Quanto custa um combinado? | Carlos Monteiro

 por Carlos Monteiro__

 

Fotografia: Carlos Monteiro


         Não digo um combinado de sushi-sashimi, mas um combinado do verbo combinar. Da expressão “vamos combinar?”. Daquela máxima de que “o combinado não é caro” ou do famoso “combinemos”.


         A velha história de Garrincha: “Tá tudo certo seu Feola...” – Vicente Feola, técnico da Seleção Brasileira de Futebol combinando a estratégia de jogo, na Copa de 1958, contra a antiga URSS – “...mas o senhor já combinou isso com os russos?”. Parecia simples, mas era profundo.


         Combinar e cumprir não custa caro, mesmo que, adiante, percebamos o mau negócio que fizemos. Não custa caro, pois palavra empenhada, palavra dada, deve ser respeitada e, assim o é, desde os tempos do fio do bigode.


         O que não está combinado, ao contrário, pode custar muito caro. Muitas das vezes os “olhos da cara”, “o fígado” ou “um rim”.


         Pode custar uma amizade de longo tempo, a reputação de um profissional, a credibilidade de uma empresa... pode trazer contratempos insolúveis, desgastes desnecessários, discussões infindas.


         Invariavelmente, existe uma tendência à “Lei de Gerson”, a dar um jeitinho, a incluir um “plus a mais” em tudo. Um não-combinei-mas-quebra-essa-aí-para-mim. Um “já que...”.


         Ultimamente, parece que o verbo combinar não anda sendo flexionado de forma correta. Parece padecer de certa depreciação, de certo desprezo, até desdém.


         “Combinemos” parece ser título de canção de Herivelto Martins ou de poesia concreta modernista, mas não é.


         Na ‘live’ de ontem, Gal Costa, uma senhora do alto de seus 75 anos, provou que talento, dom e vocação, são inerentes a sua competência em qualquer ambiente inóspito, em qualquer circunstância. Diante do que, pareceu não estar combinado – ela sequer sabia que estava ao vivo -, sua voz mostrou-se majestosa, glamurosa, maviosa. Tudo parecia de um amadorismo total. Para onde vou? Onde será a projeção? Acabou? Não? É para ficar na varanda ainda?


         Como se baixasse o espírito de Tim Maia, subliminarmente, descrevendo é claro, cadê o retorno?


         A cor do figurino se misturava à cor do ambiente: não combinaram com a figurinista que as cores não combinavam? As câmeras andavam frenéticas, descompassadas, trêmulas, desfocadas, quase em um bate-cabeça... Não combinaram quem era quem na fila do pão? Quais as dicas de passagem na contagem de corte? Não combinaram que, em hipótese alguma, se passa na frente de uma câmera, mesmo que ela esteja em modo off? Não combinaram localização e posicionamento de cada uma delas?


         Faltaram, ao que tudo indica, muitos “combinemos”, culminados pelo bis... “—Gente? Nós não ensaiamos (combinamos) bis... ‘tá’ ao vivo? Jura? Vamos fazer o quê? “Festa no Interior”? Tem no TP? Não precisa...? Não precisa...!


         Afinal, tudo tem seu preço, tudo tem um preço; às vezes caro, às vezes barato..., mas, paga-se o preço, seja ele qual for, por não cumprir o combinado ou, ainda mais, por não ter combinado.


         O combinado não é caro.


         Não mesmo!




Quanto custa um combinado? - Fotocrônica de Carlos Monteiro 






Carlos Monteiro é fotógrafo, cronista e publicitário desde 1975, tendo trabalhado em alguns dos principais veículos nacionais. Atualmente escreve ‘Fotocrônicas’, misto de ensaio fotográfico e crônicas do cotidiano e vem realizando resenhas fotográficas do efêmero das cidades. Atua como freelancer para diversos veículos nacionais. Tem três fotolivros retratando a Cidade Maravilhosa.