por Yvonne Miller__
“Eu vou te pegar! Você acha que tá a salvo aí na
sua casinha, hein? Deixa te falar uma coisa: eu sei onde você mora. E a
qualquer momento chego aí e se eu te encontrar, eu vou...”.
Devia ser algo por esse estilo que o Pingo
bradava na rua de trás, embora a gente só ouvisse um “auauau” raivoso. Mas era
isso que bastava para fazer o Chico se levantar de um pulo e correr nervoso de
um lado da casa a outro, cabeça abaixada, rabo entre as pernas, procurando onde
se meter. E quando, por acaso, não havia nenhum lençol estendido entre os
bancos da cozinha ou um varal no meio da sala, nem toalha de mesa que servisse de
caverninha, abria a porta da varanda com um fucinhaço desesperado e saía
chispando para dentro do mato. Após algumas tentativas frustradas, parei de
correr atrás dele, pois certamente Chico achava que Pingo estava perseguindo
nós dois e corria mais rápido ainda. Melhor ficar em frente de casa chamando e
assoviando para mandá-lo entrar assim que voltar. E uma hora ele sempre volta.
— O Pingo está preso. Ele não pode fazer nada,
sabia? — explico então, enquanto tranco a porta com chave. Mas eu sei bem que o
medo é imune a argumentos racionais; vai ter que superá-lo com terapia de
confrontação mesmo.
No passeio ele anda suspeitamente pertinho de
mim, vai me tangendo, roçando minhas pernas para me afastar da rua do Pingo.
Quando não reajo a suas tentativas sutis, ele chega a pular em cima de mim,
sobe com as patas dianteiras no meu peito, me empurra para trás.
— Eu não sou ovelha pra você me pastorear! —
digo com seriedade. — Você precisa lidar com isso. Bora, Chico, coragem!
E seguro a guia mais firme porque já conheço os
truques dele. Ao passarmos em frente do portão branco ouvimos os latidos vindo
da casa: “Quem te permitiu passear por minha rua? Eu vou te pegar, seu
mauricinho! Sei onde você mora. A qualquer momento apareço lá e então...”.
Chico me puxa com pânico e força, o rabinho
entre as pernas.
— O Pingo está preso — tento acalmá-lo.
Deve ser por isso que está com tanta raiva.
Yvonne Miller nasceu na cidade de Berlim em 1985, mas mora, namora e se demora no Nordeste do Brasil desde 2017. Escreve contos, crônicas e literatura infantil em alemão, espanhol e português. Tem textos publicados em coletâneas, como Paginário (Aliás Editora, 2018), A Banalidade do Mal (Mirada, 2020), Histórias de uma quarentena (Holodeck Editora, 2021). É cronista do coletivo sócio-literário @bora_cronicar, do blog Escritor Brasileiro e assina a coluna “Isso dá uma crônica” do ColetiveArts. Além de ficcionista é autora e redatora de livros escolares. É uma das organizadoras da coletânea de contos cearenses “Quando a maré encher” (Selo Mirada, 2021). Instagram: @yvonnemiller_escritora