Três poemas de Pedro de Hollanda

 por Taciana Oliveira__







ao desembarcar na terra das chantagens

 

o farelo contaminado do poder

ou a urina da vergonha

se espalha nos bueiros

ou nos becos

nas colchas de retalhos

ou nas coxas dos escravos

da cidade em vigília digital ou cardíaca ou esquizofrênica

cada pequeno exemplar de poder se grandeia

cada qual tem seu estilete, cassetete ou carteirada

 

na terra das chantagens

financiam sua casa própria

contra favos ou favores impróprios

alugam o sossego

por um maço de cigarros

ou ponta de bagana

enterram os ossos

para desenterrar

os dentes de ouro ou platina

vendem os rins da sobrinha

por um meia-dúzia de cabeças de gado

 

na terra das chantagens

o pão vale menos que o pau

a dor vale menos que o grito

a água que se bebe é mais verde que o cloro

a alma que se vende vale bem menos que o pó

na terra das chantagens

o medo é a moeda

de troca ou de culpa

o riso incomoda

porque é invisível e ácido e livre

 

na terra das chantagens

a lei é o deboche da lei.



dentro da tragédia havia uma espécie de mentira calma

 

como se a infância parasse num pedaço do bairro desatento

(não se notava a sombra pérfida de um maníaco no poder)

acreditava que a duas quadras tudo estivesse do mesmo modo

intocável, cáustico e claustrofóbico, mas previsível

não importava se o ridículo provocasse fome

não importava se o delírio rendesse o suicídio de um anônimo

a ausência se vestia de um auto-olhar, inegavelmente vesgo

e tudo era permissível, vigiado e morno

ou esquecido ou deixado de lado.



existe um espaço de tempo entre o que ela sente e o que de fato seu corpo responde


ela me lembra que o corpo está em mim

sem fronteiras entre o objeto que dança

e o que juntamos ou empilhamos como sentir

sem propriedade

sem mérito

dezenas de bicicletas atravessam a retina distraindo-me

os desejos são matérias aflitas no peito

a proximidade com a perda final nos define como poeira

mas o vento

é o que movimenta os milhares de fragmentos desta poeira-passado

fabriqueta de ilusões

res-piro os metais pesados que nos retém na massa cinzenta

res-enlouqueço nos sons, nos pequenos sonetos

de todos os orgasmos

abrevio o tempo medido com as verdades do que sonho

as lágrimas estão no peito daqueles desejos das matérias aflitas

[o sexo está em toda a parte]

o poema não pode me terminar por aqui

as lágrimas no peito lavam a alma desidratada

dezenas de bicicletas atravessam a retina re-distraindo-me

rejeito a música que me soa como rejeitos de uma barragem

prestes a retornar como notícia trágica, como notícia-metáfora

o vento movimenta os fragmentos desta poeira atemporal

[pausa]

expira-se o prazo, expira-se o ar como fuligem somatizada

a sede física se coloca à frente da ideia como obstáculo

a sede do irrealizável se forja como a cena do improvável

a água já não se vende como água

a continuidade do poema já não é importante.


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Pedro de Hollanda
- Arquiteto, designer, escritor, poeta, dramaturgo e artista visual.

 







Taciana Oliveira – Editora das revistas Laudelinas e Mirada e do Selo Editorial Mirada. Cineasta e comunicóloga.  Na vitrolinha não cansa de ouvir os versos de Patti Smith: I'm dancing barefoot heading for a spin. Some strange music draws me in…