PretArt e a Sankofa: o resgate do passado, a construção do presente a visão no futuro

 por Davison Souza__


Maria Auxiliadora: a pintora que tentaram apagar



PretArt e a Sankofa: o resgate do passado, a construção do presente a visão no futuro.

 

Quantos/as artistas negros/as você conhece? Quantos/as artistas ou obras negras você viu na escola, no livro didático ou em um museu? Acredito que sua resposta sejam poucas, talvez dê para contar nos dedos, ou talvez seja nenhuma. Isso porque, a arte negra tida como “primitiva” pela educação branca e cartesiana, que permeia nossas relações sociais, disseminou a ideia de que pessoas negras são “inferiores” e portanto, não produzem arte intencional, com isso, retirou-se das populações negras todo o trabalho intelectual-cultural na produção de uma escultura, desenho ou quadro, por exemplo.


Durante minha trajetória na escola, o que me apresentaram de arte, foi apenas a semana de arte moderna de 1922, tida como uma mudança, pois segundo meus/as professores/as, após 1922, a arte nacional era finalmente “brasileira”, tinha “identidade própria”. Contudo, eu me questionava, que identidade era essa? Porque esses/as artistas só retratavam pessoas brancas? Será que pessoas negros/as não fazem arte? Fiquei reflexivo, pois meu sonho era viver de arte.


Na universidade, minha inquietação me moveu em busca de respostas, nesse espaço, entendi que a negação da identidade negra é uma política promovida por um país racista, que tenta de todas as formas embranquecer sua população. Por meio de leituras, diálogos e pesquisas, conheci “a história que a história não conta” como diz o samba enredo da Mangueira de 2019. Conhecendo nossa história, conheci nossos ancestrais, as pessoas que lutaram ontem para que possamos lutar no hoje. Nessas encruzilhadas em busca de artistas negros/as, conheci Maria Auxiliadora, Arthur Timótheo da Costa e Estevão Silva.


Reconheci a arte presente na minha família, e consequentemente os/as artistas que estavam perto de mim, dona Maria Adelaide (avó) que faz arte com suas linhas e agulhas, Dona Petronilha (avó) que por meio de suas mãos dominava a arte de cozinhar, seu João (avô) que por meio das cordas da viola e de sua voz, encantava o sertão cearense e josé Cláudio (pai) que por meio de um trabalho artesanal-intelectual costurava o couro e dele fazia bolsas, carteiras e cintos. Todas essas pessoas citadas não se consideravam/consideram artistas, isso porque, o sistema racista que nos atravessa, as fez acreditar que arte era aquilo produzido por gente branca.


A partir do reconhecimento dessas histórias e do meu reconhecimento como artista, criei a Pretart, um movimento político-pedagógico-artístico-cultural, que busca, por meio de ilustrações em(pret)ecer a (art)e. A pretart, se tornou um meio de compartilhar com outras pessoas negras ilustrações que contam nossa história, que falam do “noiz”, um espaço que retrata nossos heróis, heroínas, rei, rainhas, guerreiros, guerreiras, artistas, poetas, músicos, e diversas pessoas negras que foram apagadas pelos epistemicídio e o racismo desse país. É um espaço-espelho, onde pessoas negras possam se olhar e se sintam representadas, sintam suas vivências, vejam suas pessoas e possam se ver como arte, percebam que são belas e são artes.


A Pretart é representada pela Sankofa, um pássaro mítico dos povos de língua Akan, da África ocidental. Esse pássaro, tem os pés voltados para frente e a cabeça (ori) voltado para trás, nos lembra que para a luta contra o racismo no hoje, precisamos olhar para o ontem, para quem veio antes de nós, e por meio desse movimento, podemos construir o amanhã, um futuro em que as possamos viver em um país menos racista.


Diante do exposto, a Pretart, surge como esse movimento gingado, que atravessa o tecido do espaço-tempo, pisando no hoje, recorre ao ontem, para a construção de um amanhã em que as pessoas negras se sintam representadas e se vejam em cada espaço que seus pés tocaram, seja na escola, nas ruas, na televisão, nos museus ou em uma página do Instagram.

 

José Cláudio: o artesão que acreditou na minha arte.



*Dedico esse texto e essas obras ao meu artista, José Cláudio Souza de Assis (in memoriam), se hoje existe a Pretart, é porque o senhor existiu ontem e permanece hoje.

 

 



Davison Souza - Filho do seu José e da dona Maria, nascido na periferia de fortaleza, Pretagogo é formado em pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará, pesquisador em educação antirracista, educação popular e política de cotas raciais. Atualmente cursa especialização em Língua portuguesa, literatura brasileira e infantil. É artista e ilustrador digital, formado nos “corres” da vida. Publica sus artes na página do Instagram @pretart, em que dialoga sobre corpos negros e seus diversos atravessamentos na sociedade racista do Brasil. É o autor do livro Cota não é esmola: as cotas raciais na UECE, que carrega o selo da editora Mirada.