Dois poemas de Regina Azevedo

 por Regina Azevedo__

 

 



tenho vinte anos

vinte e um, aliás

este livro será publicado

com o nome

regina azevedo

na capa

é mentira

meu nome é

maria regina

(mamãe vai gostar de ler isso)

na última noite

sonhei com um homem

que dizia dois versos

de um poema:

“um poema nasce do escuro”

e o outro verso

eu esqueci

semana passada fui ao oftalmologista

tenho mais de vinte anos

mais de seis graus

já posso operar a miopia

enquanto fazia o exame de vista

pela milésima vez na vida

tive vontade de perguntar:

como vocês fazem com quem

não é alfabetizado?

como alguém reconhece

um A

se ainda não foi ensinado

que aquilo é um A?

claro, lembrei dos meus avós

o nome deles: cícero e egídia

tiveram 15 filhos

meu nariz torto puxei a vovô

a vovó eu puxei

a pouca paciência

espero que daqui a uns anos

meus cabelos sejam

de nuvem

como eram os dela

cícero e egídia não aprenderam

a ler e escrever

quando fui ensinada

tentei ensinar a eles

vovô sabia escrever o nome dele

o dela

 

vovó não

vovó não tinha paciência

penso nos meus avós

todos os dias da minha vida

vejo meus avós

na faculdade de letras

vejo meus avós

no espelho

vejo meus avós

na pele ensolarada

dos trabalhadores

um poema nasce do escuro

e depois, o que vem?

 

 

 

GATO SEM RABO

 

virginia wolf estava certa

uma livraria só de livros

escritos por mulheres

é aberta em são paulo

há filas na porta

todos os jornais noticiam

nos comentários homens

questionam: mas e os livros

escritos por homens?

heloisa buarque de hollanda lança

uma nova antologia, as 29 poetas

hoje, como a dos anos 70 mas

apenas com mulheres

no lançamento helô conta que

recebeu a pergunta de um leitor:

mas por que só mulheres?

virginia wolf estava certa

mulheres que escrevem são

como gatos sem rabo, por isso

é esquisito, por isso incomoda

vejam como ela chama atenção

ali ganhando prêmio, na estante

da livraria, na estante da biblioteca,

no livro furtivamente escondido

na bolsa, na mochila,

debaixo do braço

sorte é que a cada dia

há mais de nós

mais gatas escrevendo

mais gatos sem rabo

cruzando o gramado

 

 

 

*Poemas do livro "Lança chamas", de Regina Azevedo (Editora Peirópolis, 2021)

Para comprar: clica aqui


 

Videopoema: Amanda Ribeiro | Narração: Regina Azevedo



Videopoema: Amanda Ribeiro | Narração: Adriane Garcia




 


Regina Azevedo nasceu em Natal (RN), em 2000, e é poeta. Publicou alguns livros de poemas, entre eles Pirueta (2017, selo doburro), Vermelho fogo (2021, independente) e Carcaça (2021, Munganga Edições). Integra a antologia As 29 poetas hoje (2021, Companhia das Letras), organizada por Heloisa Buarque de Hollanda. (Foto: Carol Macedo)





Amanda Ribeiro nasceu em Belo Horizonte em 1989. É professora de linguagens, poeta, videopoeta e pesquisadora da área de edição. Autora dos livros Livre é Abelha (Impressões de Minas, 2018) e Máquina de costurar concreto (Peirópolis, 2022). Produz os videopoemas que compõem a Biblioteca Madrinha Lua e a página @ummminuto no Instagram.