Três poemas do livro os outros, sertão de argila escura, de W. A. da Silva

por W. A. da Silva__




uma florzinha de beleza neste lixo

no terreiro do tempo as formigas

atravessam em rubato — segue-vida

 

o ponto do relógio é sem efeito quando

estavam certas do passo seguinte/a falha

 

a tese da legítima defesa da honra

abstrações em torno da d i s t i n ç ã o

— o preceito universal do coronel burlesco

fere a epiderme de argila escura sertão

 

os profetas se calaram

contudo há

uma busca ansiosa por conversas telepáticas

 

as formigas não se importam mais

com nossos crimes passionais

 

fim das histórias contadas para divertir


__________


anotou —

hoje após o café da manhã

imprimi “os girassóis”

e guardei-o na pasta

pensando na

gincana estudantil

 

pela tarde

quando o afixei

na parede

com fita dupla face

percebi que no fundo

da imagem impressa

havia um desenho esvanecido

do smilinguido

 

de imediato

esqueci de van gogh

e lembrei-me de

walter benjamim

— a mancha absoluta

 

— epigênese de argila

 

éden-útero

vulva-flora

adão e eva

ípsilon e xis

dábliu e eme

óvulo e sêmen

o falo do pater

serpentinamor

fecundação na

boca do poço/

diurno o céu de

ponta-cabeça

e a geração que

não foi a um

show dos beatles

 

 

— epiderme de argila

o insistente marrom do cedro africano

esta cor do fim de céu a oeste

areia de siena queimada/o vermelho que

se esconde — a argila a ferrugem a forma

pátina sobre a face dos antepassados

o chão da estrada

o pó que persegue pneus e cansa

argila das sandálias

a meia de poeira do andarilho

até os joelhos

argila ao redor dos olhos

íris de mel silvestre

a forma que trai o olhar

o céu de zinco fundido

a teoria dos sistemas tangentes

a libido dos sistemas

a dízima periódica das formigas

a reticência numérica da vida

há poemas à revelia

histórias para “tirar de tempo”

o sertão é um conto sem arremate



W. A. da Silva (Wellington Amancio da Silva) nasceu em 1979, em Delmiro Gouveia, Alagoas. É professor graduado em Pedagogia e Filosofia, e tem mestrado em Ecologia Humana. É músico multi-instrumentista e produtor musical. Publicou-se: Ontologia e Linguagem (2015), Pensar a Indigência com  Michel Foucault (2018), Gumbrecht leitor de Heidegger (2019) e Conceito de modo de convivência (2018), além de dezenas de artigos científicos. Em literatura publicou-se: Apoteose de Dermeval Carmo-Santo (2019), O Reneval (2018), O Quasi-Haikai (2017), Epifania Amarela (2016), Distímicos e Extrusivos (2016), Diálogos com Sebastos (2015), Primeiros poemas soturnos (2009) e Elegia da Imperfeição (2001). Editor das Edições Parresia. É membro da equipe editorial da Revista Utsanga — Rivista di critica e linguaggi di ricerca.