Benvinda | Nely da Costa Barbosa

por Nely da Costa Barbosa__


Foto: Danie Franco


Essa noite o sono demorou a chegar, apesar do cansaço, porque tive um dia cheio. Decidi não fazer nada, ficar quieta na cama, esperando ser vencida pela exaustão, foi aí que as lembranças começaram a chegar.


Lembrei de vários momentos importantes da minha vida, de alguns amigos, das aulas no conservatório, da faculdade...


De repente ela estava lá, declamando poesias para mim, minha avó materna, nossa Dinda. Ela era deficiente auditiva, perdeu a visão muito cedo e não andava, todas as lembranças que tenho dela, são na cadeira de balanço, dentro do seu quarto, esperando pacientemente alguém resolver visitá-la.


Nunca, nunca mesmo, se queixava por ficar tanto tempo sozinha, pelo contrário, nos recebia sempre com um largo sorriso e depois de identificar o visitante, que reconhecia através do tato, pois conhecia o contorno de cada rosto, a textura da pele, dos cabelos e o cheiro de cada neto e neta, recitava poemas, sempre os mesmos. Não se preocupava com isso, porque sempre tinha uma entonação, um gesto, uma expressão diferente. Essa foi a forma que encontrou para sobreviver.


Entre um e outro poema, havia sempre a preocupação em saber se tínhamos gostado, se gostaríamos que prosseguisse. E o abraço, o beijo nas mãos, o sorriso... E as lágrimas dessa saudade imensa agora.


Te amo, hoje com palavras, porque naquela época, não tínhamos esse costume. Nunca te falei: Eu te amo! E você também nunca me falou. Mas sei que, em nossos corações, essa dúvida nunca existiu.

  





Nely da Costa Barbosa, nasceu em agosto de 1969 em Recife – PE, graduada em História pela Universidade Católica de Pernambuco, estudou música na Universidade Federal de Pernambuco e no Conservatório Pernambucano de música. Atualmente desenvolve pesquisa na área de cinema, mais especificamente sobre o trabalho do cineasta pernambucano Camilo Cavalcante. É apaixonada pelos livros e toda forma de arte. Começou a se aventurar na escrita ainda muito jovem, mas só agora decidiu compartilhar suas experiências com o público, acreditando estar vivendo um momento mais prolífico e mais tranquilo para se dedicar a essa arte.