Da sacada com a rede vermelha, crônica de Anthony Almeida

 Anthony Almeida__


Foto: Ricardo Diaz




Voltei a Presidente Prudente para passar um mês. Tenho aqui uma vista de sacada no segundo andar. A varanda tem uma tela de proteção, feita de polietileno, que é material impermeável e muito resistente aos raios ultravioletas e outras intempéries. Tais especificações importam pouco para mim e nada ao gato Pisco. O que me importa é que ela não deixe o bichinho cair lá embaixo. A ele, importa esfregar bigodes nela e deixar o novo território bem marcadinho.


Daqui, observamos dias, noites e madrugadas fevereiras. Eu, olho deitado na rede vermelha e quase não tenho espaço para o balanço. Ele, olha sentado, postado ao lado do seu caneco de água e de seu potinho de ração. É interessante o que homem e gato veem de uma varanda no segundo andar. É singelo e complacente os olhares que gato e homem trocam. Seus olhos de gude, celestes, me deixam tranquilo quando, após a investigação da novidade lá fora, encontram conforto nos meus olhos preocupados e passam de uma expressão de curiosidade e temor à confiança.


A paisagem nova amanhece, anoitece, volta a amanhecer. Passa mulher com duas sacolas grandes, penduradas nos braços. Cedo, neste dia que se acende, ainda antes das seis da manhã, vai rápido, caminha com intensidade para chegar logo ao destino. Deve ser, o seu destino, um posto de trabalho. Até logo, mulher que vemos da sacada. Amanhã, se estivermos por aqui, antes de o dia clarear, veremos você novamente. No amanhã do amanhã, também. Nos depois dos amanhãs, enquanto estivermos aqui, veremos você passar. Até logo. Até.


Ao Pisco, perceber a passagem dos dias pela passagem da mulher não parece algo relevante. Esta paisagem, entelada, inspira mesmo é uma caminhada em cabisbaixo, um miúdo passeio pela varanda miúda. Suspiro. Sei que ele sente falta de sair pelo quintal de janeiro, de subir telhados e visitar a segunda casa que talvez tivesse, onde, quem sabe, o chamam de Pepino. Isso ele não tem mais. Mas tem os incontáveis estímulos sonoros dos seus novos arredores.


Orelhas altas, atentas e dispostas ao movimento em busca dos diferentes ruídos. Carro passando, revoada de andorinhas, passos e vozes da rua, matraqueado das maritacas, latidos distantes e próximos, ventania da chegada de uma tempestade, revoada de papéis, especialmente contas de água e luz, que se vão com o vento tempestuoso, o roçar dos seus bigodes na tela de polietileno, o motor da moto que passa, corta e cobre qualquer outro som.


A visão e a curiosidade também são estimuladas. Na esquina, um terreno baldio e sem mato aguarda a nova construção. Nele, alguns pixos riscam a única parede que restou da antiga casa. "Felis 2023". "Não jogar lixo". E uma caixa de papelão, encostada na parede, transborda de sacos plásticos, cascas de fruta e garrafas de cerveja. Estacionado, um caminhão tanque, a inscrição informa o conteúdo: nitrogênio líquido. Se ele explodir, viraremos estátuas de gelo, carne e pelo?


Se, até março, isso não acontecer, deixarei aqui o gato Pisco aos cuidados da gata Gabriela e a gata Gabriela aos cuidados do gato Pisco. Seguirei para lá. Seguirei a viver a vida que escolhi, uma vida com um pé lá e outro cá.


Presidente Prudente/SP. Fevereiro, 2023.









Anthony Almeida
é geógrafo, professor e cronista. Nasceu em Caruaru/PE e mora no Recife/PE. Pesquisa a Geografia Literária, escreve e estuda a crônica brasileira. É cronista da Revista Mirada, doutorando em Geografia, pela UFPE, e editor adjunto da RUBEM – Revista da Crônica. Contato: anthonypaalmeida@gmail.com