Escrevo por necessidade, por vontade... | Richard Plácido

por Wellington Amâncio da Silva__






Na coluna Falatório desta semana o professor e escritor Wellington Amâncio da Silva entrevista o poeta Richard Plácido, Mestre em Estudos Literários e autor dos livros Entre ratos & outras máquinas orgânicas (Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2016) e A festa do rouxinol (Loitxa Lab, 2021).

  

1- Qual foi o acontecimento decisivo para você decidir-se pela escrita?


Não houve exatamente um acontecimento, mas uma série de fatores e vivências. O que chamo de “fatores e vivências” foram, na verdade, os sucessivos fracassos que me trouxeram até aqui, que me fizeram mudar de direção, escolher (talvez não por vontade própria) outros caminhos. Costumo dizer que o meu eu artístico foi alicerçado por derrotas e fracassos, e que isso não pode ser visto como algo ruim, porque acredito que a arte seja mesmo esse ir e vir; movimentos contínuos de encontros e desencontros. Sempre me senti com vontade de criar, sem ter exatamente um foco. Aos vinte e poucos anos, descobri-me, enfim, escritor. Quando resolvi desistir de vez da música, o que me restou foi a escrita. Eu a abracei e ela me abraçou de volta.

 

2- Quais os seus autores prediletos e quais livros está lendo atualmente, quais músicas você ouve, quais filmes estão em sua lista? Em matéria de cultura, o que te estimula atualmente?


Há três poetas que me embaraçam de um modo diferente: Waly Salomão, Murilo Mendes e João Cabral de Melo Neto. Eles me tiram do prumo, me deixam constrangido com a potência de seus poemas. Procuro sempre lê-los. Escuto e já escutei muita coisa, a depender do momento da minha vida. Não consigo abandonar alguns artistas brancos europeus, como Beatles e Radiohead, mas meus ouvidos hoje em dia estão mais para o Rap, para o Brega Funk, para os meus irmãos e irmãs pretos e indígenas. É uma escolha política, mas é também uma escolha estética. Sinto-me mais profundamente ligado a Derrick Boateng, por exemplo, do que a qualquer outro artista plástico. Minha intenção é descentralizar a minha formação artística e intelectual.

 

3- Você tem algum ritual de preparação para a escrita?


Tenho alguns, mas vou registrar aqui como tem sido ultimamente, com o livro de contos que ando escrevendo. Gosto de emular um pequeno caos de barulhos e constrangimentos para liberar a minha escrita. Por exemplo, o Youtube, ponho o vídeo do Glenn Gould tocando “A arte da fuga”, de J. S. Bach, abro alguma entrevista do Foucault, e clico em um vídeo da bateria ansiosa do filme Birdman. Aperto o play nos três vídeos simultaneamente. Esta experiência me deixa ansioso, perturbado, e as ideias e a escrita começam a fluir.


4- Como é o seu processo de escrita? Geralmente como nascem os insights ou pesquisas para o desenvolvimento dos seus poemas?


Faz mais de um ano que não escrevo sequer um poema. No entanto, lembro-me que eles surgiam, a ideia vinha e eu passava para o papel. Muitos estão registrados em vários cadernos, nos quais faço questão de guardar. Não sei como o meu processo de escrita de poemas se dará a partir de agora. Estou envolvido na escrita de contos. Por outro lado, posso considerá-los até mais experimentais que os poemas já escritos. Considero o meu processo de escrita razoavelmente simples: primeiro, escrevo. Escrevo por necessidade, por vontade, por querer escrever algo. E escrevo sem medida, do jeito que a palavra vem, incontrolável ou não, equivocada, troncha, maltratada. Depois da ideia pronta, passo para o processo de revisão. É como se fossem dois escritores. Não consigo escrever e revisar ao mesmo tempo. Talvez por isso nunca mais tenha escrito um poema, pois passei o ano de 2021 preparando A festa do rouxinol. Uma experiência diferente, porque dessa vez eu estive 100% envolvido no processo de edição do livro.


5- Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos? Essas coisas te perseguem?


Muitas dessas situações me perseguem. Inclusive, essa própria entrevista é um exemplo disso. Há exatamente dois anos, eu recebia um e-mail seu, Wellington; um ano e alguns meses depois, eu o perguntara se ainda daria para respondê-lo. E comecei a respondê-lo naquele instante, mas só agora estou concluindo. Claro que houve vários fatores externos. O início da pandemia nos devastou, mas este é um exemplo de como a escrita para mim não é algo fácil de ser realizado. A escrita literária é, por vezes, amarga. E eu preciso estar num estado de espírito apropriado para isso. Não tenho receio de não atender às expectativas, mas tenho problema de achar que sou uma fraude e que as pessoas me dão valor demais, que irão descobrir em breve que sou uma completa farsa, que nada que escrevo faz sentido ou deveria ser lido. Acho, porém, que depende do momento da vida de cada um/a. De 2018 para cá (2022), houve uma série de transformações em minha vida, e nesse ínterim, parei de ler, parei de escrever e com muito esforço consegui submeter um livro para um edital, no qual fui selecionado. Hoje me vejo bem mais afiado e pronto para, por exemplo, responder a esta e a outras entrevistas pendentes. Também estou lendo muito mais e bastante envolvido com o meu novo projeto de livro. São tantos momentos nos quais passamos, nenhum deles é igual. Somos essa equação pálida de bons e maus momentos, com tempos apropriados e inapropriados para diversas situações.


6- Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos e o que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos?


Depende muito do projeto, do poema, do conto. Há poemas nos quais seguem com a primeira versão até hoje. Em 2017, um ano depois da publicação do Ratos, comecei o processo de revisão dele. Cortei alguns versos, retirei alguns poemas do livro (caso aconteça uma segunda edição, o livro já começou a ser revisado), mas há poemas que estão lá intactos. Por outro lado, já cortei mais de 90% de um poema, deixando apenas quatro versos. O processo mais doloroso para mim é quando preciso revisar os contos. Nas narrativas, parece-me interminável o ato da revisão. Preciso buscar mais referências, faço reescritas, busco desautomatizar, rever construções. É um trabalho bem mais cruel e cansativo, mas ando até mais ágil hoje em dia. Acho que é a experiência mesmo que vai nos moldando. Não me desgrudo do meu dicionário de símbolos, nem do meu dicionário analógico. O que mudou foi fruto das tentativas de deixar o texto publicável.


7- Você publicou “Entre ratos e outras máquinas orgânicas” pela Imprensa Oficial Graciliano Ramos. Por favor, nos diga como nasceu esse instigante livro.


Primeiro, eu agradeço o elogio. O Ratos é um livro no qual eu me sinto totalmente agradecido de sua existência. Ele nasceu de uma forma muito despretensiosa, construindo-se aos poucos, durante minha vivência na graduação em letras. Os poemas começaram a nascer nos cadernos, nas aulas empolgantes de literatura, nos caminhares entre a UFAL, o Eustáquio Gomes e Satuba. Houve encontros, trocas, leituras, retornos, e quando surgiu o edital da Graciliano Ramos, resolvi submetê-lo. Sem expectativa nenhuma, mas com uma vontade enorme de publicar. Eu queria ser um autor publicado. Hoje posso revelar isso sem ficar com receio de me acharem egocêntrico, afinal, já carrego um pouco dessa imagem por ser leonino. Mas eu queria dar esse orgulho à minha mãe, ao meu pai, à minha família. Somos um país com uma diferença social enorme. E ter um livro publicado sempre foi algo que eu admirava, mas que estava muito longe da minha realidade de jovem, negro, periférico. Hoje enxergo a importância desse acontecimento. É por isso que sou tão grato aos ratos. Eles cruzaram a minha existência, eu cruzei a deles, e estamos até hoje na correria, nos melindres e desafios que a vida nos arremata.










Richard Plácido
é escritor e mestre em estudos literários (PPGLL/UFAL). Lançou dois livros de poemas: Entre ratos & outras máquinas orgânicas (Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2016) e A festa do rouxinol (Loitxa Lab, 2021). É um dos coordenadores do selo independente multiplataforma Loitxa Lab. Contato: richardplacido.com | placidorichard@gmail.com
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Wellington Amancio da Silva
é professor, ecólogo e escritor. Publicou livros de ficção, de ensaios e artigos acadêmicos em lugares interessantes. Destacam-se "Ontologia e Linguagem" (2014), "Figuras da indiferença" (2019), "o reneval" (2018), "Primeiros poema soturnos" (2009), "Apoteose de Demerval Carmo-Santo" (2019). Faz parte do editorial da Utsanga (Itália) da Revista de História da UEG, entre outras. Fundou uma editora, as Edições Parresia. Dedica-se à caligrafia assêmica, ao desenho experimental, à fotografia, à infografia, à música mínima e experimental. contato@edicoesparresia.com.br