Disruptivo dom, conto de Adriano B. Espíndola Santos

por Adriano B. Espíndola Santos__

 


Foto: Jr Korpa



Juliana me fez acreditar que era possível. Agarrei-me a essa ideia como quem se agarra a um bote salva-vidas. Não tinha escapatório: “ou isso, ou nada”, pensei. Primeiro, tive de me recompor, com cuidado para não perder o resto dos neurônios – já se sabe que a morte de um neurônio é permanente, irreversível. E eu fazia uma comparação boba, mas, de certa forma, crível: os cabelos que havia na cabeça – poucos – contava-os como sendo a quantidade de neurônios. Atacado por algum estresse, via dispersarem fios pelo ralo, no banho, e, por conseguinte, me sentia menos inteligente, menos capaz. Outra coisa, igualmente importante, foi treinar a inteligência emocional, para que não perdesse o controle no momento crucial. Nisso eu era uma lástima, digno de pena. Bastava Juliana aumentar a voz, abafada de contrariedade, porque eu não teria, por exemplo, colocado a toalha no lugar ou a xícara na pia, para eu começar a me tremer todinho. E, além do mais, eu não poderia demonstrar fracasso, erro, para o meu opositor. Ele deveria ver em meus olhos o medo; ele teria de morrer, na minha frente, de aflição. Era esse o propósito. Sim, voltando ao caso… Pois bem, programei-me durante dois meses, contados – pois o tempo era também o meu inimigo. Claro, eu devia chegar ao trabalho e demonstrar as minhas melhores aptidões; um ser divino; quando eu queria foder com a vida do meu chefe, com a empresa toda. Mas esse era o fino talento que eu deveria apurar: estar aparentemente tranquilo, sendo esfolado, dia e noite, para, depois, aplicar o grande golpe. Lembrando sempre: Juliana disse que eu seria capaz. Essa era a grande meta da minha vida. Não queria mais saber de promoção, porra nenhuma. Quando pensei sobre o meu futuro, a primeira impressão, a mais afetuosa, na qual eu queria me ver, era um vencedor, um aniquilador de filhos da puta, como o meu chefe. A derrota dele, a queda da empresa, seria para mim motivo de glória. No último dia sete, aproveitando as minhas férias, dei uma passadinha no recinto; falei com o Jurandir, meu colega, que estava, o coitado, cobrindo as férias minhas e do Luciano. A intenção, portanto, era passar um tempinho para ver como estava o ambiente. O maldito do patrão havia viajado para um congresso no Espírito Santo – veja só a contradição: o demônio no Espírito Santo. Devia voltar, talvez, em cinco dias. Eu tinha a chave da sala do cofre, mas careceria de uma ajudinha fundamental do Jurandir: falei que precisaria de uns documentos, pois que adiantaria uns trabalhos de casa, e pedi que ele me avisasse a hora que iria sair, para não pôr o alarme, porque ia me complicar, atrasar. Logo, depois do aniversário de minha sobrinha Lis (um aniversário inventado, é lógico), eu iria ao trabalho para separar o que fosse preciso. Ele, morto de cansado, me ligou às 19h, para dizer que estava saindo e que poderia deixar o que eu quisesse na minha casa, que era caminho. Respondi que não; a questão toda é que ainda ia procurar nos alfarrábios do chefe tabelas e planilhas. E que eu não estava em casa, como havia dito. Jurandir falou que me esperaria. Respondi que chegaria num piscar de olhos. Assim o fiz. Jurandir, caprichoso, me pediu para fechar tudo direitinho quando saísse. Fui direto ao que interessava. O cofre, que tinha o tamanho de um micro-ondas, estava difícil de abrir. A senha eu sabia de cor. O nervosismo me atrapalhou. Estava com medo de bloquear o aparelho. Enfim, consegui. Quando abri, o canto mais limpo. Para dizer que não havia nada, estavam bem acomodados, no fundo, seis broches de paletó. Puta que pariu. Não podia gritar. Ainda tremendo, fui ao banheiro e dei uma bela de uma cagada, para lustrar bem a cerâmica. Não dei descarga. Saí e voltei para a minha vida de merda. Dizem que, se a lombriga sair da merda, morre. Pois. É por aí.

 




Adriano B. Espíndola Santos é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”, e em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, estes pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com a Revista Samizdat. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir – sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto. instagram.com/adrianobespindolasantos/|facebook.com/adrianobespindolasantos|  adrianobespindolasantos@gmail.com