Com mais de trinta, crônica de Carlos Monteiro

 por Carlos Monteiro__



          O dia amanheceu com um certo ar de mistério, empoderado, maduro, lindo, absolutamente real. Bem capaz de ser uma forma de homenagear Honoré de Balzac. Amanheceu Pasqualizado entre brumas e pássaros.

Alvoreceu balzaquiano, um Le Lys dans la vallée orvalhado. Em busca, quem sabe, das Illusions perdues, ou, talvez, da La Recherche de l'absolu.

O fato é que, para homenageá-lo, a natureza, sutilmente, elegantemente, encantadoramente, tal qual La Femme de trente ans, pediu que viessem as fragatas em seu balé. Já não mais um ensaio, mas a apresentação de estreia. Vieram acompanhadas pelos urubus-rei. Numa coreografia integrativa, bailaram, bailaram, bailaram sobretudo, creio eu, para esquecerem La comédie humaine destes tempos trevosos nos quais vivemos atualmente. Como é cruel bailar assim. 

Com açúcar e muito afeto seguiram bailando pela amplidão. Num instante de ilusão voaram, bailaram na fumaça um mundo novo, fazem um novo mundo na fumaça. 

Os irmãos Valle trautearam na voz de Cláudia: “... Não confie em ninguém com mais de trinta anos / Não confie em ninguém com mais de trinta cruzeiros /O professor – Pasquale – tem mais de trinta conselhos / Mas ele tem mais de trinta, oh mais de trinta / Oh mais de trinta, oh mais de trinta”. 

Foram retrucados por Miltinho em versos de Luiz Antônio: “... No meu olhar, na minha voz / Um novo mundo, sinta! / É bom sonhar, sonhemos nós / Eu e você, Mulher de Trinta / Amanhã, sempre vem! / E o amanhã pode trazer alguém!”

O sol, saiu tímido através da Cumulus. Ensaiou um breve malabarismo nas encostas das montanhas arariboianas, tingiu o céu em tons magenta-alaranjados-doirados e se recolheu.

Não se sabe ao certo se por tantos descalabros que tem assistido, encimado no éter, ou se envergonhado com a beleza sutil e discreta, um breve sussurrar, tão bom perfume da mulher de trinta, de quarenta, de cinquenta, de sessenta...


                                                          
                                                             
                                                           






Carlos Monteir
o
 é fotógrafo, cronista e publicitário desde 1975, tendo trabalhado em alguns dos principais veículos nacionais. Atualmente escreve ‘Fotocrônicas’, misto de ensaio fotográfico e crônicas do cotidiano e vem realizando resenhas fotográficas do efêmero das cidades. Atua como freelancer para diversos veículos nacionais. Tem três fotolivros retratando a Cidade Maravilhosa.