por Vitor Miranda__
Nos tira pra dançar
tudo anda assim meio triste
tudo andando em vão
tudo que passa é passado
tudo onde está solidão
penso na tarde de outrora
outra se acabando agora
tem horas que tudo demora
demora a noite a passar
passado passa depressa
presente custa a durar
futuro que não tenho pressa
chega tão breve na festa
nos tira pra dançar
a gente que é de lá
em cá já não sabe onde está
tudo que passa é lembrança
futuro também vai passar
A chuva hoje parece distante
da varanda olhava a chuva cair
a chuva caindo me olhava na varanda
caía em mim o doce sentimento
da nostalgia da criança
em que a chuva caía em mim
enquanto tudo eram cirandas
nos quintais o tempo foi passando
os passos se apressaram
os adultos têm medo de chuva
às vezes, têm medo das varandas
Jardim dos desmemoriados
quem dera a fosse encontrar atrás do sol
e a estrada fosse um livro de ficção científica
onde o horizonte fosse algo tangível
quem dera deus existisse e pediria a ele
que o amor fosse eterno e infinito
mas nós morremos cansados no sétimo dia
ou quem sabe na sétima década
hoje adentrei aos jardins dos desmemoriados
encontrei minha avó de fraldas sobre a cama
as feridas de seu corpo imaculado começavam por dentro
deus não tem dó dos idosos
minha avó sorriu sem dentes e eu disse
que belo sorriso, vó
pensei que você não lembrava mais de mim
disse ela tocando meu rosto
a solidão me bateu como a flor que espanca o verso
somos deuses e não temos dó dos idosos
mesmo assim minha avó sorria e deus me disse
sua avó merecia a alegria de lembrar de você
durou pouco mais de quinze segundos e logo depois
deixei minha avó com as sopas do asilo
e outros desmemoriados esperando por um deus cansado
os levarem para algum lugar atrás do sol
O relógio do tempo
um drone se aproxima da estratosfera
e o cimento
respingado
no tijolo
cospe em mim
desaparecido no centro da imagem
me descubro margem
canto linha
nada
a guerra começa e estou no meio
de um poema que não vou terminar
gasto os últimos instantes do mundo
num anseio inútil
precisamos de drones não de poetas
a imortalidade se acaba na morte
do tempo
tudo começou numa estrela e se acabará
em estrelas
farelo do pão levita sobre a mesa
açúcar se espalha no ar
que se espalha em tudo
luto é um sentimento inútil
poetas sonham com a eternidade após a morte
mundo morre antes do último poeta
fim da espécie humana
fim da linha
findo verso
do poema infinito
quando morre uma pessoa, morrem todas