Estou lendo cada vez mais com ansiedade | Tadeu Sarmento

 por João Gomes/Revista Vida Secreta__




Entrevista com Tadeu Sarmento


1 - Qual foi o primeiro livro que você leu?

Tive coleções inteiras de gibis da Marvel no início dos anos oitenta: Hulk, Homem-Aranha, X-men. Esse o primeiro grande livro que li. E livros sobre ufologia e dinossauros, que vieram logo na sequência, dos quais não lembro os títulos. Um dos meus primeiros livros também foi a seleção inteira de educação sexual, lançada em 1981, dentro da coleção “Biblioteca Salvat de Grandes Temas”. Livros de capa dura, cujo grafismo retirava todo o sangue do meu cérebro e o enviava para... vocês sabem... vocês também leram.

2 - Entre a leitura e a escrita, qual o seu maior prazer?

Varia bastante. Tem épocas que é a leitura; outras, a escrita. Atualmente é a escrita. Tenho lido muito por obrigação (pesquisa para o que estou escrevendo, pesquisa de um modo geral) o que tira um pouco do prazer do ato em si. Tenho lido muito de forma dispersa também e, fenômeno estranho (talvez ligado a alguma questão psicológica ainda não detectada) estou lendo com cada vez mais ansiedade. Ou seja, tenho lido muito rápido, querendo chegar logo no final. Reflexo do nosso tempo, quem sabe.

3 - Você costuma ler em e-reader?

Bastante. Gosto bastante da facilidade e da comodidade que o Kindle, por exemplo, oferece. E não tenho nenhum fetiche com o objeto-livro, apesar de considerá-lo o objeto ergonomicamente mais perfeito que existe. Depois da colher.

4 - Você prefere ler um livro por vez ou vários de uma vez?

Venho lendo vários ao mesmo tempo, pelo menos há três anos. Tem a ver com a ansiedade que cito na segunda pergunta. E com o fato de ter, de uns tempos para cá, lido muito, mas apenas para pesquisa. Coincidiu com o tempo em que resolvi começar a escrever roteiros. Você não faz ideia da quantidade de roteiros, de livros sobre como fazer roteiros e livros sobre cinema que li. A sorte é que tenho uma bagagem de leitura anterior bem pesada. Já li muito, e muitos clássicos da literatura. “A carne é triste e eu já li todos os livros”, como disse Mallarmé.


5 - Qual é a maior dificuldade para o escritor hoje?

As redes sociais, conseguir resolver essa equação entre manter o bambolê girando para a plateia das redes, e a necessidade de recolhimento que toda escrita exige. Mas também ter que ganhar a vida. A vida civil, dos salários, das contas e do imposto de renda, atrapalha demais. Mas também o fim das democracias, a ascensão mundial do fascismo evangélico, a mediocrização universal, o grande apagão geral do talento, do bom-senso e da honestidade. A vida, enfim, pelo menos a vida que os 0,5 por cento de acionistas invisíveis decidiram que teríamos que viver.


6 - O que te faz amar um livro e qual mais influenciou sua vida?

O livro que mais me influenciou foi A invenção de Hugo Cabret que me ensinou a escrever O cometa é um sol que não deu certo, transformando minha vida para sempre.


7 - O que te inspira a recomendar um livro a alguém?

A capacidade de retirar você da sua vida para jogá-lo no meio do ciclone de sentimentos de vidas que você jamais viveria ou conheceria, de decisões que você jamais tomaria, de amores, ódios e paixões que você jamais sentiria, pelo menos no espaço curto de sua vida.

8 - Qual gênero você raramente lê?

Livros de autoajuda, de coachs, ou de um desses bem-intencionados analistas da chamada terapia-cognitiva comportamental “você pode, você consegue”. Gêneros que, aliás, são uma febre nos dias de hoje. O que vale como um termômetro medindo a proximidade da vitória do macaco César sobre nós.

9 - Você se inscreve ou se guia por prêmios literários?

Me inscrevo, mas não me guio. O papel dos prêmios hoje para mim é claro: salvar financeiramente, e durante um tempo, o escritor da insolvência. Mas a porta é estreita, e giratória.

10 - Diga um caso em que a fama do livro ou filme destruiu a sua experiência?

O terceiro Reich, de Roberto Bolaño. Fui para ele com uma alta expectativa, por ter gostado de tudo que li desse escritor chileno, mas me decepcionei. É um livro menor, lançado inclusive de maneira póstuma, em uma versão que possivelmente não passaria por uma segunda revisão do implacável Bolaño.

11 - Com que frequência você concorda com críticas dos livros?

Com a frequência em que são boas críticas, o que quase sempre é o caso. Mas gostei bastante de uma crítica hilária que o falecido Alfredo Monte escreveu sobre E se Deus for um de nós, esculachando meu livro. Na crítica, ele dizia inclusive que era um homem doente, com uma doença em estágio avançado, e que não poderia perder tempo lendo aquele lixo. E se Deus fosse Alfredo Monte? Acho que ele teria me matado.


12 - Qual conselho você daria a um escritor iniciante?

Não tenha nenhuma pressa em publicar. Espere cinco anos para ver se a vontade de publicar determinado livro ainda se mantém.

13 - Qual o/a seu/sua poeta preferido/a?

Adriane Garcia e Pedro Bomba.

14 - Como você acredita que deve ser a formação de um escritor?

Não existe uma fórmula. Mas acredito que sem empatia nem conhecimento das próprias neuroses ninguém escreve uma linha que preste. A formação, no sentido da bagagem pode, e deve, ser errática, autodidata até. No fim das contas quem escreve, quem realmente precisa escrever para se manter coeso e funcional, encontrará o caminho.


15 - Você considera a poesia elitista?

A poesia em si não, mas a poesia que alguns poetas fazem, sim. Poetas que escrevem para seus pares, ou para seu próprio umbigo. Poetas que não têm nada a dizer e de fato não dizem, enchendo a página com jogos picaretas e erudições vazias.

16 - Quais livros você leva em viagens?

Depende. Quando viajo de avião, “Como sobreviver a um desastre de avião”. Quando viajo de ônibus, qualquer romance do Raymond Chandler.

17 - Você acompanha financiamentos coletivos de livros e de projetos literários?

Sim, mas atualmente tenho feito um rodízio em ajudar os humanos e os cães de rua.

18 - O que te faz parar de ler um livro na metade?

A ansiedade. Em termos formais, um desenvolvimento forçado, um personagem que não convence, um Deus ex machina sacado da cartola. Qualquer coisa que quebre o pacto de verossimilhança que todo leitor estabelece, na maior boa vontade do mundo.

19 - Fale um pouco de algum projeto literário em andamento ou de um livro seu publicado recentemente?

Estou com um livro de contos em campanha de financiamento no Catarse. Chama-se A vida se ilumina e será publicado este ano pela Caos e Letras. É um livro de contos ligados entre si pelo futebol, e pela capacidade de rir, com decoro, das mais terríveis tragédias humanas. Publiquei esse ano também meu terceiro juvenil Sundiata Keita, o filho de Sogolon, e estou com mais dois juvenis no gatilho, para sair entre final desse ano e o próximo. E o roteiro de Ester ou Antígona, livro que publiquei ano passado pela gloriosa Uboro Lopes, e que está nos editais, atrás de verba para ser filmado.


20 - Qual seu lugar favorito para ler e qual será sua próxima leitura?


Cada vez mais sentado, no computador ou no Kindle. Em geral, na mesa de trabalho na qual me sento de manhã e só me levanto à noite. Minha próxima leitura será
Os demônios, o contemporâneo e o mal na polifonia de Dostoievski, de Lucas Morais Retes.


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Tadeu Sarmento é autor de Associação Robert Walser para sósias anônimos e E se Deus for um de nós?, entre outros. Ganhou o II Prêmio Pernambuco de Literatura e o Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura de 2016, com Um Carro Capota na Lua, publicado pela Tercetto. Publicou Ester ou Antígona pea  Uboro Lopes (2021) e A vida se ilumina pela Caos e Letras (2022).


João Gomes
 nasceu no Recife/PE em 1996. Autodidata, é escritor e poeta, publica resenhas, crônicas e entrevista com escritores na revista Mirada. Publicou em algumas antologias, como Granja, Sub-21, Capibaribe VivoTente entender o que tento dizer, No entanto: dissonâncias e etc. Edita a revista de literatura e ideias Vida Secreta. Atualmente estuda Multimídia no Ginásio Pernambucano e mantém no prelo seu livro de poesia.