por Argentina Castro__
Ando com dois sorrisos no rosto.
Um é o reserva para ser usado nos dias escassos de felicidade, mas como não sei do amanhã, boto logo os dois no jogo.
Um é na boca e o outro, nos olhos.
Mesmo quando os olhos não podem sorrir, a boca sempre desempenha seu papel. No entanto, os olhos, por sua vez, só podem sorrir quando a boca também o faz. Do contrário, ele é cortante ou altamente indiferente.
Às vezes nem mostro os dentes, sorrio de canto, mas os olhos já devoram o mundo.
Sempre sinto que eles sorriem mais que a boca e chegam primeiro, mesmo quando não mostram os dentes.
Azeviche, são olhos de azeviche.
Meu amuleto, radar, filtro, sal grosso.
Não tem perigo deles não sentirem a energia de quem olha.
Eles sentem e eu rezo.
Mesmo alerta, é um olhar desarmado, que acolhe.
Efusivo!
Sorri como se tivesse dentes.
Gosto que seja assim: abridor de portas do coração.
Meu olhar é bom e bonito. Meu sorriso também.
E neles confio e arrisco.
Meus olhos raramente se enganam.
Neles tem uma flecha de Jurema.
Espelho de Oxum.
São regados com o mar de Yemanjá!
Meus olhos e meu sorriso, quando estão de bem com a vida, não se fecham para ninguém.
Mas quando a vida não tá legal,
os olhos quase não abrem e a boca quase se fecha.
E demoram demais na clausura
Ruminam, como as vacas, o alimento nada doce que a vida dá, num processo lento e longo.
Meus olhos e meu sorriso são dois bichos de grande porte e, ruminantes.
E, por isso mesmo, naturalmente valentes e destemidos!
“O que a vida quer da gente é coragem”* disse meu escritor preferido e, sobre coragem, quando não tenho, eu crio!
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*Citação do romance Grande Sertão: Veredas, escrito pelo autor brasileiro João Guimarães Rosa