Até ali | Valdocir Trevisan

 por Valdocir Trevisan__


Foto: Jon Tyson


Aonde você vai? Até ali...

 

Por que não vai mais adiante? Ora, porque, porque...não te interessa...

 

Como é fácil criticar os outros, não é mesmo? Lembro que muitas vezes também fui só “até ali”.  O medo do além ou do desconhecido me bloqueou.

 

Sair do meu conforto e da minha segurança? Tá loko, meu?

 

 Sim, priorizo a certeza, quero estar longe do inverossímil e próximo de sonos tranquilos.

 

Quando Dostoievsky esteve preso na Sibéria entendeu porquê os assassinos tinham pesadelos e gritavam à noite: estavam mortos por dentro. O “até ali dessa triste população já estava definido: no terror.


Enquanto isso, só iremos perceber que somente com coragem passaremos por cima das nossas "definições".

 

Já citei esse caso, mas como é didático e esclarecedor vou citar mais uma vez os pacientes do psicólogo e escritor, Irvin D. Yalom (escreveu Quando Nietzsche Chorou). Nos seus relatos uma paciente, que fazia terapia há três anos, estava desanimada porquê não via progresso no tratamento. Em determinado momento ela "trava", não sabe o que fazer e passa a agredir a todos como mecanismo de autodefesa. Quando questionada, simplesmente dizia: "o que quer que eu faça?".

 

Para não alongar: o argumento servia para fugir da responsabilidade, do seu momento decisivo de ir além. De acordo com o seu terapeuta, ela sabia exatamente o que fazer, mas quando se sentia pressionada, esperava ajuda externa. Ajudar a si mesmo assustava, era o “até ali” dela...

 

É, não tem jeito, o melhor caminho é ver como são os fatos, como sugere Sherlock Holmes: "não há nada de extraordinário em usar os olhos".

 

Mas qual o problema se eu quiser ir só “até ali”? Desde que seja o que você realmente quer, nenhum. A questão recrudesce se você quer mais, ir mais longe, ultrapassar o horizonte.

 

Bom, aí surge uma teoria mais conhecida, você terá que mudar sua rotina pois se fizer as mesmas coisas, vai ser impossível obter resultados diferentes.

 

Impossível.


Se eu for sempre na mesma padaria, nunca irei conhecer aquele pãozinho delicioso (que minha vizinha faz propaganda), daquela outra padaria.

 

Impossível.

 

Quem pensou diferente foi o engenheiro da Torre de Babel com seu projeto fantástico. O megaprojeto não foi até lá, ficou por aqui mesmo e para piorar, ninguém mais se entendeu posteriormente.

 

O “até ali” foi ousado demais.

 

Agora, se quiser ir “até ali”, somente “até ali” e nada mais, coloque seu CD e fique só varrendo, só varrendo, é o que eles querem.

 

Quanto menos passos adiante, maior a felicidade deles. Mas quem são eles? Como questiona o Engenheiros do Havaí:  Quem são eles, quem eles pensam que são?

 

São os mesmos que destruíram o mulato Lima Barreto e que criticavam ferozmente Machado de Assis. Naquela época os mestres se defendiam com os "papéis", como o Conselheiro Aires de Machado que afirmava que o papel era seu amigo e decisivo para divulgar verdades íntimas.

 

Isso é literatura.

 

Ela nos revela caminhos para definirmos os nossos limites do individualismo ao coletivo. Embora certos gênios não tenham essa escolha. Eles não têm esse direito.

 

Cada livro do Peninha, quero mais.

 

Cada livro do Juremir Machado, quero mais.

 

Cada livro do Augusto Cury, quero mais.

 

Bom, se eles são exceções, a culpa é deles, e eles que se virem com sua genialidade.

 

É, temos que andar e correr para não decepcionar o próximo nem a si mesmo, vamos...ninguém vai definir onde está o “até ali” ...

 

E se não enxergamos o final, então o “logo ali” não existe e resta saborear o calor do sol das brumas das manhãs outonais.



 



 


Valdocir Trevisan é gaúcho, gremista e jornalista. Escreve no blog Violências Culturais. Para acessar: clica aqui