A estreia do coração selvagem de Clarice | João Gomes da Silva

 por João Gomes da Silva__







A estreia de Clarice, em 1943, foi como um raio cortando a escuridão de um céu estrelado. Embora por muitos anos tenha sido rotulada como uma "escritora para escritores," sua chegada ao mundo literário foi estonteante, um clarão de originalidade. No Brasil de sua época, havia poucas escritoras, mas nenhuma delas se assemelhava a Clarice. Ela trouxe consigo um estilo introspectivo, personagens repletos de monólogos interiores e uma narrativa que desafiava a linearidade. O tempo cronológico perdia sua importância, cedendo lugar ao tempo da reflexão, da divagação, o tempo do coração.


Mas que coração selvagem é esse? A resposta, talvez, resida na personagem Joana, a encarnação desse coração selvagem, uma figura amoral identificada com a víbora. Ela se movimenta como um predador, sempre à espreita, esperando o momento certo para dar o bote. No entanto, a identificação com o mundo animal que permeia a obra de Clarice possui significados profundos e complexos.


Em primeiro lugar, essa conexão com o mundo animal serve como uma afirmação contra um deus que não nos teria feito "melhores" do que as galinhas, os bois e as víboras. Somos todos animais, todos reagimos ao mundo que nos cerca de acordo com nossos instintos. Podemos reconhecer nossa animalidade compartilhada com essas criaturas aparentemente tão diferentes de nós, afina somos parte da mesma teia da vida, sujeitos às mesmas forças e impulsos.


Além disso, a literatura de Clarice nos faz questionar se reagimos racionalmente a esse mundo. A resposta é um sonoro "não." O que move seus personagens não são lógicas racionais, mas sim as sensações, as emoções, as percepções imediatas. Ela nos leva para um reino pré-teórico, onde a razão cede espaço ao sentir. O tempo é dilatado, estendido, e o que importa não é a rapidez com que as ações acontecem, mas a profundidade com que são experimentadas.


Clarice nos convida a mergulhar em uma experiência literária fenomenológica, onde a realidade se desdobra diante de nós, revelando camadas e camadas de significado. Ela não nos conduz para o racional, para a explicação lógica. Pelo contrário, ela nos encoraja a abraçar a ambiguidade, a incerteza, a complexidade do mundo.


A identificação com a natureza se dá não pela diferença, mas pela semelhança. Somos parte desse mundo, somos animais como todos os outros seres que compartilham conosco este planeta. E, nas palavras de Clarice, somos convidados a sentir, a experienciar, a mergulhar em nosso próprio coração selvagem. Se a literatura pode ser uma lente para ver o mundo de maneira diferente, Clarice nos oferece um espelho para contemplar o nosso próprio coração e a natureza que nos cerca, revelando o selvagem que pulsa em todos nós.





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João Gomes da Silva
 nasceu no Recife/PE em 1996. Autodidata, é escritor, poeta e social media. Publicou em algumas antologias, como Granja, Sub-21, Capibaribe vivo, Tente entender o que tento dizer, No entanto: dissonâncias e etc. Edita a revista de literatura e ideias Vida Secreta.