modus operandi, Adriano B. Espíndola Santos

 por Adriano B. Espíndola Santos__




burburinho vozes percorrem o tempo cerrado pessoas se esgueiram para ver muita gente quer ver se esbarram e se sentem no direito de ver urram para permanecer no camarote no palco improvisado dos horrores como se tivessem comprado ingresso um homem grita grosso para passar pretenso ajudante familiar amigo curioso é meu chegado saiam tenho curso de primeiros socorros saiam do meio seus urubus nem sinal de ambulância o homem atropela uma velhinha que cai feito abacate podre se esparrama no chão esburacado o sangue varre agora o sangue dele e o dela seu louco não viu a velhinha ela é tia dele coitada veio acudir dois tombados no chão casquento o sol dá pra fritar um ovo outro diz de zoação a carcaça vai esturricar vai virar churrasquinho de gente muitos riem fingem que não riem da desgraça alheia ninguém faz nada uma mulher grita gente alguém ajude aí pelo amor de deus é meu primo distante primo de terceiro grau primo da minha mãe quem tem celular quem tem celular liga pro samu liga pra polícia um homem de cabelo roxo liguei já o polícia disse que ia mandar um viatura nada da viatura chegar o moribundo abre os olhos se movimenta desajeitado irregular o amigo ajudante familiar curioso diz para não se mexer diz que pode ter fraturado uma vertebra é isso é isso uma mulher grita não mexa senhor pra não ficar com as pernas secas o homem lá falou na televisão o moribundo nem ouviu nem teve forças para se bulir era só um espasmo a boca babava borbulhava saliva de raiva mas não era raiva era um ataque outro levantou aliás pulou no meio de tudo e decretou tá repreendido é o cão nos couro sai demônio a velhinha acanhada no chão amparada por uma mocinha insignificante de tão pouca quase um vem-vem pedia baixo me tira daqui por favor alguém me tira daqui a mocinha não tinha braços para socorrê-la continuaram caídos bora bando de vagabundo dá área chegou o polícia milícia tratou de espalhar cês adoram uma desgraça né amanhã vou passar a continha pra casa de vocês seus vermes a arma brilhava no céu por pouco não deu um tiro qual é que que tá acontecendo otário o moribundo não respondia deu um chute pra dar um susto e o moribundo acordar nada nenhum espasmo novo a velha ficou muda escondida por entre os braços finos que que foi tá de bobeira aqui velha não respondeu tremeu muito empurrou chutou ela pro canteiro fica aí caladinha velha safada depois pega o beco chutou o moribundo mais uma vez chutou forte no braço ouviu-se o estalo um osso quebrado um osso quebrado o que é um osso quebrado a mais nenhuma fratura exposta deve ser dengo frescura o milico empurrou para o canteiro perto da velha ficaram os dois dia e noite não acordaram mais foi a noite mais fria e chuvosa do ano na cidade.



*Fotografia: Clem Onojeghuo @clemono



Adriano B. Espíndola Santos é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance Flor no caos, pela Desconcertos Editora; e em 2020 o livro de contos, Contículos de dores refratárias, pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com a Revista Samizdat. Tem textos publicados em diversas revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir - sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto.