por Adriane Garcia__
Apesar
da edição da Scenarium Plural ter privilegiado o nome do projeto da
editora, E.X.E.M.P.L.O.S, em detrimento do nome do livro, a leitora e o
leitor atento descobrirão que se trata de Oliveiras Blues, coletânea de
poemas de Akira Yamasaki. A coletânea artesanal traz cinquenta poemas,
escritos entre 2012 e 2014, ambientados, em sua maioria, no Itaim Paulista,
local onde o poeta, trabalhador do metrô de São Paulo e ativista cultural, mora
desde 1964. Akira Yamasaki se engajou no Movimento Popular de Arte de
São Paulo durante “os anos de chumbo” e sua história está intrinsecamente
ligada à Casa Amarela, Espaço Cultural de São Miguel Paulista, aberto em
sua própria residência e responsável pela ampliação de visibilidade e inclusão artísticas
na região, além de ser palco de artistas de todo o país, que por lá já se
apresentaram.
Ler Akira
Yamasaki é sempre um prazer. Depois de “Bentevi, Itaim” (edição de
iniciativa dos amigos do autor e sua esposa, a educadora física e ativista
cultural Sueli Kimura), estar com este Oliveiras Blues,
referência ao bairro no Itaim, o Jardim das Oliveiras, é confirmar algumas
características que fazem com que logo reconheçamos a voz de Akira Yamasaki:
tematicamente, a poesia ligada ao afeto pelo lugar e por seus habitantes, a
utilização do cenário como parte primordial do poema, a origem japonesa, a
crítica social feita pelo olhar que vê a periferia e compreende suas
necessidades e beleza, a atenção ao comezinho, ao cotidiano que nos revela dois
sentimentos primordiais nesta poesia, o amor e, principalmente, a amizade. Formalmente,
a escolha da linguagem coloquial, por vezes, a sintaxe do bairro, o verso curto,
uma preferência pelo narrativo.
Em Oliveiras Blues, acrescenta-se ainda a constatação da efemeridade da vida, as questões
ligadas à morte e à liberdade, tendo a poesia como uma espécie de corda bamba,
o fio da navalha que é também fio de vida e morte: “voar aberto/ de olhos
fechados// voar acima/ das nuvens da cólera// voar além/ dos infinitos medos//
oh pássaro breve/ leve-me leve”. Neste sentido, há poemas de fundo
existencial, em que o eu-lírico se debruça sobre si como um primeiro lugar,
circulado pelo outro, o geográfico e suas gentes. Ao estender de si ao outro
sua poesia, tanto para o que lê quanto pelo mundo que registra, Akira
Yamasaki nos estende o seu sol nipo-brasileiro: “herdei do meu avô/ um
destino de silêncios/ pedras e vazios// e uns olhos inquietos/ de sonhos pousados
longe/ em remotos poentes”.
meu
rosto tem infinitos nós
como na
voz de um ator
de
teatro nô
cada nó
é a máscara
de um
pesadelo perverso
atos de
dor e medo
que
passaram por mim
cada nó
é a aparência
do
momento de uma perda
sonhos
e lemas fracassados
uns
sobre os outros
cada nó
é o disfarce
de um
demônio à solta
na
minha manhã
meu
rosto quer paz
mas o
vento dos destinos
nunca
descansa
(p/
tsutae)
atravessou
a vida
se não
de joelhos
de
cabeça abaixada
sempre
disse sim
até pra
dizer não
dizia
dizendo sim
dizia
sim até mesmo
quando
era propício
e mais
correto o não
seu
único não ouvi
fechando
os olhos
em
silêncio na uteí
ao
morrer enfim
que
destino tiveram
seus
não ditos sins?
viraram
pássaros
caroços
de ínguas
adubos
de jardins
eu
tinha uns quinze anos de idade na curuçá véia dos meus primeiros enganos.
depois de me achar caído na rua, mais bêbado que um gambá e de me levar para
casa num carrinho do tipo de pedreiro, com ajuda dos moleques da nossa rua pela
vigésima vez, minha mãe desistiu de mim enquanto me esfregava sob a água do
chuveiro gelado misturada com suas lágrimas quentes: esse é treze de pedra e
não tem cura, de hoje em diante só vou amá-lo e que seja o que deus quiser
já
estava corcunda
um monstrengo,
a tia
da
última vez que a vi
fiquei
em dúvida se devido
às duas
hemodiálises semanais
ou à
vida inteira debruçada
na
overloque da Elgin
quando
consegui perceber
na
segunda de carnaval
às dez
e meia da manhã
dedo
mole já estava sentado
no banco
ao meu lado
no
balcão da padaria
rainha
do oliveiras:
– japa,
pode ser
uma
maria mole?
três
maria moles depois
uma
coxinha de frango
uma
porção de linguiça com cebola
três
itaipavas geladas depois
ele se
ofereceu antes de partir
e se
perder na manhã sem fim:
– japa,
meu bom
sei que
não iremos juntos
mas se
algum maluco, pá
e se
você quiser, pá
eu zero
o maluco, pá
último
dia de férias
última
cerveja gelada
no
sujinho do Osvaldo
sardinha
frita com limão
ai, a
última
***
Oliveiras Blues
Akira
Yamasaki
Poesia
Scenarium
Plural
2014
Akira Yamasaki (São Paulo/SP, 08 de agosto de 1952). Poeta do mundo, agitador cultural, organiza por pelo menos quatro décadas encontros de poesia. Foi um dos idealizadores do Movimento Popular de Arte (MPA), de São Miguel Paulista, no ano de 1978. Atua como liderança nas ações do Espaço Cultural Casa Amarela desde a fundação da casa de cultura no ano de 2011. É o autor dos livros/cd’s de poemas bentevi, itaim (2012) e Oliveira Blues (2017). Blog: clica aqui.
Adriane Garcia, poeta, nascida e residente em Belo Horizonte. Publicou Fábulas para adulto perder o sono (Prêmio Paraná de Literatura 2013, ed. Biblioteca do Paraná), O nome do mundo (ed. Armazém da Cultura, 2014), Só, com peixes (ed. Confraria do Vento, 2015), Embrulhado para viagem (col. Leve um Livro, 2016), Garrafas ao mar (ed. Penalux, 2018), Arraial do Curral del Rei – a desmemória dos bois (ed. Conceito Editorial, 2019), Eva-proto-poeta, ed. Caos & Letras, 2020 e Estive no fim do mundo e lembrei de você (Editora Peirópolis).