Léo Asfora lança no Museu do Estado de Pernambuco o seu livro de poemas Dicionário de Silêncios

 por Mirada__


                                    
                         
Conversamos com o produtor cultural, roteirista e poeta Léo Asfora sobre o seu mais recente trabalho, o livro de poemas "Dicionários de Silêncios" (Mirada, 2023). Nesta entrevista, vamos conhecer um pouco mais sobre sua jornada poética e suas influências. Para o autor a arte é curativa: Digo, em um dos poemas do livro, que “A arte salva a mente de suas próprias trapaças.” Acredito que é por aí.



Leia a entrevista completa:


1 - Como você descreveria o processo de escrita deste livro, desde a sua concepção até a conclusão? Além disso, poderia compartilhar conosco quais foram os principais desafios e inspirações que você encontrou ao longo desse processo criativo?


"Dicionário de Silêncios" é um recorte de três meses da minha produção poética, durante os quais estava imerso na leitura da obra poética completa de Paulo Leminski, em 2018. Os poemas deste livro são inspirados nos Haikais de Leminski. De lá para cá, acrescentei alguns poemas e de um conjunto de 120 poemas, ficaram os quase 70 poemas que o compõe. No processo de seleção, enviei o arquivo para três pessoas amigas do meio literário que listaram os poemas que não gostaram ou que acharam que não cabiam na obra. Confrontei as listas e cortei aqueles que estavam presentes nas três. A partir daí, enviei para minha editora, Taciana Oliveira, que selecionou os poemas que entravam neste livro e os organizou em dois capítulos. Dicionário e Silêncios. O principal desafio na escrita foi dizer muito mais com muito menos. Meu tio Marcelo Peixoto, que também é escritor, sempre me disse que em poesia, menos é mais. Poesia é síntese e a escrita deste livro educou minha forma de escrever nesse sentido.


2 - O título "Dicionário de Silêncios" sugere uma abordagem única para a poesia. Pode nos contar um pouco mais sobre como você interpretou e expressou o conceito de silêncio através de seus versos? Como o silêncio influencia a sua poesia e como isso se reflete na estrutura e no conteúdo de seus poemas?


Costumo dizer que este livro é feito de silenciosas palavras e ruidosos silêncios. Penso que todos carregam silêncios dentro de si que se traduzem em reflexões, questionamentos e sentimentos comuns a muita gente. Emoções que permanecem, muitas vezes represados, gerando uma inquietação, uma angústia que se não for posta para fora de alguma forma adoece, maltrata e enlouquece. Lembro que o mestre Francisco Brennand dizia que, se fosse artista, teria enlouquecido, e comungo desse sentimento ou dessa convicção. Encontrei na poesia o meio para dar vazão a esses silêncios ensurdecedores, que nos meus poemas estão nas entrelinhas, muitas vezes algo tácito, ambíguo, que se insinua nas entrelinhas. Nesse sentido, o não dito diz muito mais do que está explícito, mastigado, do que é entregue de bandeja para o leitor. O leitor jamais pode ser subestimado em sua capacidade de escutar esses silêncios, de forma individual e subjetiva, processá-los e, às vezes, compreender melhor os seus próprios silêncios, devolvendo-os para o mundo de forma que o liberte, alivie e cure. A arte é curativa para mim. Digo, em um dos poemas do livro, que “A arte salva a mente de suas próprias trapaças.” Acredito que é por aí.


3 - Seu trabalho ressignifica o cotidiano e revela suas inquietações de forma corajosa. Você poderia nos contar um pouco mais sobre como suas próprias experiências e emoções influenciam sua poesia?


Minha poesia é essencialmente confessional. Como mencionei anteriormente, através da poesia dou vazão às minhas perturbações e inquietações mentais e emocionais. Hoje, no entanto, consigo escrever poemas mais reflexivos sobre o que está acontecendo no mundo exterior, de forma mais crítica em relação a todas as desigualdades e opressões. Abordo também a alienação que, em muitos casos, permeia o mundo virtual, a pressão para ser quem não sou apenas para agradar aos outros, a criação de personagens e o uso de máscaras que não refletem a realidade. Miró da Muribeca, poeta independente pernambucano que faleceu em 2022 e do qual me tornei um grande amigo, um irmão, costumava dizer que era um cronista antes de ser um poeta. Com Miró, aprendi, entre outras coisas, a sair do meu egocentrismo e enxergar o outro e o mundo ao meu redor com empatia e uma visão mais crítica.


4 - Como você equilibra a necessidade de expressar suas próprias verdades com a capacidade de criar algo que ressoe com uma audiência mais ampla?


Acredito que abordo questões pessoais que são comuns a muitas pessoas. Há um processo de identificação. Às vezes, escrevo um poema falando de mim de forma subjetiva, e alguém que o lê me diz que se identificou tanto com ele que é como se aquela pessoa tivesse escrito. Sinto isso quando ouço alguma canção ou leio algum poema. Penso comigo: "Esse poema diz tudo o que eu quero dizer sobre mim."


5 - Você menciona ter sido inspirado pelos haikais de Paulo Leminski na criação deste livro. Como você adapta essa influência poética em sua métrica própria e no ritmo singular de suas composições? Como você equilibra a tradição poética com sua busca por uma voz autêntica e original?


Veja, nunca estudei forma poética, mas li muito desde muito cedo. O contato com estruturas, linguagens e ritmos de poetas considerados clássicos veio com a leitura dos beatniks e dos poetas da geração de 65 de Pernambuco, assim como com a cena da poesia marginal pernambucana. Dessa forma, fui muito intuitivamente criando minhas próprias estruturas e linguagens. Comecei a escrever regularmente apenas aos 39 anos, renegando minha poesia por muito tempo. Já escrevi poemas curtos com versos livres ou brancos, sem rima, poemas maiores com versos longos rimados de forma mais simétrica, e hoje, escrevo poemas mais curtos, quebrados, enxutos, com mais rimas assimétricas do que simétricas. Priorizo o ritmo que quero dar aos meus poemas, como desejo que eles sejam lidos. "Dicionário de Silêncios" é um recorte de três meses da minha produção, um livro de poemas de um fôlego só, curtíssimos, inspirados principalmente nos haikais de Leminski, entre outros autores.


6 - Além de sua carreira literária, você também é roteirista e produtor cultural. Como essas diferentes formas de expressão artística se entrelaçam em seu trabalho? Você vê alguma influência do cinema ou da produção cultural em sua poesia, e de que forma isso se reflete em "Dicionário de Silêncios"?


Poesia é, acima de tudo, uma experiência sensorial para mim. Já me deparei com poemas que careciam de poesia, enquanto encontrei muita poesia em obras de arte visual, na fotografia de certos filmes, em diálogos, cenas, planos e ângulos. A poesia é o que me comove, me arrebata, eleva meu espírito, e vejo poesia em tudo. Como escreveu Cazuza na canção "Balada do Esplanada": “Há poesia na dor, na flor, no beija-flor / Na dor, na flor, no beija-flor, no elevador”. Minha influência vem muito da observação e da vivência, e principalmente do sentimento profundo.



 

7 - "Dicionário de Silêncios" é dedicado ao poeta Miró da Muribeca. Como a amizade de vocês influenciou a feitura deste livro? A poesia de Miró da Muribeca impactou sua própria jornada poética e o desenvolvimento de seu estilo literário ao longo dos anos?


Conheci Miró em 2016, em uma situação inesperada e inusitada que nos uniu numa luta particular que travamos. A partir daí, nos tornamos amigos e, com o tempo, irmãos de verso e de vida. Escrevemos juntos, ouvimos muita MPB de qualidade (Miró adorava Djavan) e vendemos muitos livros juntos. Miró, que se definia como um cronista antes de ser um poeta, conseguiu captar o sentimento cotidiano das ruas de Recife, impactando a cena cultural da cidade, do centro à periferia, com sua poesia lírica e ácida, singela e crítica, sempre com muita espirituosidade. Suas performances eram vibrantes e poderosas, arrancando risos, lágrimas e merecidos aplausos do público. Embora eu não seja um performer, foi Miró quem me estimulou a me expor através das tímidas leituras poéticas que faço em vídeos que compartilho semanalmente nas redes sociais. Além de poeta, Miró era um excelente contador de histórias, em sua maioria autobiográficas, com a rara capacidade de rir de si mesmo, muitas vezes convertendo situações trágicas em piadas, me arrancando muitos sorrisos, risos e gargalhadas. Vivemos muitas histórias juntos ao longo dos seus últimos 6 anos de vida, na saúde e na doença, e vencemos a morte, pois estamos sempre juntos em espírito e na sua poesia, que ecoa tão viva dentro de mim. Sempre que falo de Miró, um turbilhão de lembranças me invadem, emocionando-me bastante. Miró me ensinou que a poesia é vocação, ofício e vício, e, acima de tudo, um sacerdócio, para aqueles que vivem dela e para ela, como ele viveu, até seu último suspiro.


8 - "Dicionário de Silêncios" antecipa um novo livro a ser lançado em 2025, marcando uma nova fase em sua carreira literária. Poderia nos dar uma prévia do que podemos esperar desse próximo trabalho? Como você vê sua evolução como poeta ao longo desses projetos e quais são suas aspirações para o futuro de sua carreira literária?


Hoje, escrevo poemas mais curtos, quebrados, enxutos, com mais rimas assimétricas do que simétricas, priorizando o ritmo que quero dar aos meus poemas e como desejo que eles sejam lidos. Pretendo organizar os poemas escritos entre 2019 e 2022 e guardá-los na gaveta. Quero publicar o que escrevi a partir de 2023 e o que vier daqui para frente.










Léo Asfora, 1974, Recife–PE – Poeta, roteirista e produtor cultural. Publicou os livros Além das palavras (Editora CEL, 2016), "Inventário da Loucura" (Editora Coqueiro,2017) e À última vista (Editora Coqueiro, 2021). Dicionário de silêncios é seu quarto livro de poesia. Contato: leoasfora@yahoo.com.br