A árvore eletrônica, um conto de Paulo Leitor

 por Paulo Leitor__





Ouro Preto é uma cidade extraordinariamente bonita e muito misteriosa. Existem muitos segredos desnecessários, mantidos por pessoas desconfiadas. Todos acreditam que sejam histórias que podem desmerecer pessoas e famílias inteiras e que, por isso, permanecem veladas. Por isso, à custa de muito sofrimento, as pessoas vão criando uma couraça de indiferença e de antolhos para tudo que é externo, e só se permitem ver o que está imediatamente à frente, o conhecido, pois o resto não interessa, “não é daqui”, e seguem vivendo. 

O mais interessante é que existem pequenos grupos, ocultos ou não, com os mais variados fins e até com rivalidades que só seus membros sabem a razão. Por exemplo, os aficionados da Banda de Música Santa Cecília não querem nem saber dos músicos da Banda do Morro de São João; os devotos de São José não se interessam pela irmandade de Santo Antônio, e todos tocam a vida considerando essas questões como da maior importância.


Existem também sociedades secretas, de poucos membros, que permanecem assim por décadas e se desfazem e se reagrupam de outras formas para discutir de tudo, mas sempre secretamente. Para se ter uma ideia, em uma cidade com pouco mais de 40 mil habitantes (na sede), existem três lojas da maçonaria, quase secretas. 


Outro dia fui convidado para participar de uma dessas sociedades. O amigo que me convidou me explicou que havia uma razão especial para o convite. Ele disse que me daria algumas informações gerais e, se eu me interessasse, todos os membros ficariam felizes com minha participação, já que haviam feito uma votação, e meu nome tinha sido aceito. Eu quis saber, com muito tato para não magoar meu amigo, que tipo de sociedade era, pois não estava interessado em entrar para mais nada complicado nesta vida.


Ele compreendeu meu ponto de vista e disse que o grupo era composto por professores da universidade local, todos eles engenheiros, mestres e com doutorado, alguns com pós-doutorado nas principais universidades da Inglaterra, Alemanha, França, Estados Unidos, Itália e Canadá. 


– Só engenheiros? – eu quis saber. 


– Sim – ele respondeu. – E todos interessados em pesquisa avançada. – E acrescentou rápido:

– Nada de ativismo político e zero de religião. 


“É, assim dá para arriscar”, pensei, mas resolvi me assegurar melhor. 


– Tenho que frequentar sempre? E tenho que contribuir com alguma quantia?


Meu amigo riu e disse que não, eu seria um convidado, mesmo porque nem engenheiro eu sou, e aquela era uma sociedade secreta só de graduados em qualquer das engenharias. Diante disso, aceitei ir, marcamos dia, hora e local. 


A curiosidade estava me provocando, assim, cheguei bem na hora. O local é até conhecido, é a sede de outra entidade pública da cidade, o que me deixou mais tranquilo. E, surpresa! Logo que entrei reconheci quase todos os presentes. Todos me cumprimentaram sorrindo e já me levaram para uma ampla cozinha onde um conhecido preparava alguma coisa para se comer que cheirava bem. Ofereceram-me cerveja, vinho e uma cachacinha. Agradeci. Não queria ficar alterado num lugar desses logo no primeiro dia. Falava-se de tudo e até reatei conversas anteriores com alguns dos participantes, pois já nos conhecíamos de longa data. E ninguém falava nada da sociedade nem explicava a razão de eu estar ali, agoniado.


Depois de quase duas horas de conversas paralelas, comidas e bebidas, por fim, nos reunimos todos na grande sala. Um dos convivas tocou a borda do copo chamando a atenção de todos. As conversas cessaram e todos se sentaram. Eram treze pessoas da sociedade e eu. 


O meu amigo, aquele que me convidou, começou então a falar, dirigindo-se a mim: 


– Acho que você deve conhecer todas as pessoas desta sala e todos já sabem quem é você, e agora vamos lhe explicar por que o convidamos para vir aqui, hoje. Somos todos engenheiros interessados em pesquisa. Além do fato de darmos aulas, e nos ocuparmos dos afazeres da universidade, nos interessamos por estudar e conhecer além do que fomos contratados para fazer, e esse interesse nos reuniu. Há mais de 8 anos, acabamos por nos organizar como uma sociedade para apoiarmos uns aos outros e trocar informações. Encontramo-nos aqui regularmente para discutir nossas descobertas e nos ajudar com informações e contatos de todos os níveis. São várias as linhas de pesquisas que perseguimos e todos participam de tudo como podem. Uma das nossas pesquisas está num momento muito interessante, precisamos discutir e decidir se está na hora de divulgarmos o que descobrimos, ou se devemos esperar um pouco mais. No meio de nossas discussões, surgiu a ideia de mostrarmos essa pesquisa em particular para um leigo bem-intencionado e bem informado, para que, a partir da reação dele e de suas considerações, possamos melhor decidir o que fazer a seguir. Discutimos alguns nomes e o seu acabou por ser um consenso. Queremos lhe pedir que ouça com atenção e faça as perguntas desejadas, a única coisa que alertamos é que não comente nada do que for apresentado aqui hoje até todos estarmos de acordo para divulgar. Podemos contar com sua discrição?


– Sim, podem contar com isso – foi minha resposta imediata. 


E o amigo continuou: 


– Então vou passar a palavra ao nosso irmão Herman que vai lhe explicar do que se trata.

O engenheiro Herman começou por explicar que falaria na linguagem mais simples e da maneira mais coloquial e sucinta possível, sem entrar em detalhes técnicos, pois considerava que estava, ele mesmo, fazendo um treinamento para explicar o trabalho para leigos posteriormente. Se eu tivesse alguma dúvida, deveria interromper e perguntar sem hesitação.


E prosseguiu:


– Há 7 anos, fazendo meu doutorado na Alemanha, eu soube de uma pesquisa desenvolvida naquela universidade envolvendo a análise do solo por eletrodos inseridos na terra. Os dados obtidos eram compilados e enviados para um computador que, de posse de um software, lia e informava a composição daquele solo. Logo que eu voltei para o Brasil, fiquei imaginando por meses o quanto aquilo poderia ser interessante, e fui montando uma ideia. Hoje, aquelas primeiras especulações estão extremamente avançadas, com a ajuda dos mais importantes centros de alta tecnologia do mundo, cada um dando uma pequena contribuição. Montei um projeto modular e fui desenvolvendo cada parte com um centro de pesquisa independente, de tal forma que só eu e a nossa sociedade temos a pesquisa completa. O dinheiro para o desenvolvimento também veio de diferentes fontes e cada uma cooperou com uma parte dos gastos até aqui. E recebeu dados de pesquisa em troca. O que temos hoje em protótipo é o seguinte: um equipamento que consiste numa haste retangular de 1,68 metro de altura, com uma base de 1 metro quadrado. No topo da haste existem 4 hastes, oblongas, uma em cada face do retângulo, cada uma com 33,6 centímetros de comprimento. Todo o comprimento dessas hastes está coberto por minúsculas células fotovoltaicas que captam a luz solar. Dentre essas células existem poros que captam água da chuva, sereno noturno e umidade do ar. O formato oblongo serve para facilitar essas captações. 


“Na parte inferior da base existe uma centena de minúsculos tubos, dotados de sensores, que tem a função de captar os elementos químicos existentes naquele solo. Os dados coletados são levados até um microcomputador existente dentro do corpo da haste. Esse computador é abastecido de energia por baterias especiais que são carregadas pelas células fotovoltaicas. Ele possui também um avançado software que recebe os dados dos sensores, armazena a informação dos elementos contidos no solo e a sua probabilidade de ocorrência.


“Até aqui você deve perceber que se parece com uma configuração conhecida. Todos os colegas aqui resolveram chamar a haste, a contragosto meu, de ‘Árvore Eletrônica’. Ou Eletronic Tree, ou ET. Isso porque ela capta os elementos do solo e os processa em seu corpo para produzir um fruto, como faz uma árvore.


“Mas não ficamos satisfeitos com o resultado até este ponto e resolvemos seguir mais em frente. Eu soube que, na Inglaterra, alguns colegas estavam levantando o genoma de várias plantas, dentre elas a do rabanete. Interessou-me porque é uma planta simples, com altíssima quantidade de água em sua composição. Se plantada em boa terra, a semente germina rapidamente e em 25 dias já se tem um produto para consumo.


“A ideia que tive foi juntar os dois bancos de dados: de um lado, todos os principais elementos químicos existentes no solo, e de outro, a sequência de proteínas necessárias para compor um produto. O desafio foi criar softwares que juntassem, através de Inteligência Artificial, os dois conjuntos de dados, e depois um terceiro software executivo que pudesse construir o produto desejado. Para isso, criamos uma bolsa de produto gelatinoso que, através de um pedúnculo, recebe as proteínas, a água e os sais minerais nas quantidades e na sequência certa.


“O resultado, depois de 3 anos, foi que conseguimos pela primeira vez na história da humanidade criar artificialmente um produto que só a natureza poderia fazer. E, na nossa última experiência, o equipamento levou 63 horas e 17 minutos para fazer um rabanete perfeito, com 5 centímetros de diâmetro e pesando 123 gramas”.


Quando ele acabou de falar eu estava de olhos arregalados, com o coração disparado e percebi os 13 pares de olhos fixamente colocados em mim. Houve um silêncio longo. Eu não sabia o que dizer!


O amigo que havia me convidado para aquela reunião percebeu meu embaraço e quis fazer piada: 


– Veja só, companheiro, daqui a pouco não será mais necessário planta, nem mato para nada, basta colocar uma ET no chão – e riu às gargalhadas. 


Logo, outro comentou: 


– É mesmo, também não será necessário nem minhoca!


E um outro acrescentou: 


– Nem inseto, bichos, será uma plantação limpa, perfeita e rápida.

Despedi-me deles e fui embora. Atordoado. Não parava de pensar “que mundo estranho, não precisaria mais de abelhas nem passarinhos”. Acho que de certas coisas é melhor a gente nem ficar sabendo! Devem permanecer secretas. Será que eu ouvi mesmo aquilo?


Ao chegar em casa, encontrei minha mulher e minha filha e lhes contei tudo de uma vez. Ao terminar, minha mulher comentou: 


– Que coisa fantástica! Você já pensou que, no futuro, ninguém morrerá de fome? Vai ser fácil produzir alimentos limpos, puros... 


Mas minha filha interrompeu, com a veemência própria dos adolescentes: 


– Pai – disse ela, – que absurdo! Essas pessoas têm que ser detidas agora. Você não vê? Árvore eletrônica? Eles ultrapassaram todos os limites! Qualquer dia desses vão inventar o cupim eletrônico!


Tive um acesso de riso!






Paulo Leitor é mineiro, poeta e está envolvido com a literatura há muitos anos. Gosta dos causos mineiros e gosta muito de contar histórias. “Aconteceu em Ouro Preto”, publicado pela Editora Viseu, é o primeiro de uma série que homenageia a cidade de Ouro Preto, patrimônio cultural da humanidade. Atualmente vive em São Paulo e está aposentado, sempre sonhando com as montanhas de Minas e relembrando as incríveis histórias que só os mineiros sabem contar.