No Útero Não Existe Gravidade, Dia Nobre

 

por Marcela Güther/Divulgação__



Dia Nobre lança obra híbrida que desromantiza a maternidade


Finalista do Prêmio Caio Fernando Abreu, “No útero não existe gravidade”, o segundo livro de ficção da escritora cearense Dia Nobre, expõe, de forma fragmentada, as chagas íntimas e sociais das mulheres


“[...] Dia Nobre nos conduz pela vida da mulher que, ainda pequena, aprende a perguntar as coisas difíceis. Este livro é talhado por histórias de filhas, mães, avós, mulheres que conheceram o peso de ser mulher muito cedo, que entregaram o fardo nas mãos das inocentes desavisadas e que formam, até hoje, o imaginário capaz de fragmentar uma vida.


Jarid Arraes, escritora, poeta e cordelista, em trecho da orelha do livro


“Com uma escrita intensa e forte, Dia Nobre faz sua estreia no hibridismo literário, com um livro que pode ser lido tanto como autoficção, romance, conto ou poesia e explora as múltiplas mulheres que vivem dentro da protagonista, passeando pela obscuridade dos laços familiares entre mãe e filha, abusos, abandono e memória.”


Jéssica Balbino, jornalista e curadora de eventos literários


As tensas relações entre mãe e filha e as diferentes formas de abuso são os temas centrais do livro “No útero não existe gravidade” (Editora Penalux, 2021, 122 p.), finalista do Prêmio Caio Fernando Abreu (Mix Literário São Paulo), da escritora, professora e historiadora cearense Dia Nobre. Com uma escrita intensa, que faz da memória, prosa poética e melancólica, a autora destrincha, na personagem central, assuntos fortes e tabus sociais, como abuso infantil, abandono materno e transtornos mentais.


 

Curta, intensa e reflexiva, a obra conta com orelha escrita pela escritora, poeta e cordelista Jarid Arraes. As ilustrações e colagens são da artista e escritora paraense Monique Malcher, responsável ainda pela arte da capa. O prefácio é da escritora e jornalista Gabriela Soutello, que organizou a obra “Antes que eu me esqueça: 50 autoras lésbicas e bissexuais hoje” (Quintal Edições, 2021), no qual Dia Nobre também faz parte.


 

“Dividido em duas partes complementares e um epílogo, o livro é também sobre medo, sobre prazer, sobre culpa e sobre a junção dos três, trauma materializado em águas escorridas pelas pernas. Leio este livro como uma criança que brinca de “o chão é lava”. Como quem analisa na boca a antropofagia de uma fruta, já sabendo que ela deixará fiapos de ferro entre os dentes”, escreveu Gabriela.

 

 

Composto por textos híbridos, “No útero não existe gravidade”, é uma obra que não se encaixa em nenhuma definição de gênero literário — segundo a própria autora, “livro é o que o leitor diz que é”. Seus textos são marcados pela linguagem poética, já característica de Dia Nobre, e podem ser lidos tanto como um romance quanto como um conjunto de contos, fragmentados em relatos não lineares de uma protagonista desterritorializada e atravessada por perdas, em especial pelo abandono materno e pelas marcas deixadas por essa mãe — que, mesmo morta, está impregnada na vida da filha, sempre presente em suas escolhas —, e na busca dessa protagonista em estabelecer o controle das próprias situações. “Mamãe é tão divertida, espero que ela morra” (NOBRE, 2021).

 

 

Para a escritora, “No útero não existe gravidade” foi uma espécie de catarse terapêutica. “Escrito ao longo do primeiro ano de pandemia, ele marca o retorno a uma questão que me inquietava há bastante tempo, mas que demorou a ser elaborada: a partida e, consequente, morte simbólica da minha mãe”, revela. A narrativa, apesar de abordar vivências da autora, não é confessional. “O que eu faço é esgarçar a memória. Eu elaboro as lembranças e os esquecimentos, meus e de outras pessoas. Eu invento histórias para mim mesma. Eu não sou a personagem do meu livro, mas ela é parte de mim porque enquanto narradora eu a construo no texto”, esclarece.

 

“Como uma boneca russa, Dia Nobre despedaça as próprias vivências e da personagem central em um ritmo específico e calculado, fazendo o leitor perder o fôlego página após página, se encolhendo tal qual a matrioska anunciada, até sobrar o íntimo, o miolo, o quase-avesso que habita o vazio”, aponta Jéssica Balbino, jornalista e curadora de eventos literários. “Por falar em lacunas, talvez o que haja de mais potente no livro de Dia Nobre sejam as mesmas, os espaços entre as histórias (ou os relatos) que captam um ambiente ao redor construído em lapso, uma voz que vai se estabelecendo e perturbando justamente pelo que não é dito, o que potencializa o caráter testemunhal da obra, que se faz como uma maneira de expurgar uma coleção de cicatrizes”, analisa a poeta e jornalista Laura Redfern Navarro.

 

Transformando dores em potência criativa

 

“No útero não existe gravidade” trata da trajetória da personagem, uma menina, tendo que se descobrir sozinha em meio a diferentes acontecimentos que são comuns às mulheres, como abuso sexual, assédio, automutilação, depressão, entre outras. “Quando há uma relação conflituosa entre a mãe/cuidadoras e o bebê, seja de recusa, negação ou falta de conexão com essa gravidez, a criança pode nascer “sem contorno”, ou seja, sentindo-se desprotegido; isso pode gerar vários traumas, inclusive, medo de altura, de cair, etc., porque se tem sempre essa sensação de queda, ou seja, de encontro com a gravidade que te puxa pra baixo”, diz a autora, explicando o título da obra. 

 

Pesquisas apontam que os casos de automutilação entre meninas dos 13 aos 16 anos de idade aumentaram 68% de 2017 até hoje. Segundo Dia Nobre, isso tem a ver com “a pressão social para se adequar a padrões, pela hiper sexualização das crianças e hiperexposição na internet”. “A automutilação é uma forma de dizer que algo não vai bem, é um pedido de socorro. A pessoa fala com o corte o que não sabe dizer com palavras. Acredito que é um tema urgente. É algo que incomoda, mas que precisamos falar sobre”, destaca.

 

A autora acredita que é possível a identificação  com a sua obra, sobretudo a partir do reforço da ideia de sororidade e de empatia com as dores de outras pessoas e, principalmente, de como transformar estas dores em potência criativa. “Eu digo que se você for mulher, acredito que você vai se identificar independentemente da sua trajetória ou lugar social porque ele fala de um tipo de relacionamento inevitável na vida que é aquele que temos (ou o que falta) com nossas antecessoras: mães, avós, etc. Se você for homem, este livro tem muito a te ensinar porque fala da opressão e da violência (do abuso, dos padrões sociais) que as mulheres sofrem cotidianamente”, convida.

 

Literatura como resistência: um espaço para subversão

 

 

“A escrita que não provoca não merece ser lida”, crava Dia Nobre, que vê na linguagem um espaço para a subversão. “Eu escrevo para desafiar os padrões. É um eterno sou-existo-resisto. Acredito que por isso, meus livros encontram as leitoras certas que se inquietam e desafiam o mundo junto comigo. A escrita de mulheres é como um grito no escuro, te arrepia, abre um mundo cheio de identificações, referências e experiências únicas que reverberam no corpo.”

 

 

Muitas mulheres fecundaram o seu espaço de experiência. Ana Cristina César, Clarice Lispector, Virginia Woolf, Sylvia Plath, Conceição Evaristo, Toni Morrison, Isabel Allende, Carson McCullers, Elena Ferrante e Jarid Arraes estão entre algumas de suas referências. “Elas me apontam para um horizonte repleto de expectativas”, aponta a escritora, que também é Ph.D em História e tem dois livros de não-ficção publicados na área da pesquisa histórica: “O teatro de Deus” (Ed.UFC, 2011) e “Incêndios da Alma” (Multifoco, 2016), tendo recebido três prêmios por este último, incluindo o Prêmio Capes de Teses (2015).

 

Natural do Cariri cearense, a autora atualmente trabalha em Petrolina, Pernambuco, como professora universitária, desenvolvendo projetos ligados à literatura, história, lesbianidades e feminismo. Seu primeiro livro de ficção poética, “Todos os meus humores”, foi publicado em 2020 pela Editora Penalux. Já participou de antologias, como a “Visíveis - I Anuário Filipa Edições” e a já citada “Antes que eu me esqueça - 50 autoras lésbicas e bissexuais hoje” (Quintal Edições, 2021).

 

No Útero Não Existe Gravidade”, lançado também pela Editora Penalux, é seu segundo livro de ficção. 


Para comprar: clica aqui





Dia Nobre é escritora e Ph.D em História. Natural do Cariri cearense, atualmente trabalha em Petrolina, Pernambuco, como professora universitária desenvolvendo projetos ligados à literatura, história, lesbianidades e feminismo. Publicou dois livros de não-ficção, O teatro de Deus (Ed.UFC, 2011) e o premiado Incêndios da Alma, (Multifoco, 2016), tendo recebido três prêmios por este último, incluindo o Prêmio Capes de Teses (2015). Seu primeiro livro de poemas, Todos os meus humores, foi publicado em 2020 pela Editora Penalux. Participa ainda das Antologias Coletânea VISÍVEIS – I Anuário Filipa Edições e Antes que eu me esqueça – 50 autoras lésbicas e bissexuais hoje (Quintal Edições, 2021). Em 2021, lançou o livro de ficção No útero não existe gravidade