por Taciana Oliveira___
Desde
que vim morar no hotel da rua do ouvidor da minha alma, que abro a janela esquecida, pendurada no tempo da
existência ou no desfazer do tempo, como se a matéria não imprimisse verdades.
Tudo que não me significa parece estar à minha frente, neste pedaço de quase muro,
na distância-vertigem entre este quarto e os que sempre margeiam o bairro, a
cidade, o continente. A paisagem tombando se apega à membrana dos meus olhos,
no movimento indisfarçável contra o balé que me habita o corpo-alma ou este não
sei o quê que me descontinua. Qualquer nostalgia que me supõe, é como uma isca
frágil sem banquetes, sem orgasmos. A janela não-objeto escapa um recorte do ar
finíssimo e um ruído que dilui qualquer sonho fabricado numa página da revista
da infância, suspensa no calendário do tédio. Os ventos trepidam na vizinha do
oitavo andar e formigam o corpo quando reconhece a nudez como deserto e mar e
deserto.
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De
fato, de uma hora pra outra,
sequestraram todas as nossas invenções de mundo melhor. Não é só o fato. Todas
as barbaridades já estavam expostas na praça dos poderes dos minúsculos
personagens sem empatia. Talvez não houvesse linha ascendente nas pipas que
voavam ignoradas, e hoje, desesperançam os olhos aflitos de quem brincava na
laje sem (des)presidentes ou (des)governadores sociopatas a bordo de um
helicóptero-fetiche. Talvez não houvesse Darwin e a Evolução, talvez a história
seja tão aleatória quanto as centelhas de consciência esparramadas na multidão desatenta
ou desamparada ou (des)existente.
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Deixando os fatos de lado, guardo todo o resto. Se eu deito, sinto um tijolo apoiado em meu peito, acomodado entre o pulmão e o músculo cardíaco. Cuido todas as noites para que ele não escorregue, salte ou se aprofunde tanto, a ponto de se tornar inacessível. Manuseio o barro deste tijolo, tentando reconhecer as angústias e as liberdades como matérias-primas ainda úmidas. Não sei se por conta disso, todas as manhãs des-acordo encharcado sobre uma poça de sangue-lágrima quente vermelho sem que o sangue esteja ali como fato. Faço um esforço descomunal pra me despedir do que eu suponho ter atravessado, através dos espelhos e do que aceitamos como farsas sociais ao longo da vida. Queria levar o lixo até à escada quando pedi que Chopin voltasse à sala. Coço entre os dedos, enxugo o excesso de lágrimas e sorrio sem nenhuma esperança nestes artifícios de vida ou de país. Leio cheio das ignorâncias “noturno em mi-bemol maior”. Gosto de acreditar que as teclas pretas do piano rompem a monotonia do cotidiano repleto e exausto de nós mesmos.
Taciana Oliveira – Editora das revistas Laudelinas e Mirada e do Selo Editorial Mirada. Cineasta e comunicóloga. Na vitrolinha não cansa de ouvir os versos de Patti Smith: I'm dancing barefoot heading for a spin. Some strange music draws me in…