O esforço maior é alcançar a densidade através da linguagem | Eltânia André

 

por Taciana Oliveira__





Conversei com a escritora mineira, radicada em Portugal, Eltânia André sobre o seu romance Terra Dividida (Editora Laranja Original, 2020). Na entrevista ela destaca: É um trabalho ficcional, a partir dos fragmentos da memória, sensações, impressões, cheiro, vivências. Tudo serve à literatura, entretanto não sei falar daquilo que não experenciei.

 

 

1 - Como você destacaria o teu romance tomando como partida a escolha do título “Terra dividida”?

 

A fronteira: única certeza ou baliza, queria metaforizar sobre o estar “entre”, queria falar sobre a ilusão de se sentir pertencendo a dois territórios, assim inaugurar/fundar um novo e inominável espaço. 

 

A Pirapetinga mítica: ponto geográfico onde se passa a história, tem traços da cidade real de mesmo nome - divisa do Estado do Rio de Janeiro e Minas Gerais, terra que acolheu os meus antepassados.

 

O rio: visto como uma personagem fundamental, suas artérias são vasos sanguíneos que bombeiam os corações. É navalha afiada que divide, multiplica, embaralha, inquieta.

 

As várias vozes: que se entrecruzam entre a oralidade e o que não pode ser dito, assim o inconsciente (às vezes) dá as car(t)as. 

 

2 - O que a escrita representa pra você? Quais foram suas inspirações?

 

Escrever exige um embate com o mundo, não é apenas uma batalha metafísica, mas também um confronto (com o) real. É uma das maneiras de se lidar com a beleza, o horror e o incognoscível. Além de ser instrumento de denúncia, de protesto, registro histórico.

 

Leio todos os dias ao longo dos anos de minha formação como leitora, vem daí a substância da minha escrita.  Emprestei aos narradores de “Terra Dividida” a naturalidade de falar do cotidiano e da poesia com a mesma sintonia. Há diálogos ou simbiose com de Emily Dickinson, Fernando Pessoa, Drummond, Guimarães Rosa, Bukowski, Ungaretti, Alberto Bresciani, Menalton Braff, Eugênia Sereno e tantos outros que li ao longo dos anos de construção da obra.  

 

 

3 - Como você se relaciona com a prática da escrita no dia a dia? Você tem alguma rotina? É um processo intuitivo ou requer alguma metodologia?

 

A casa me solicita, desvia a atenção para o cesto de roupa suja, as louças na pia, a poeira dos móveis, as plantas para regar, comida para fazer. Por isso, sempre que posso, tranco a porta e enclausuro os fantasmas domésticos e sigo a procura de Bibliotecas Públicas (próximo a São Pedro do Estoril, lugar onde moro, há muitas).

 

O  “teto todo meu” é coletivo.

 

4 - Você fez alguma preparação para a produção do livro? Há alguma referência autobiográfica ou é uma obra totalmente ficcional?


É um trabalho ficcional, a partir dos fragmentos da memória, sensações, impressões, cheiro, vivências. Tudo serve à literatura, entretanto não sei falar daquilo que não experenciei. Não houve nenhuma preparação, nem mesmo sabia que nasceria um texto que demandaria fôlego. No decorrer do processo de uma obra, tento compreender quem são as personagens e o que querem dizer e me esforço para conseguir a aproximação possível. A partir dessa conquista, consigo vislumbrar o todo e faço reparos desde o princípio. O esforço maior é alcançar a densidade através da linguagem.

 

 

5 – Qual o nascedouro de “Terra dividida”? Quando você se percebe desenvolvendo um romance?

 

Acho que comecei a escrever  “Terra Divida” no mínimo há dez anos, não sei ao certo, as páginas inconclusas hibernavam no arquivo do computador. Quando cheguei a Portugal em janeiro de 2017, retomei e finalizei (se isso for possível) esse e outros trabalhos. O processo exaustivo e contínuo de lapidação e maturação, se deu até às vésperas da publicação (final do ano de 2020) pela Editora Laranja Original.  

 

6 - Você é formada em psicologia, com pós-graduação em Saúde Pública. Como se inicia a tua história como escritora? 

 

A minha primeira formação foi em Administração de Empresas). Trabalhei em indústria têxtil, mercado financeiro, montadora de caminhões e ônibus, além de outras experiências mais breves. Rompi, digamos, como o mercado, pedi demissão do emprego e iniciei o curso de Psicologia e montei em sociedade uma farmácia (que faliu em pouco tempo). Escrevi o primeiro livro em 2007, quando completava 41 anos de idade, e venho prosseguindo nesse terreno do insondável que é a literatura. Interessei-me pela psicanálise, que assim como a literatura tem a linguagem como estrutura fundamental. Trabalhei, durante alguns anos, como psicóloga no Centro de Atenção Psicossocial de São Bernardo do Campo (CAPS/SUS – atendimento de adulto com neuroses graves e psicose). Essa experiência foi intensa e importante na minha trajetória, lá presenciei todo tipo vulnerabilidade humana, o sofrimento mental e suas múltiplas expressões e escapes, compreendi ainda mais a importância do combate ao preconceito, da importância da luta pelas políticas públicas, do valor inseparável da liberdade e da humanização no cuidado/tratamento clínico ou mental, foram tantas as lições... também de alegria, de resistência, de recomeço. Tenho saudades das amizades, do aprendizado constante, de ouvir os delírios, as alucinações, as fantasias... mais uma colheita que, certamente, atravessou e atravessará a minha escrita.

           

   

         


Eltânia André
nasceu em Cataguases, Minas Gerais, e vive em Lisboa. É autora do livro de contos Manhãs adiadas (2012) e dos romances Para fugir dos vivos (2015) e Diolindas , escrito em parceria com o marido, Ronaldo Cagiano (2016).

 

 





Taciana Oliveira – Editora das revistas Laudelinas e Mirada e do Selo Editorial Mirada. Cineasta e comunicóloga.  Na vitrolinha não cansa de ouvir os versos de Patti Smith: I'm dancing barefoot heading for a spin. Some strange music draws me in…