Três trechos do livro Passagem de Ida e Volta, de Priscilla Pinheiro

 

por Priscilla Pinheiro__









(trecho do poema A duros dentes)


a velha via o pó dos arquivos

a mancha dos retratos

consumidos e alimentados

pela passagem do tempo


o bolor das flores

o enferrujar das cadeiras

a enciclopédia desatualizada

o livro de poemas amarelos


a velha olhava ao redor

o seu antiquário cheio de quinquilharias

qualquer dia apareceria no programa de acumuladores

a velha ria


ria mesmo de tudo e

especialmente de si


-


(trecho de Coisas perdidas nos trilhos)


as lágrimas derramadas

caíram nas asas das estrelas que

pousaram sobre os trilhos e

voaram pelas cidades


os jasmins daquela calçada

os balanços das árvores

as danças das nuvens

movimentando as montanhas


se eu nasci passarinho

é por isso que as manhãs são cantos

se eu sou passarinho

por que não alço voos?


-


(trecho do poema Doação)


pelo reflexo do espelho, meu rosto

envelhecendo com sulcos e vales

que descubro na cidade desnivelada

no sobe e desce das ruas


emoções estranhas me encontram quando

percebo que uma versão minha

dobrou a esquina mexendo as mãos e

não há mais nada que eu possa fazer


eu ainda ouço meu nome soar

como a junção de uma história que

não se partiu por completo e

está em processo de edição









Priscilla Pinheiro nasceu em 11 de janeiro de 1993, em Fortaleza, no Ceará. Sempre gostou muito de rabiscar palavras e desenhos e, por isso, ama ter papéis, lápis e canetas por perto. É escritora, publicitária de formação pela Universidade Federal do Ceará, mestranda em comunicação pela mesma instituição, redatora e produtora de conteúdo. É autora do livro Passagem de Ida e Volta (editora Folheando), seu primeiro livro de poesia, e enxerga a palavra como um caminho.