por Susy Almeida__
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I
Tava sonhando contigo quando o celular vibrou sobre
meu peito. Era uma mensagem tua dizendo que o dia tava doido doido doido, assim
sem vírgula nenhuma. Tão doido doido doido que tu não sabia nem por que tinha
parado pra me escrever.
Tu engoliu tuas vírgulas como eu te engolia
no sonho. A diferença é que eu sei por que sonhei.
II
Falei pra minha psicanalista que eu achava que, se fodesse contigo, eu
ia me foder. É que a vida cuidou de te fazer apaixonante e de mim apaixonada.
Nessa conta, o resultado é alguém tomar no rabo.
Assim mesmo, quando a gente combinou de foder, eu cliquei sorrindo num
estou-ciente-e-quero-continuar imaginário. É que ficou na minha cabeça a
pergunta perspicaz da minha analista: “Olha, se você vai se foder sempre, se a
vida vai lhe foder de todo jeito, não dá, não, pra curtir essa foda com a vida?”. Mas
tu desmarcou em cima da hora, dizendo que depois a gente combinava outra coisa,
e eu fui sozinha aonde queria ir contigo, pra ver se eu conseguia gozar com a
vida, já que contigo não rolou.
Assim que cheguei ao restaurante, aquele da primeira vez, tocou a música
que — tu
nunca vai saber qual — aqui dentro é toda tua.
A vida me fodeu rápido dessa vez. Só que eu não curto sexo anal.
III
Tinha dito pra mim
mesma que, depois de tu ter desmarcado naquela vez, eu ia esperar mensagem tua
marcando alguma coisa só até umas sete e meia. Depois disso, ia inventar
qualquer saída. Tava, então, escolhendo com uma amiga o bar aonde ir quando tua
liberdade se anunciou no meu celular: “Tô livre aqui... Mas são quase oito. O
que daria pra gente fazer?”.
Deixei a amiga no vácuo
e anunciei minha liberdade também:
— Chamegar, dançar,
transar... A gente pode fazer isso tudo!
Tua resposta, nem um
minuto depois, foi teu endereço.
— Já avisei ao
porteiro. Pode entrar com moto e tudo.
A gente não dançou uma
música. Não confiei muito no meu forró. Mas fodeu e trepou o tanto que quis. No
nosso tesão eu confiei. A moto ficou a noite toda na tua garagem.
IV
No banho, lembrei que
precisava checar se havia guardado tudo o que era meu. Te disse que achava que
não tava esquecendo nada, mas avisei que ia revirar os lençóis da tua cama pra
ver se não tava deixando algo.
Sempre esqueço alguma
coisa aonde vou, porém dessa vez quis ter certeza de que nada ficava porque tu
já tinha dito que era até chavão a pessoa se permitir esquecer suas coisas em
casa de ficante. Isso era a própria vontade de não ir embora, tu falou, e eu
não suporto chavão, embora quisesse ficar, sim, mais um pouco.
— Talvez o cheiro? Acho
que na minha cama tu tá deixando só teu cheiro.
Cheiro é presença que
se flagra em falta fragrante. Só não sei se o meu encarna feito o teu.
V
Tava tentando não
pensar em ti quando minha filha pediu pra ver de novo o próprio nome tatuado
acima do meu seio esquerdo. Abri a blusa e o peito. Ela disparou contra mim ao
dizer que é legal demais tu ter uma tatuagem no mesmo lugar do teu corpo com o
nome da tua filha.
Ouvi tua gargalhada
mais alta zombar da tal da sincronicidade.
VI
De saudade, aprendi a dançar forró direito. Fiquei
devendo ao meu corpo e ao teu esse chamego.
— Agora posso lhe dar o forró que ficou
faltando da vez passada! — te disse por mensagem.
— Da próxima vez, a gente supre essa
falta! — tua resposta não demorou a chegar — Vem sábado de novo! Arranjei com
uma amiga pra minha filha dormir na casa dela.
Cheguei à tua casa com Hilda Hilst na boca:
— “A minha casa é guardiã do meu corpo e
protetora de todas as minhas ardências”. Li esses versos essa semana e me
lembrei de ti.
Tu sorriu e, já ardendo na minha boca, me disse entre
os lábios:
— Gostei... Bora
dançar lá na laje, que eu preparei uma playlist massa de forró!
— Montou até playlist?!
— Eu acreditei nesse encontro! E na
laje vizinho nenhum vê nada!
Tua casa protegeu as tuas e as minhas ardências.
VII
Tava com a cabeça sobre teu peito
ouvindo teu coração regressar da imersão no gozo quando tu disse que tocava uma
música dentro de ti. Eu quis saber o que teu coração ouvia.
— É a música do papai. — E você a
cantou baixinho.
Eu, que, dentro do teu abraço, não lembrava
nem que tenho pai, achei de uma delicadeza absurda que teu coração evocasse o
amor mais forte que teu peito carrega quando é preciso manejar os afetos que
mesmo a mais casual das transas pode fazer assomar. Então, entendi o verso
daquela música tatuado na tua perna. É que
entre o azul do céu e o verde do mar, sim, tanta coisa linda há, mas nada mais
bonito que a criança dentro de ti cantando com o pai “Se você vem comigo, eu
não choro mais”.
— Mas — você disse num daqueles teus
rompantes cheios de sorriso convicto — não entendo por que uma parte da música
diz “Amanhã tudo pode acontecer / Hoje nossa vida é pequena”! Nossa vida nunca
foi pequena! A vida não é pequena! É por isso que amanhã tudo pode acontecer! É
porque a vida é I-M-E-N-S-A! Se eu pudesse, eu mudava só essa parte da música!
Concordei contigo. E também com o verso
que diz que teu sorriso atrai entre as coisas mais lindas. Esse verso eu não
mudaria. Nem teu pai também, eu acho.
VIII
Fui a um café novo no Benfica que tu, como eu, tanto gosta.
Um amigo queria me falar de um livro sobre encontros amorosos (ou não
necessariamente tão amorosos assim) que quer escrever a quatro mãos. Duas das
mãos são as que você pediu para eu enfiar em você.
Descobri ali que bluetooth alcança distâncias maiores que 12
km, porque tenho por certo que o som do lugar reproduzia tua playlist. Mal
consegui entender que a sincronicidade, bem ao teu jeito de amar, rebolava na
minha cara à batida de “Vai descendo devagar / Não precisa se apressar / Se eu
sentar, tu vai pirar”, enquanto meu amigo falava do poder que as crônicas têm
de apresentar com bom humor as intimidades presentes nas relações.
Argumentei – tentando não lembrar que, naquele clima quente,
eu te abracei e foi subindo um vapor – que as crônicas do livro precisam ter
todo tipo de relação e personagens. Ele concordou, dizendo que o livro era pra
ser uma expressão “da liberdade de viver e de amar”, assim do jeito que tá no
teu Tinder. A sincronicidade subia e descia violenta na minha cara. Não ouvi o
que ele falou logo depois. Tava alto aqui dentro o volume da lembrança de que
tu rebola gostoso e esse é teu jeito de amar a vida. Consegui me concentrar no
meu amigo de novo quando lembrei que, quanto a tu sentar e eu pirar, tu ficou
só no “Há de dar certo” – como se eu quisesse elegância linguística – e depois
nem isso. Acho que tu foi rebolar lindamente em outro baile.
IX
Na última vez em que acordei contigo,
tu disse que tava doida pra me levar a um restaurante novo. Chamego, o nome do
restaurante e do que tu me dava naquela hora. Mas não rolou. Nem nosso chamego
rolou mais. Só que esses dias eu soube que lançaram por lá um drinque chamado
Diadorim. Tu zombava quando eu falava da sincronicidade, mas não sei por que
precisa haver no restaurante aonde a gente nunca foi um drinque com o nome que
invoca o teu dentro de mim.
Quando a gente começou a sair, pensei
que eu ia me foder. Até falei pra minha analista isso, que — te disse — me
perguntou se não dava pra curtir essa foda, já que eu, de um jeito ou de outro,
ia me foder. Mas a vida não fodeu comigo, não. Comigo ela fez amor. É que,
fodendo contigo, entendi onde a coragem agarra o amor, porque tive a coragem de
te amar no meio de uma foda. A tal da sincronicidade até existe, mas vidas em
tempos diferentes se encontram apenas para que se entenda que é preciso
respeitar o tempo do desejo. E mesmo que comigo tu não tenha feito amor, a
gente fodeu a delícia que fodeu. Tu levantou da cama dizendo que tinha gozado
horrores e eu tive orgasmos múltiplos. Contigo e com a vida.
A falta do teu chamego eu deixo aqui,
que ela me sussurra segredos da liberdade de viver e de amar e é desse jeito
que tu é um sentimento meu.