles como alter egos e convoca a
sociedade Ă reflexĂŁo.
O
destemor e a singularidade da cineasta chamam a atenção. à preciso
valentia para fazer perguntas lancinantes e cortar o prĂłprio
mĂșsculo. Ela tem essa coragem. NĂŁo receia sangrar. Como Saramago,
brada aos sete ventos: “Se tens um coração de ferro, bom
proveito. O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo dia”. Seu
trabalho é faca amolada. Fere, mas também emancipa. As cores
incidentais, a generosidade de pessoas de uma comunidade humilde e a
inocĂȘncia de uma criança-anjo — punctum de uma cena hostil
—, entremeadas no cenĂĄrio sombrio do filme, acenam para respostas
e uma esperança de cidade harmĂŽnica possĂvel.
Neste
e-book, estĂŁo reunidos frames e fotografias da
diretora, textos de convidados, e de escritores selecionados por ela
para integrar a edição. Apreciar esse material é empreender uma
jornada pela visĂŁo de Taciana sobre viver e conviver nas metrĂłpoles
de hoje. O e-book e o média-metragem fazem parte dos trabalhos
levados ao pĂșblico pela Galeria do Meio-dia, projeto da Garagem 94,
em 2018.
________________________________________
Cristina
Huggins Ă© especialista em LinguĂstica aplicada(UFPE). Tem
formação em Estudos Hispùnicos (Salamanca, Espanha). Sua
experiĂȘncia inclui ensino, pesquisa, produção de textos e
tradução.
__________________________Abaixo vocĂȘ pode assistir o trailer do filme e visualizar o catĂĄlogo da exposição.