Eu fui no Xororó, crônica de Carlos Monteiro

 por Carlos Monteiro__


                                            
                                                   
                                                    
                                                          
                                                                        
                                                         
                                                      
                                                 
Eu fui no Xororó, beber água e não achei... É isso mesmo que você leu, não há erro de digitação. Fui no Xororó e foi um chororô. Fui em Santa Teresa e aproveitei para dar uma volta no bairro em que nasci.

 

O Xororó era uma fonte, perene, de águas cristalinas que desciam por entre as pedras roladas em meio a mata exuberante da Floresta da Tijuca, do quase Silvestre, numa das curvas da sinuosa Almirante Alexandrino. Está seco, depredado, sujo. Até sua placa indicativa foi arrancada. Está pichado, o gradil enferrujado. Foi um chororô!

 

Tentei a fonte do Silvestre. Não cheguei até ela. Confesso, não me pareceu uma boa ideia. Vi carcaças de carros, que permaneciam abandonados, casas em ruínas... quase um cenário de batalha, Itororó, talvez. Vi, na memória, escorrer por entre os dedos das mãos, os passeios domingueiros que fazia com meu pai até aquele local bucólico, sua fonte, seu córrego, o refrigerante no restaurante que ali havia. Grapette, repetido por algumas vezes durante aquelas manhãs ensolaradas. Pegávamos o bonde ‘bagageiro’. Era mais emocionante subir acompanhados pelas ‘encomendas’ levadas ao bairro que, à época, sequer tinha um supermercado. Verduras e legumes, leiteiro, aves vivas, tripeiro, o padeiro e sua cesta recheada de pães doces, que já íamos degustando pelo caminho recurvado das pequenas ruas e seus trilhos prateados.

 

Curvelo, Largo do Guimarães, Vista Alegre, Largo do França, Dois Irmãos e, finalmente, Silvestre. Lá ia o bonde saracoteando em meio a floresta fascinante. Ontem, vi muitas árvores caídas, deslizamentos, muretas arrebentadas e malcuidadas, lixo por todo lado, casas abandonadas...

 

Parei na Caixa da Mãe D'Água, reservatório do Rio Carioca. Ali pude sorrir novamente avistando a garotada, da comunidade do Guararapes, se esbaldando na ducha que cai sobre as pedras, como curumins tamoios. Uma farra! Como as antigas crianças que habitavam o local, na época da invasão, prestavam uma homenagem ao manancial.

 

No Guimarães, mais cuidado que outros arredores, o armazém da Fatinha virou farmácia, o açougue do Chicão virou um bar(?), a escola virou pousada, mas, o Cine Santa Teresa está lá, firme e forte! Ainda bem!

 

Santa está abandonada. As ruas asfaltadas têm tantos buracos que você faz “a escolha de Sofia” em qual é menos pior cair. Nas que o piso é de paralelepípedos não fica muito diferente, com o agravante que uma das pedras, em forma de cubo, podem, soltas, avariar a lataria do carro.

 

Eu fui ao Xororó, não bebi água, não encontrei a morena que lá deixei, paixão de infância e pré-adolescência. A casa onde morava foi demolida e virou terreno baldio. Costumava vê-la no bairro. Ela não estava lá. Terá voltado para Minas? Minas não há mais... terá mudado? Por onde andará...

 

Eu fui ao Xororó. Foi um chororô…



Carlos Monteiro é fotógrafo, cronista e publicitário desde 1975, tendo trabalhado em alguns dos principais veículos nacionais. Atualmente escreve ‘Fotocrônicas’, misto de ensaio fotográfico e crônicas do cotidiano e vem realizando resenhas fotográficas do efêmero das cidades. Atua como freelancer para diversos veículos nacionais. Tem três fotolivros retratando a Cidade Maravilhosa.