Yôlinda, crônica Anthony Almeida

 Anthony Almeida__





Viajei, nesta vida de 33 anos, menos do que gostaria e mais do que imaginei que conseguiria. Um dos roteiros mais repetidos foi sair, voltar e voltar a sair de Pernambuco. Na maioria dos retornos, nas voltas para casa, Pernambuco foi o destino. Mas, tem sido nas partidas deste chão natal que o afeto pelas vivências pernambucanas tem me afagado com mais apreço.


Um dos buracos que doeu no meu peito doeu quando, ao estar morando em São Paulo, eu passei 915 dias sem voltar a Pernambuco. Vivia, então, meio infeliz porque homem e terra que se gostam, de tempos em tempos, se necessitam. É uma necessidade que costuma aparecer a cada duzentos dias, mas que pode aceitar, sem grandes frustrações, uma margem de erro de cem dias para mais e de quanto mais para menos, melhor.


O chato é que a minha mobilidade não é plena (dinheiro — ou melhor, a falta dele) e, se meu desejo é, ao estar longe, poder voltar umas duas vezes por ano a Pernambuco, a constatação de que viajei menos do que gostaria só aumenta a minha chateação. Ora, 915 dias, contando os prazos de abstinência com margem de erro e tudo, superam em três vezes o previsto na minha cartilha de necessidades afetivas. Isto posto, no dia 916, aliás, no dia 1 do reencontro, até um candeeiro apagado, visto à venda nas barracas de artesanato de Olinda, foi capaz de acender uma fogueira no meu peito.


Depois que o fogaréu se consumiu e chegou o dia da partida, ficou o buraco. Uma última fagulha desse fogo todo se queimou na véspera da volta para São Paulo. Era começo de janeiro em Olinda. A tarde se iniciava meio pálida e eu arrotava meu almoço. Ia pegar o caminho do Recife e de lá o do céu. Ainda Olinda e, outro arroto depois, olhei a ladeira de baixo para cima. Dela, entre os casarios históricos, descia um afago energizante: uma prévia carnavalesca lotada de gente dançando e suando, frevando e fervendo.


Parei na calçada e fiquei admirando o povo colorido e cantante que passava. Chorei, não escondo. Trompetes e trombones tocavam um frevo conhecido. Cantei junto e balancei o pescoço no ritmo da tuba acompanhante do cortejo que, sem cerimônia, acompanhei ladeira abaixo. Dentro da folia, um boyzinho passou circulando com uma placa, quase um estandarte, vendendo um negócio bom para resolver problema de arroto e de buraco no peito: Axé Yô — bebida ancestral. A melhor de Olinda, marronzinha e numa garrafa miúda, feita com aguardente, mel e ervas especializadas.


Sob o êxtase do axé e do frevo, já dentro do avião, RecifOlinda lá embaixo, eu soube que as possibilidades de vivências em Pernambuco são incomparáveis. Fui o máximo que pude nos lugares que me faziam sentido. Fiquei contente por ter conseguido fazer essa viagem. Chorei de novo, não escondo.


Olinda. Janeiro, 2019.







Anthony Almeida
é geógrafo, professor e cronista. Nasceu em Caruaru/PE e mora em Recife/PE. Pesquisa a Geografia Literária, escreve e estuda a crônica brasileira. É cronista da Revista Mirada, doutorando em Geografia, pela UFPE, e editor adjunto da RUBEM – Revista da Crônica. Contato: anthonypaalmeida@gmail.com