Pavor, poema de Silvana Guimarães

 por Silvana Guimarães__



            
pavor   


pavor de bombas que caem do céu como estrelas venenosas   

pavor de correr entre elas as estrelas   

pavor de prédios que se desmoronam pedra sobre pedra   

pavor de ser atingida por elas as pedras   

pavor de não acabar a faculdade   

pavor da morte por inanição   

pavor de ser atropelada a surpresa o susto a dor   

pavor de perfurar o tímpano   

pavor da morte prematura sob tortura   

pavor de nunca mais beijar a sua boca   

pavor de ser metralhada na fila do feijão   

pavor de harmonia facial boca de pato   

pavor de não amar ao próximo   

pavor de ser o próximo   

pavor de dormir pavor de acordar   

pavor de não sentir de novo suas mãos nos meus cabelos   

pavor de ver vidas explodirem na tevê em cores como um super gaza bros   

pavor da indiferença do mundo: até quando?   

pavor da cegueira [conveniente] do mundo: até quandos?   

pavor da ganância dos genocidas: até quantos?   

pavor de perder a memória os olhos os dentes os dedos   

pavor de sentir pavor   

pavor desta vida   

pavor de morrer à toa baldadamente   

pavor desta vida   

já disse?   



[à moda de raymond carver, em "medo"]


*Imagem vencedora do prêmio Fotografia do Ano no concurso World Press Photo 2024 captura Inas Abu Maamar, uma palestiniana de 36 anos, segurando nos braços o corpo de sua sobrinha Saly, de cinco anos. Saly foi uma das vítimas fatais, juntamente com outros membros de sua família, quando um míssil israelense atingiu sua residência.




Silvana Guimarães é escritora, nascida em Belo Horizonte/MG, onde vive. Formada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais, foi pianista e especialista em transporte público. Editora da Germina — Revista de Literatura & Arte [www.germinaliteratura.com.br/revista.htm] e do coletivo Escritoras Suicidas [www.escritorassuicidas.com.br]. Revisou e organizou incontáveis livros de poesia alheios. Participou de várias antologias poéticas nacionais e estrangeiras. O corpo inútil (2022) é o seu primeiro livro de poesia. Provavelmente, o único.