por Yvonne Miller__
para @danilo_cdias
A
dermatologista atendia no sábado de 9 até meio-dia, por ordem de chegada.
Melhor, pensei, assim não tenho pressa. Para quem tem carrofobia, nada mais
importante do que saber que você tem tempo e não precisa correr na estrada. Se
o medo ficar muito forte, até posso ir de ônibus, disse a mim mesma tentando me
acalmar. É só levantar mais cedo.
Como
o consultório fica em Camaragibe, cidade mais próxima de casa, ia aproveitar
para entregar logo o presentinho que comprei para um amigo de lá, cujo bebê vai
nascer em breve. Na noite anterior mandei uma mensagem para ele:
—
Danilo, vocês vão estar em casa amanhã por volta do meio-dia? Vou na médica e
depois posso passar aí para levar as fraldas, o que tu achas?
Ele
respondeu por volta das 10 e meia da manhã seguinte:
—
Oi, Yve! Vou sair agora, mas posso te encontrar no caminho. Onde é o
consultório?
—
Menino, eu ainda estou em casa — respondi, com as mãos tremendo levemente.
—
Eita, corre pra tu não se atrasar!
Pois
é, cheguei àquele ponto que não queria chegar. E pior: cheguei nele bem
conscientemente. Expliquei para ele:
—
Eu sei, mas estou enrolando porque tenho medo de dirigir. 😬
—
Rsrsrs, por que tu não foi de ônibus, criatura? Agora ficou tarde e vai ter que
ir de carro mesmo.
—
Pois é. O problema com esse medo é que eu tento sabotá-lo, mas ele sabota de
volta. Agora estamos empatados: nem levantei cedo pra ir de ônibus, nem tenho
coragem para sair de carro. E cá estou, ainda em casa, conversando contigo, e o
tempo passando. 🙄
—
Kkkkkkkkkkkk isso dá uma crônica!
Pior
que deu mesmo. Terminei de escrever agora. São meio-dia e cinco. Perdi a
consulta. Ainda bem!
Yvonne Miller nasceu na cidade de Berlim em 1985, mas mora, namora e se demora no Nordeste do Brasil desde 2017. Escreve contos, crônicas e literatura infantil em alemão, espanhol e português. Tem textos publicados em coletâneas, como Paginário (Aliás Editora, 2018), A Banalidade do Mal (Mirada, 2020), Histórias de uma quarentena (Holodeck Editora, 2021). É cronista do coletivo sócio-literário @bora_cronicar, do blog Escritor Brasileiro e assina a coluna “Isso dá uma crônica” do ColetiveArts. Além de ficcionista é autora e redatora de livros escolares. É uma das organizadoras da coletânea de contos cearenses “Quando a maré encher” (Selo Mirada, 2021). Instagram: @yvonnemiller_escritora