ESTANCAR A SANGRIA PARA FINDAR A CULTURA?

por Ângelo Fábio__
  



Estamos focados no combate à pandemia do coronavírus (COVID-19) e assistimos aos constantes absurdos, que também considero como uma pandemia mental, do então Presidente da República Jair Messias Bolsonaro. Além da incapacidade administrativa, da falta de diálogo e da ausência de um real posicionamento como líder, tudo que sai da boca deste indivíduo beira a estupidez, a insensatez e ao desrespeito humano. Sobre vários aspectos em jogo, pontuo a falta de recursos para saúde pública, o enfraquecimento do desenvolvimento econômico do país, a estagnação de políticas de fomento à cultura e o enfraquecimento de medidas pontuais para a defesa do meio ambiente. Estes e outros temas afetam diretamente a autoestima da  nossa população. E mais uma vez o setor cultural sofre perdas. As alternativas para contenção dos problemas para a categoria são cada vez mais escassas. É importante frisar que, em 19/03/2020, uma conferência online reuniu gestores e secretários estaduais de cultura. Foram apresentadas propostas emergenciais para a Secretaria Especial de Cultura do Governo Federal, através de um documento formulado pelo do Fórum de Secretários e dirigentes estaduais.
 
Alvim e Goelbbes

Da unção ao discurso Nazista. Uma cortina de fumaça até a chegada do pum produzido pelo palhaço.

Um assunto que  repercutiu bastante no cenário cultural, em janeiro deste ano, foi o vídeo divulgado pela Secretaria Especial da Cultura, em 17/01/2020, onde o até então Secretário Especial da Cultura, Roberto Alvim, copiou e adaptou trechos do discurso nazista, proferido pelo ministro da propaganda Joseph Goelbbes (1897 - 1945+).



“A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional, será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional, e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes do nosso povo – ou então não será nada”.

Tal discurso gerou uma onda de indignação e rejeição por parte de vários setores no Brasil e no exterior, inclusive pela Embaixada da Alemanha, que publicou uma nota de repúdio. Um dia antes do fatídico pronunciamento, Alvim apresentava ao presidente Bolsonaro as novas diretrizes do programa de incentivo à cultura, um projeto criado dentro de um perfil conservador e segregador. Após seu polêmico pronunciamento, Roberto Alvim é exonerado da Secretaria Especial da Cultura.

Regina Duarte e Roberto Alvim
Em 04 de março, de 2020, a pasta é assumida pela “Viúva Porcina ou a “Namoradinha do Brasil”, Regina Duarte. Ela, uma efusiva lutadora pelos interesses do agronegócio, é contra a demarcação de terras indígenas, além de se posicionar a favor dos cortes na cultura. No programa Conversa com Bial (29.mai.2019) na Rede Globo o apresentador e jornalista comenta: “Regina, eu tô me coçando pra dizer uma coisa… Se ainda tivesse ministério da cultura, você podia ser ministra da cultura. Não tem mais Minc*...”. Regina completa: “Isso aqui não é meu não. Não é uma ideia minha, mas é uma ideia que eu compro inteiramente, eu endosso. ME CHAMA PRO CONSELHO TÁ!?...”. Desde então tínhamos o prenúncio de sua possível entrada no extinto Minc, que hoje se resume a uma mera secretaria sem rumo.

Em momento prévio, antes do anúncio da sua nomeação, em rede social Regina sinaliza que “estar de corpo e alma com o governo e vai dar o melhor pela causa.” Não é nenhuma novidade que governos radicais findam ações ou qualquer proposta de melhoria no setor artístico. A pasta da cultura já havia sofrido uma tentativa de extinção no governo golpista de Michel Temer (MDB-SP). Na ocasião se discutia uma reforma ministerial, sendo o Ministério da Cultura o primeiro da lista para ser extinto. O Minc apenas sobreviveu por conta da pressão de diversos movimentos culturais e sociais. Artistas de todo o país lutavam e ocupavam espaços em atos de resistência. Atuamos para que o Ministério da Cultura se mantivesse de pé, mesmo com diversos problemas.

Mas aos poucos os movimento de resistência perderam a força. Por outro lado um [grupo de artistas brasileiros cria no ano de 2019, o Movimento Artigo 5º em defesa da liberdade de expressão e contra qualquer ameaça de volta à censura no Brasil. É um movimento coletivo espontâneo e suprapartidário do qual participam cineastas, atores, grupos artísticos, diretores, escritores, profissionais da moda, gestores culturais, jornalistas e advogados de todo o país que trabalham voluntariamente pelo respeito à Constituição Brasileira, nascida em berço democrático, vital para existência das atividades criativas e para a preservação do direito de ir e vir, ser e existir e da liberdade de pensar e se expressar.] - Fonte: https://www.artigoquinto.art.br/

Em 2019, com a chegada do governo da “Pátria A(R)mada Brasil”, o fim do Ministério da Cultura é oficializado. Sobra a categoria a criação de uma secretaria, medida semelhante a do governo Collor, que em represália a classe artística impôs o autoritarismo.
Nasce então a Secretaria Especial da Cultura sob a gestão de Roberto Alvim, ex-artista(?), ungido pelo apóstolo e “profeta” Kevin Leal, da Igreja Bola de Neve Church, no bairro da Lapa, em São Paulo. Alvim apresenta uma “máquina de guerra cultural”, talvez a partir daquele momento já servindo como uma cortina de fumaça para abrir as portas a tantos descasos e quiçá, a própria Regina Duarte.
O pronunciamento “nazista” de Roberto Alvim não foi gratuito, e sim orquestrado. A entrada da Regina talvez seja um aporte à barbárie da cultura. No discurso da oficial da sua posse, ela diz que: “Cultura é aquele pum produzido com talco espirrando do traseiro do palhaço”. A partir daí já conseguimos visualizar o tanto que ainda está por vir.


Colaborou: Taciana Oliveira
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*Acesse a entrevista do programa Conversa com Bial: Globoplay: https://globoplay.globo.com/v/7653765/
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Ângelo Fábio, 1981. Artista interdisciplinar e produtor cultural que trabalha com o cruzamento das linguagens cênicas. Fundador do Pós–Traumático, Hemisférios Itinerantes (AR/BR) e Caosmo Cia. Experimental. Estudou jornalismo de investigação na Universidade Popular Madres de la Plaza de Mayo e Licenciatura Direção Cênica (UNA), Argentina, porém não concluiu os estudos universitários. É idealizador do Cineclube Universo Paralelo e co-idealizador da Mostra Periférica, em Camaragibe. Também já foi diretor do Cine Teatro Bianor Mendonça Monteiro (2017/2018), produziu o livro Bianor – Trajetórias e Memórias e promove o Encontro das Artes Cênicas de Camaragibe (2017/2019). Como ator e diretor, integrou diversas companhias artísticas no Brasil e outros países.