A polifonia do feminino na escrita de Lorraine Ramos Assis

 por Divulgação___






A polifonia do feminino: conheça os duplos refletidos na escrita de Lorraine Ramos Assis


Livro de estreia da poeta, crítica literária e editora carioca Lorraine Ramos Assis (@catarsesoculares), “O duplo refletido” (Folhas de Relva Edições, 114 pág.) usa a hibridez entre a prosa e a poesia para tratar de temas relacionados com memória, violência machista e luto familiar, sob a perspectiva da saúde mental. 


Publicada pela Folhas de Relva Edições, a obra conta com orelha de Mar Becker, blurb de Paulliny Tort, prefácio de Luizza Milczanowski e posfácio de Priscila Branco. Com paratextos assinados por quatro escritoras diferentes, esse livro, já tão polifônico pela evocação do duplo desde o título, torna-se um multiplicador de vozes de mulheres também nesse aspecto.


A figura do duplo, um clássico na história da literatura, se constrói a partir de uma abordagem misteriosa, quase fantástica, e cheia de camadas em “O duplo refletido”. Lyna e Lineia, personagens principais do livro, são vítimas de um crime, e “O duplo refletido” representa a reconstituição desse momento de injustiça e violência e a elaboração do trauma relacionado ao evento. Resta a pergunta: quem são elas? Elas são a mesma pessoa? Elas são um mesmo corpo feminino violado? 


Com 26 anos, Lorraine Ramos Assis já foi publicada em diversas revistas, jornais nacionais e estrangeiros, tais como Jornal Cândido, Revista Cult, Jornal RelevO, Granuja (México) e Incomunidade (Portugal), entre outros. Também atua como colaboradora no portal São Paulo Review e na Revista Caliban, além de integrar o corpo de poetas do portal Fazia Poesia. Também trabalha com performance dramática, já tendo participado do tradicional CEP 20.000. Declamou poesias em outros dois espaços: Livraria Belleepoque e Motim. Pesquisa a marginalização feminina em obras ficcionais e biográficas. É graduanda de Sociologia, na UFF.


Confira a entrevista completa com a autora:


1 - Se você pudesse resumir os temas centrais do livro, quais seriam? Por que escolher esses temas?

Machismo, luto, memória e saúde mental. Partindo de experiências próprias de ser mulher e o luto de meus pais. Apesar disso, não é uma autoficção. Lyna e Lineia são personagens, e não uma projeção biográfica de quem as criou. 


2 - Como você define o seu livro?

É uma obra de fronteiras, se inserindo entre a poesia e a prosa. O livro discute a sociedade patriarcal nas mulheres, em especial as consequências psicológicas. Aborda as formas de luto: a perda da identidade, perda de um rumo, perda familiar, questionamentos do que é certo e errado na jornada das duas mulheres (Lyna e Lineia). Tem um tom investigativo, dialogando com a sensação de estarmos imersos nas sugestões, pistas, verdades e o oculto nas narrativas de  Lyna e Lineia (a dúvida sobre a fala de uma mulher e suas denúncias). A partir desse percurso, vozes de outras mulheres são evocadas. Quem nunca passou por um relacionamento abusivo? Ou o próprio luto, seja de qualquer caráter? A obra discute esse nosso processo interno. Acho que no final das contas, é um grande "female rage" (raiva feminina). Um movimento que anda crescendo tanto no audiovisual quanto na literatura contemporânea. Quando você é mulher em uma sociedade definida por homens, você não sente uma certa angústia? É nós por nós.


3 - Como a obra nasceu, como você teve a ideia?

O duplo refletido nasceu a partir de várias indagações, há cerca de um ano e meio. Um projeto híbrido, que pudesse dialogar com meu caminho na literatura. Porém, cabe ressaltar que ele foi criado a partir também de uma fronteira: o processo de ser/me ver como mulher/escritora, e o processo de luto/filha de um pai que também se encontrou na escrita, nas artes e nas ciências sociais. Estava passando por um momento delicado de processar um antigo relacionamento, para não dizer tóxico, e como proceder com a perda da minha mãe e do meu pai. Precisava criar, precisava de uma ficção, precisava colocar para fora uma experiência que me fazia sentir sozinha, mas já estão chegando leitores com os quais relataram terem se identificado. Há trajetos necessários, um roteiro que nos é traçado desde o nascimento? Creio que sim, e parte dessa minha premissa resulta nessa mão que transita, que se movimenta em áreas, em pessoas, em caminhos, que se fragmenta, mas ainda é única. Como já comentei com algumas autoras: somos inspiradas por diversos escritores, mas não somos "versões femininas" de ninguém.


4 - Por que adotar o estilo híbrido na escrita de “O duplo refletido”?

Desde o seu início, o caminho entre prosa e poesia foi constante, se modificando, se alterando, construindo paralelos que somente depois vi que foi inconsciente (eu não gosto muito de rimas, mas as utilizei em alguns. Por quê?). Eu participei de várias oficinas de poesia até a versão final do O duplo refletido, e uma de prosa, e percebi que estou nesses dois gêneros. Queria experimentar.


5 - Como foi o processo de escolha da capa e do título?

A escolha da capa deveria carregar uma sensação de objeto escondido, nebuloso, mas ainda delicado. Preto, mas por que não um rosa, até mesmo por influência de “A teus pés”, de Ana C?

O título me foi ensinado: "títulos simples e com sonoridade sempre são os melhores. Aproveita o simples!". Recortei, podei, calculei cada passo para que os textos fossem quase como um grande poema, pois é uma história, uma epopeia. E eu trabalho na literatura com temas muito específicos (o feminino e a violência, memória, luto e saúde mental).


6 - Quais são as principais influências de mulheres escritoras que nortearam o processo de escrita de “O duplo refletido”?

Além da poeta, a querida Mar Becker que fez minha orelha, a obra “O diário secreto de Laura Palmer”, de Jennifer Lynch, me influenciou bastante.

Quando me foi recomendada a Cristina Judar pela minha leitora crítica, não foi à toa: quando me deparei com "Elas marchavam sob o sol", as figuras de Ana e Joan, me veio a confirmação: devo inserir duas personagens e com características distintas, mesmo que sutis.

Mulheres incontornáveis, ritualísticas. Frutos de uma sociedade dos homens. O livro se alterou muito desde final de 2021, e foi aí que decidi trabalhar mais nele, e a ficção da Cristina foi essencial nesse processo.

"O martelo", da Adelaide Ivanova, é uma obra que em minha ótica é resultado de uma escrita sem rodeios, direta ao ponto, cravando unhas na ferida (o que é belo, pois a gente quer arte que provoca). Nunca desejei me encontrar em um caminho textual e temático de "embrulhar pra presente", e Adelaide carrega uma "escrita de cicatrizes", harmonizando o lírico com o brutal. O martelo é um livro para ser lido em voz alta em um quarto que vai se iluminando aos poucos na penumbra.

O livro "No útero não existe gravidade", de Dia Nobre, foi uma obra que chegou em períodos muito delimitados da minha vida, seja pela questão materna ou uma escrita limítrofe encontrar uma voz, uma reivindicação: a saúde mental pode e deve ser discutida, e por que não na ficção, nas artes? Mas também sobre a mão que escreve às vezes se fragmentar mesmo (e que bom!), formando novas experiências, aumentando a criatividade, e como devemos canalizar essas jornadas bifurcadas. A narrativa fragmentada no “Duplo” também se inspirou nisso. Não queria algo linear, mesmo que com um norte.

Eu fiz uma resenha crítica do "Funeral da baleia" de Lilian Sais, que foi publicada em um dos domínios em que colaboro, a revista Caliban. Tive a honra de ter tido a Lilian como professora de uma oficina por um dia e conhecer mais o seu repertório teórico, mas também de ter tido um sinalizador temático e formal: como devo proceder com o luto?

“Dança para cavalos”, de Ana Estaregui, é uma obra que igualmente pode ser colocada nesses exemplos. Em última hora, pensei: "Por que não poemas sem títulos? Ao menos escolha dois a três só para dar aquele charme, situar quem está lendo. É uma jornada, as páginas e sua escrita estão interligadas. Não são poemas isolados. Tudo tem um significado que depois dá o famoso "estalo", desde palavras e seus sinônimos, localidades e metáforas. Deixe o leitor interpretar como se fosse uma história contínua."


7 - Fora do processo do livro, quais são as suas principais influências literárias? 

Marguerite duras, Denis Johnson, Raduan Nassar, Marcelo Labes, Vilma Arêas, Joseph Conrad e Danielle Magalhães.


8 - Você escreve desde quando? Como começou a escrever?

Desde os quinze anos, mas profissionalmente somente a partir de 2019. 


9 - Como você definiria seu estilo de escrita?

Fronteira de poesia e prosa; sensorial; temas mais densos; tensão/estranhamento.


10 - Como é o seu processo de escrita?

Começo em geral com um procedimento de associação livre, escrita automática, ou seja, o inconsciente. São trechos bem esparsos entre si até tomarem forma. Deixo-me levar pelo momento até incorporar o texto que tenho em mente para o papel. Aproveito o impulso. Não sigo o modelo de um escritor mais "disciplinado", digamos assim. Coloco ordem no caos somente depois.


11 - Você tem algum ritual de preparação para a escrita? Tem alguma meta diária de escrita?

Tento escrever semanalmente, mas sempre motivada por alguma ideia que surge da inspiração. Uma vez estava no hiato do trabalho e comecei a inserir uma continuação de um texto, por exemplo.


12 - Quais são os seus projetos atuais na literatura? O que vem por aí?

Penso em novela ou romance, centralizado em temáticas já abordadas: relações familiares e o consequente luto (especialmente paterno); violência contra mulher; um certo flerte com o horror, mas ainda um drama. Drogas também seriam um terreno comum. O que eu sei é que não será híbrido, será apenas prosa, no máximo uma estrutura mais fragmentada no tempo da narrativa, indo do presente para o passado, passado para o presente etc. Já tenho nomes de algumas personagens, e será situado na cidade do Rio de Janeiro, mas com menções de São Paulo e do Sul do país.









Lorraine Ramos Assis (@catarsesoculares), de 26 anos,  é poeta, resenhista e editora. Foi publicada em diversas revistas/jornais nacionais e estrangeiros, tais como Jornal Cândido, Cult revista, Relevo, Granuja (México) e Incomunidade (Portugal). Colabora para São Paulo Review e Revista Caliban, além de integrar o corpo de poetas do portal Fazia Poesia. Pesquisa sobre a marginalização feminina em obras ficcionais/biográficas. “O duplo refletido” (Folhas de Relva) é seu livro de estreia.