Crônica pro Chico | Marcela Elisa

 por Marcela Elisa__


           
Foto de Joyce Adams na Unsplash
                                                              
       Olhar uma pessoa crescendo na barriga da gente é impressionante, no mínimo. A gente vai fazendo as unhas, as mãos, a gengiva, a língua. Ainda que você seja um cético pragmático e saiba de todas as teorias da evolução das espécies, é impressionante. Chico fez cinco anos no último dia oito, com festa de dinossauro (pela terceira vez), mas desta vez eram apenas os carnívoros e alguns poucos herbívoros. As bexigas, ele escolheu na cor verde e quando comecei a enchê-las no peito, ele arregalou os olhos e desferiu com sorrisinho: “ah, é mais claro do que eu imaginava, mas não tem pobema, é até mais parecido com a mata”. 

Bingo.

A história da decoração da festa também é boa. Eu, professora assalariada e apaixonada, estipulei cem reais para ele comprar o que quisesse e que se relacionasse com enfeites etc. e tal. Ele sacou a cestinha de plástico, vermelha (a cor predileta) e de chinelo de dedos, saiu imponente, sugerindo que começássemos com os kits completos, mas, felizmente, não tinha e ele precisou se arriscar nas próprias escolhas. Comprou bexiga verde, vela vermelha, copinho verde, bala vermelha (“olha, mamãe, é um padrão", ele diria). Saiu da loja com 72 reais gastos e 28 economizados, pois naquela loja já tinha comprado tudo o que queria, precisava ver se outras lojas tinham novidades. 

Em um dos presentes de aniversário (sim, um é da mãe, um do pai, um da avó, e por aí vai…), ele pediu para ir ao zooparque da cidade mais próxima. É claro que ele já tinha ido lá no aniversário do ano passado, mas quem se importa? E a alegria em ver o rinoceronte, os macacos e o lêmure? Pois fomos. Na entrada do parque, a moça do caixa, depois de trezentos reais pagos pelos ingressos, sorriu e nos entregou o mapa. Pedimos dois, ela cedeu. 

Andamos, andamos, andamos. Pelos pássaros, araras, tucanos, emus, gansos e patos. Entramos na exposição dos fósseis dos dinossauros e animais da pré-história, já tínhamos ido, mas você já viu um fóssil de tiranossauro-rex em tamanho original? É de arrepiar! Saímos de lá e bateu a fominha. Piquenique, areia, tirolesa, água, corre-corre. Recolhe tudo e vamos procurar o hipopótamo. O parque é enorme e o sol do meio-dia em 2023, você sabe, 45º de sensação. 

— Mãe — disse carregando a lancheira do primo – no mapa diz que é pa lá e não pa cá.

— Chico, ouve a mamãe, nós vamos guardar as coisas no carro, primeiro, e depois vemos o hipopótamo. 

— Ah, mãe, o que está esquito aqui nesta paca desenhada no mapa?

— Mata Atlântica, Chico. 

— Então a gente tem que chegar até lá e depois virar pa direita - (disse com a mãozinha, apontando para um dos lados).

— Tá bom, meu amor. Vem aqui guardar a lancheira. O sol tá quente, vamos pôr o boné! Beba água. 

Chico, lá pelas tantas, quase desistiu do hipopótamo. Era muito calor. Caetano, o primo, com a resistência de um atleta nato, aceita deitar-se no banco de pedra para descansar um pouco, ainda que pudesse continuar por metros a mais. Com a disposição reencontrado fomos atrás do tigre. Tira foto, lanchonete, banheiro. Hi-po-pó-ta-mo. Como pode um bicho tão grande ficar só com os olhos pra fora d’água? Espanto e decepção: a lanchonete, que deveria estar aberta para nos salvar com algum doce, estava fechada. Sem sorvetes, oh glória! A volta foi um arrasta-chinelo sem fim, mas chegamos no carro. 

Na saída do parque, fomos direto ao posto de gasolina para deliciarmos o açúcar, a lactose, tão gelados, que chega a valer a pena, embora vá me fazer mal, óbvio. Na volta para a casa, os meninos dormem, acabados. Vento na cara. A paz. 

Logo quando amanhece, é o dia. O dia mais desejado. Saio apressada para dar aula, mas olho Chico tão crescido. Na volta da escola, quando o encontro pela primeira vez, ele pergunta com ar de professor: “Mãe, o que tem de diferente em mim? Eu já tenho cinco anos!” 

À tarde, cupcake com as primas. Parabéns, presente. À noite, bolo e cachorro-quente com os outros primos, papai, tios, vô, vó. Parabéns, presente. Escorrega de tigre, bexiga verde, todos os dinossauros carnívoros e alguns herbívoros em cima da mesa do bolo. Chega o Helder, a dinda Sônia e o dindo Rogério, seus grandes amigos, e dá-lhe parabéns de novo. Só tem metade do bolo, mas a animação do Chico é grande. Os olhos também, vendo tudo. 

Passou dias falando do aniversário e ontem mesmo, começou sua lista de convidados para o ano que vem. “A Vivi é a primeira da lista, esqueve pa mim, mãe”. Escrevo, Chico. Escrevo tudo.



Me chamo Marcela Elisa e sou mãe do Francisco, além de escritora, professora na educação básica e pesquisadora da Linguística Aplicada. Atualmente, moro no sul da Bahia e me dedico a ensinar Língua Portuguesa para a comunidade de Taipu de Dentro, enquanto escrevo meu primeiro livro sobre as experiências de ensinar e aprender pelo Brasil afora.  No mais, gosto de tarot, de ir a shows e de suar na corrida.