Somos ameaças não por beijar outro homem

por João Gomes__

Enquanto o ódio deveria ser combatido, por meio da educação, ele vem à tona por perseguição às minorias. Não quero falar a notícia, só cravar minha ira sobre Dorias, Crivellas e toda trupe treinada ao absurdo tão sem ordem e progresso. Mas só relembro que um recolheu apostilas do ensino público de São Paulo por uma página tratar de identidade de gênero e o outro fez perseguição às obras de temática LGBTI comercializadas na Bienal do Rio de Janeiro. O ódio disfarçado de política pública quando desperta a exclusão guiado na violência ao próximo. O que excita os fascistas é mesmo uma arma na mão. E livro é uma arma, ferramenta das mais poderosas. Mais amor em SP e RJ e em todo o Brasil é pedir o mínimo diante desses vendavais.




Sabemos que o tema vai e volta, e que a população, em sua maioria, não tem realmente todo esse ódio ao público LGBTI. Por que onde que já se viu dois homens se beijando numa HQ da Marvel, em que interfere na minha vida ou no futuro? Quem mantém relações sociais saudáveis sabe o quanto é enriquecedor ter amizade com um homossexual, o que é bem diferente de travar amizade com um miliciano, com um pastor que diz que você vai pro inferno enquanto ele abusa de menores. Abuso é um tema recorrente, abuso de poder nem se fala, que isso vemos todos os dias pelos ladrões de colarinho. O poder de nada fazer é a nova política, só o de piorar o que, se nunca esteve bom, eles torcem para que dispare.


Por que fazem isso? Porque o espírito conservador e hoje mais reacionário ainda impera, a inaceitação de si ainda é massante, o desconhecimento e a ignorância a tudo também. O povo tem culpa? Não, mas que reaja, desperte do ódio à vida, que se dê ao luxo de viver com dignidade. Não existe medo ou risco de nos tornarmos uma nação gay, além de isso ser impossível, é que se posicionando contra faz com que sejam aprovados #elesnão com reformas que só diz interesse aos ricos, que aprovem a liberação das armas, que permitam que a Amazônia seja desmatada sem fazer nada para que impeça. É um tema engolindo outro, até engolir de vez toda a gente.

Quando ouço na rua um “Bolsonaro vai te pegar!” gritado sem fôlego por um velhinho segurança de umas lojas aqui do centro do Recife, não sei se choro, se dou uma risada, se aplaudo sua autoimunidade. Atacando minorias, destratando mulheres, se mostrando machão, racista e em nome da família, o retrocesso chegou para perseguir oficialmente. Mesmo com essas atitudes, conseguiram fazer uma grande parcela da população crer que isso traria a ordem. Dizer que não imaginavam que também não teríamos mais avanço e voltaríamos aos anos de chumbo, isso é tão fake new quanto tudo que foi compartilhado à época.

O ódio move todos os dias esse país que só dá vergonha, nos deixa impotentes porque é muito o que temos a dizer e é muito o que podemos fazer. Somos ameaças não por beijar outro homem. Mas uma notícia boa acontece: o youtuber Felipe Neto comprou 14.000 livros de temática LGBTI à venda na Bienal do Rio e destribuiu gratuitamente, dentro de um saco opaco, com um cartão colado que se lia “ESTE LIVRO É IMPRÓPRIO para pessoas atrasadas, retrógradas e preconceituosas.” O que importa é que a censura foi literalmente barrada, que o povo teve acesso ao conhecimento por meio de um ato de resistência.

Os falsos homens de bem sabem que luta, amor, diversidade não são apenas hashtags de redes sociais, isso é o que faz o mundo ser mais possível, independente da aceitação ao diferente. Só o respeito já seria tão tocante, mas como tê-lo sem educação? Achavam que dessa vez lamentaríamos suas escolhas apenas com comentários em suas redes, que tudo isso passaria como se não vivêssemos numa democracia, numa nação de estado laico. A cura, para eles, é aceitar o que eles dizem, negando a si todos os dias, enquanto o verdadeiro mandato de seus encargos é passado ano após ano. E quanto à justiça que autoriza que retrocessos venham à tona, nunca é demais lembrar que um juiz diz a lei, julga balizado na lei, mas não dita regras, costumes. Quem quiser ser doutrinado, que procure uma igreja neopentecostal, que defende fechada em si o fascismo, ainda sob negações.

Bienal do Livro

Já o ex-hater Felipe Neto, que despertou do ódio para a solidariedade, ao seu ato capaz de salvar a pátria num 7 de setembro de eterno luto disse em entrevista para a Universa: “Cresci achando que ser gay era errado. Livro liberta.” E a isso vem junto a forma de estar nesse mundo de desrespeito acima de tudo e acima de todos. Os educadores são chamados de falsos educadores, o ódio a Paulo Freire, que é utilizado e reconhecido mundialmente, é a resposta de quem ainda acredita que estão empurrando por goela abaixo esse conteúdo educativo. Talvez não saibam que a arte conscientiza, leva ao debate e não, como acreditam, leva à execução do ato. Se assim fosse, a própria Bíblia deveria sofrer cortes urgentes em trechos tão obscuros quanto os tempos em que foram escritos.

E políticos, não estamos nos anos de seus raciocínios, de seus gostos. Porque nosso país é de crianças e futuros jovens. Vocês, dentro de suas pautas municipais, estaduais e federais se preocupam tanto em doutrinar e enquanto isso a educação vai de mal a pior. Se preocupam com as crianças porque acham que serão elas seus futuros eleitores, #sqn, e a maioria delas hoje sabem o que é isso. Seria mais fácil ensiná-las o respeito, mas o respeito a si mesmo implica em tirá-los de onde estão. E também porque doente mesmo é morrer no armário, por medo do que vão dizer de sua forma de amar.

#censuranuncamais
#LGBTQI
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João Gomes (Recife, 1996) é poeta, escritor, editor criador da revista de literatura e publicadora Vida Secreta. Participou de antologias impressas e digitais, e mantém no prelo seu livro de poesia.