por Taciana Oliveira__
ao
desembarcar na terra das chantagens
o farelo contaminado do poder
ou a urina da vergonha
se espalha nos bueiros
ou nos becos
nas colchas de retalhos
ou nas coxas dos escravos
da cidade em vigília digital ou
cardíaca ou esquizofrênica
cada pequeno exemplar de poder
se grandeia
cada qual tem seu estilete,
cassetete ou carteirada
na terra das chantagens
financiam sua casa própria
contra favos ou favores
impróprios
alugam o sossego
por um maço de cigarros
ou ponta de bagana
enterram os ossos
para desenterrar
os dentes de ouro ou platina
vendem os rins da sobrinha
por um meia-dúzia de cabeças de
gado
na terra das chantagens
o pão vale menos que o pau
a dor vale menos que o grito
a água que se bebe é mais verde
que o cloro
a alma que se vende vale bem
menos que o pó
na terra das chantagens
o medo é a moeda
de troca ou de culpa
o riso incomoda
porque é invisível e ácido e
livre
na terra das chantagens
a lei é o deboche da lei.
dentro
da tragédia havia uma espécie de mentira calma
como se a infância parasse num
pedaço do bairro desatento
(não se notava a sombra pérfida
de um maníaco no poder)
acreditava que a duas quadras
tudo estivesse do mesmo modo
intocável, cáustico e
claustrofóbico, mas previsível
não importava se o ridículo
provocasse fome
não importava se o delírio
rendesse o suicídio de um anônimo
a ausência se vestia de um
auto-olhar, inegavelmente vesgo
e tudo era permissível, vigiado
e morno
ou esquecido ou deixado de lado.
existe um espaço de tempo entre o que ela sente e o que de fato seu corpo responde
ela
me lembra que o corpo está em mim
sem
fronteiras entre o objeto que dança
e
o que juntamos ou empilhamos como sentir
sem
propriedade
sem
mérito
dezenas
de bicicletas atravessam a retina distraindo-me
os
desejos são matérias aflitas no peito
a
proximidade com a perda final nos define como poeira
mas
o vento
é
o que movimenta os milhares de fragmentos desta poeira-passado
fabriqueta
de ilusões
res-piro
os metais pesados que nos retém na massa cinzenta
res-enlouqueço
nos sons, nos pequenos sonetos
de
todos os orgasmos
abrevio
o tempo medido com as verdades do que sonho
as
lágrimas estão no peito daqueles desejos das matérias aflitas
[o
sexo está em toda a parte]
o
poema não pode me terminar por aqui
as
lágrimas no peito lavam a alma desidratada
dezenas
de bicicletas atravessam a retina re-distraindo-me
rejeito
a música que me soa como rejeitos de uma barragem
prestes
a retornar como notícia trágica, como notícia-metáfora
o
vento movimenta os fragmentos desta poeira atemporal
[pausa]
expira-se
o prazo, expira-se o ar como fuligem somatizada
a
sede física se coloca à frente da ideia como obstáculo
a
sede do irrealizável se forja como a cena do improvável
a
água já não se vende como água
a
continuidade do poema já não é importante.
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Pedro de Hollanda - Arquiteto, designer, escritor, poeta, dramaturgo e artista visual.
Taciana
Oliveira – Editora das revistas Laudelinas e Mirada e do Selo Editorial Mirada.
Cineasta e comunicóloga. Na vitrolinha
não cansa de ouvir os versos de Patti Smith: I'm dancing barefoot heading for a
spin. Some strange music draws me in…