Por uma escrita sem inteligência artificial, crônica de João Gomes da Silva

 por João Gomes da Silva__




Foto: Andrea de Santis




No passado já fui bem mais escritor que hoje. Tinha a coluna não tão ereta mas pronta para ser publicada, não me prendia nas definições do algoritmo. Acho que aceitamos tantos cookies, quando nem sabíamos o que era isto, que perdemos a expressividade. Tudo isso para nos vigiarem e não ser preciso dizer o que queremos. Agora todos somos escritores, porque escrevemos copys para anúncios que nos vendem pagos por nós como o próprio produto. O principal gênero hoje é o da persuasão ou do ataque direto ao outro, dependendo da rede social. Parece que perdemos de vez o encanto, a amabilidade, a ternura pelas coisas simples.


Rememoro textos que escrevi alguns anos atrás e me dou conta de que fui bem melhor no passado, mesmo sabendo que é no hoje onde posso melhorar. Não é ser saudosista de si, afinal o autoconhecimento é bem mais potente que outrora — sem falar no autocuidado, por conta do amadurecimento da mente e do corpo. Mas e se tratando de arte literária? É necessário um estilo próprio, até um repetir de si para se firmar no imaginário. Uma dica: leiamos Manoel de Barros para entender de estilo.


Assim costumo me reler em lembranças, de alguns dias que foram bem significativos, e admiro a minha sagacidade de colocar em palavras o que hoje colocamos em vazios. Consumimos escritos de muitas formas e nem sempre de escritores, está aí a inteligência artificial para redigir qualquer assunto apenas com um comando. Tudo ficou muito simplório e linear, não há ondas neste novo atravessar do tempo. A decadência é sobretudo estética, mas medo não tenho dessa tal inteligência que mais parece (e é) um papagaio que copia tudo que está escrito na web.


Aqui não cabe aquela expressão "vão-se os dedos, ficam os anéis", pois nem com o outro firmamos a comunhão e nem de dedos precisamos mais para escrever. Muitas vezes dito o que escrevo, e acho ser verdade que a escrita traduz a preguiça do nosso pensamento. Mas não deveria ser assim, oras. Achamos que estamos mais rápidos, mas sabemos que será com lentidão que seremos apreciados. Bom, não ficarei só de elogios ao passado, cabe melhorar o futuro da minha escrita, mas como resgatar aquele estilo fino das coisas narradas?


Sinto falta do descanso que dava aos textos, antes de publicar, nem que seja algumas horas em banho-maria. A escrita precisa ser marinada para apurar melhor a riqueza do pensamento. Escrever hoje não é mais algo para si aguardando o outro, já é o fio às vezes em baixa voltagem achando que vai eletrocutar o primeiro que segurar na mão de quem está passando no feed. 







João Gomes da Silva
nasceu no Recife/PE em 1996. Autodidata, é escritor,  poeta e social media. Publicou em algumas antologias, como Granja, Sub-21, Capibaribe vivo, Tente entender o que tento dizer, No entanto: dissonâncias e etc. Edita a revista de literatura e ideias Vida Secreta.