O poeta Charles Baudelaire e o poema Albatroz e sua Perspectivas

 por João Pedro Teles Auzier__



Baudelaire, par Gustave Courbet 
                                                   
O POETA CHARLES BAUDELAIRE E O POEMA “ALBATROZ” E SUAS PERSPECTIVAS


RESUMO


Charles Baudelaire foi um poeta e teórico da arte francês. É considerado um dos pioneiros do Simbolismo e é reconhecido internacionalmente. A movimento simbolista surgiu em oposição ao Realismo e ao Naturalismo, os dois primeiros movimentos literários, com a difusão dos poemas do livro "Flores do Mal", de Charles Baudelaire. Após a difusão dos poemas em 1857, vários autores se apropriaram da ideologia e do estilo de Charles Baudelaire, estes por sua vez foram nomeados os decadentistas. Baudelaire, além de ser aparentemente o precursor de todos os grandes poetas simbolistas, é considerado pela maioria dos críticos o mais provável fundador da chamada poesia moderna. No poema “O Albatroz”, Baudelaire compara simbolicamente a figura do albatroz à do poeta, distinguindo-os e equiparando-os à inteligência e à sensibilidade, atributos que ao mesmo tempo lhes conferem a qualidade e a distinção que os causam acanhamento no seu próprio entorno. Baudelaire fala que o poeta é o prisioneiro inconsciente de sua obra, um belo e orgulhoso pássaro enjaulado. Por fim, Charles Baudelaire foi um dos mais importantes artistas da modernidade, ele conta em suas obras literárias sobre a morte, a desordem, a decadência e outros termos que possam ser desagradáveis ou repulsivos relacionados à humanidade.



Palavras-chave: Charles Baudelaire, Simbolismo, Albatroz, Poema



ABSTRACT


Charles Baudelaire was a French poet and art theorist. He is considered one of the pioneers of Symbolism and is recognized internationally. The symbolist movement emerged in opposition to Realism and Naturalism, the first two literary movements, with the spread of poems from the book "Flores do Mal", by Charles Baudelaire. After the publication of the poems in 1857, several authors appropriated the ideology and style of Charles Baudelaire, these in turn were named the decadentists. Baudelaire, in addition to being apparently the forerunner of all the great Symbolist poets, is considered by most critics to be the most likely founder of so-called modern poetry. In the poem “The Albatross”, Baudelaire symbolically compares the figure of the albatross to the poet, distinguishing them and equating them with intelligence and sensitivity, attributes that at the same time give them the quality and distinction that cause them shyness in their own surroundings. . Baudelaire says that the poet is the unconscious prisoner of his work, a beautiful and proud caged bird. Finally, Charles Baudelaire was one of the most important artists of modernity, he tells in his literary works about death, disorder, decay and other terms that can be offered or repulsive related to humanity.


Keywords: Charles Baudelaire, Symbolism, Albatross, Poem




  1. INTRODUÇÃO

Charles Baudelaire (1821-1867) foi um poeta e teórico da arte francês. É considerado um dos pioneiros do Simbolismo e é reconhecido internacionalmente, juntamente com o poeta americano Walt Whitman, como o fundador da tradição poética moderna, apesar da sua associação a diversas escolas artísticas. Seu trabalho teórico também influenciou profundamente as artes plásticas do século XIX.

Em 1857 publicou aquela que é considerada sua obra-prima, As Flores do Mal, uma coletânea de mais de 100 poemas. No mesmo ano, o autor do livro foi acusado de violar a moral pública por um tribunal francês, o livro publicado foi confiscado, o autor foi multado em 300 francos e o editor foi multado em 100 francos. Porém, essa censura se deve ao fato de haver apenas seis poemas no livro a serem considerados inapropriados. Baudelaire aceitou a frase e escreveu seis novos poemas que, segundo ele, eram mais belos que os poemas censurados. Mesmo depois disso, Baudelaire tentou entrar na Academia de Francesa, talvez para restaurar a sua imagem aos olhos da família ou aos olhos do público (REZENDE; LIMA, 2012).

O advento de Baudelaire, que marcou as décadas finais do século XIX, influenciou a poesia internacional com tendências simbolistas. Das suas obras derivam a abordagem não convencional de Rimbaud e Lautréamont, a musicalidade de Verlaine, o intelectualismo de Mallarmé, a ironia de Corbière e Laforgue. Quase todos os críticos modernos concordam que Baudelaire inventou uma nova estratégia linguística. Sua poesia foi a primeira a incorporar o material da realidade grotesca na linguagem sublime do Romantismo. Nesse sentido, Baudelaire criou a poesia moderna, dotando todo o direito de receber tratamento poético (OLIVEIRA, 2014).

Poetas da modernidade encontravam na experiência em captar “aparições casuais nas ruas” (COLI, 2005, p. 295). Baudelaire, além de ser aparentemente o precursor de todos os grandes poetas simbolistas, é considerado pela maioria dos críticos o mais provável fundador da chamada poesia moderna. Com As Flores do Mal estabeleceu pela primeira vez uma fronteira entre o comercial e a vanguarda, criando um espaço para os editores se corresponderem com os escritores. 

Baudelaire é um poeta alegórico, um poeta bom em acumular metáforas e um poeta que usa a historicidade dos materiais da linguagem como ferramenta para obras poéticas, o que está realmente à frente do tempo. É um poeta que coloca pequenos saltos, pequenas tensões até na estrutura dos versos tradicionais, criando interessantes efeitos rítmicos. Mas ele também é um poeta de poesia em prosa, e a poesia em prosa é uma pequena narrativa, que apenas enfatiza a relação entre poesia e prosa (BRANCO, 2017).

A escrita poética de Baudelaire está relacionada com a missão. Ele vislumbra espaços vazios onde insere poemas. A sua obra não só se permite ser histórica como as outras, mas também o é intencionalmente e é entendida como histórica (BENJAMIN, 1989). Baudelaire tornou-se uma poderosa referência no mundo da arte, por exemplo poetas como Mallarmé e Valéry o leram. Os simbolistas franceses tomaram Baudelaire como símbolo. Mais tarde ele também foi lido. No Brasil se pode encontrar alguns traços da sua influência nas obras de Ana Cristina César, que tal como Baudelaire, dirigiu-se aos seus leitores de uma forma provocativa.

Por fim, Baudelaire coloca-se no limiar da sociedade e sabe analisar e explicar a sociedade. É provocativo ao mostrar a degradação causada pela modernidade, entre outras coisas: demonstra riqueza estética ao conseguir combinar degradação com imagens de beleza. Baudelaire descreveu uma época sem esperança, uma época em que a liberdade não poderia ser restabelecida, e uma tentativa de restabelecê-la foi acompanhada de dor.

O trabalho se trata de uma pesquisa bibliográfica. A pesquisa bibliográfica abrange toda a bibliografia publicada relacionada ao tema de estudo, incluindo publicações individuais, boletins, jornais, revistas, livros, estudos, monografias, teses, artigos científicos, impressos ou eletrônicos e entre outros. Seu objetivo é dar aos pesquisadores acesso direto a todos os escritos, discursos ou vídeos sobre um determinado tema (MARCONI; LAKATOS, 2017).

O objetivo do trabalho é apresentar o poeta Charles Baudelaire e o poema “albatroz” e suas perspectivas.


  1. VIDA E OBRA DE CHARLES BAUDELAIRE

Charles-Pierre Baudelaire nasceu em Paris em 9 de abril de 1821. Filho rebelde e talentoso de Joseph François Baudelaire e Caroline Archimbaut-Dufays, perdeu o pai aos seis anos. Pouco mais de um ano depois, sua mãe casou-se com Jacques Aupick, um soldado considerado de "caráter rígido" e "espírito restrito", e a família mudou-se para Lyon.

Crescendo num ambiente que cultivava o gosto artístico, desenvolveu um forte interesse pela arte, especialmente pela pintura, à qual foi exposto desde cedo ao ver o pai pintar, rodeado de artistas como Bassano, Poussin, Velasquez e etc. Na verdade, Baudelaire não era apenas apaixonado pela literatura e pela pintura, mas também pela própria arte, por todos os tipos de arte como por exemplo música, teatro e entre outros (SILVA, 2022).

Sua família de alto nível socioeconômico proporcionou-lhe uma boa educação, mas nem sempre foi aproveitada pelo rebelde e excêntrico Baudelaire, que mais tarde foi expulso da escola por violar as regras, este foi um acontecimento marcante na sua vida, pois privou-o da educação formal. Em 1841, para salvar o enteado da libertinagem, Aupick o envio em viagem à Índia, o que estimulou muito sua imaginação e trouxe sabores exóticos às suas obras.

Por volta de 1836, o jovem poeta mudou-se para Paris e viveu no Quartier Latin, famoso bairro onde se concentravam boêmios e intelectuais. A idade adulta de Baudelaire também lhe permitiu herdar o dinheiro de seu pai. Por dois anos ele viveu de drogas e álcool e acabou sendo vítima de agiotas e bandidos. Nesse período acumulou as dívidas que o atormentaram ao longo da vida, e foi nesse mesmo período que Baudelaire conheceu algumas de suas grandes paixões, como a atriz Jeanne Duval e a cortesã Apollonie Sabatier (SENE, 2012).

Baudelaire teve um caso com Sabatier e ele escreveu muitos poemas expressando sua gratidão, mas depois que a paixão esfriou, ele teve apenas um relacionamento formal com ela. A influência dessas mulheres em Baudelaire é muito evidente em seus poemas de amor e eróticos. Nessa época, fez amizade com diversos escritores da época, como Nehval, Balzac, Gautier e Banville, e passou a frequentar o famoso " Club dês Hashishins” grupo de fumantes de haxixe.

Em setembro de 1844, sua família entrou com uma ação para impedi-lo de ter acesso ao pouco que restava de seu patrimônio. Baudelaire perdeu e acabou recebendo pagamentos anuais, que mal davam para manter seu estilo de vida e muito menos para pagar o que lhe era devido. Isso leva à sua dependência brutal da mãe e ao ódio pelo padrasto. Seu temperamento isolacionista e desesperado, fruto de sua adolescência conturbada, voltou, e com frequência cada vez maior.

Há também vozes dissidentes entre amigos e estudiosos de que Baudelaire e seu padrasto nunca chegariam a um acordo devido ao antagonismo de espírito e de ideias. Ele então desenvolveu uma profunda aversão por seu padrasto militar, que decidiu indisciplinar o rebelde Baudelaire. Os críticos dizem que a aversão é gratuita, mas cresce a cada ano à medida que o padrasto começa a controlar os gastos (SENE, 2012).

Com o passar do tempo, Baudelaire ficou cada vez mais desesperado. Em 1845, ele tentou o suicídio, embora o tenha feito mais para chamar a atenção da mãe e do padrasto. Eles perguntaram para o poeta sobre a possibilidade de voltar a Paris para morar com eles, mas Baudelaire preferiu continuar morando longe dos pais. Em 1847, publicou uma obra autobiográfica. Ele participou, mas desempenhou um papel relativamente menor, no levante de 1848, ajudando a publicar alguns jornais de protesto radical.

Nos meses que se seguiram, a vida de Baudelaire foi marcada por uma série de decepções. Seus amigos o dissuadiram de se candidatar a uma vaga na Academia Francesa de Letras, que ele esperava ajudar a impulsionar sua carreira de escritor. Devido à crise financeira, não conseguiu ajudar o editor Poulet-Malassis, que acabou preso por dívidas não pagas. Além disso, ele descobre que sua amada Jeanne Duval, morava com outro amante há meses, na qual ela dizia a Baudelaire ser apenas seu irmão. Em 1862, pela primeira vez, começou a queixar-se de dores de cabeça, náuseas, tonturas e pesadelos. Todos esses acontecimentos devastadores, combinados com problemas de saúde decorrentes da sífilis que contraiu ainda na juventude, fizeram Baudelaire sentir que estava enlouquecendo (BRANDÃO, 2017).

Baudelaire frequentemente retratava temas sombrios e perturbadores, como morte, vício, depressão e a dor da existência humana. No entanto, ele fazia isso de uma forma altamente estética, criando imagens poéticas e atmosferas evocativas. A sua poesia é conhecida pelo seu imaginário vívido e sugestivo, capaz de evocar sentimentos e emoções fortes (OLIVEIRA, 2017). As principais obras de Baudelaire são:  La Fanfarlo de 1847; A arte romântica de 1852; As flores do mal de 1857; Os Paraísos Artificiais de 1860; Pequenos poemas em prosa de 1862; O pintor da vida moderna de 1863; Miudezas de 1866; Diários íntimos de 1887; Meu coração a nu de 1897.

“As Flores do Mal” é a principal obra do poeta porque deu início ao simbolismo europeu, ela foi escrita quando Charles Baudelaire tinha cerca de 20 anos. Após a publicação, foi censurado porque, segundo o público, os poemas seguintes violavam a moral e os bons costumes. O livro foi inicialmente insatisfatório, devido os leitores franceses e os críticos profissionais ainda estarem associados ao Romantismo. Portanto, eles não conseguiram apreciar os 166 poemas da única coleção de poemas de Baudelaire.

Outra característica importante do trabalho de Baudelaire é a exploração da dualidade. A sua poesia explorava frequentemente a tensão entre forças opostas, como o amor e o ódio, o prazer e a dor, a beleza e a feiura e etc. Essa tensão confere ao seu trabalho uma grande profundidade emocional. O trabalho de Baudelaire é fortemente sensual, muitas vezes preocupado com sensações e experiências corporais. Sua poesia costuma usar imagens sensuais para explorar temas como desejo, beleza e a natureza fugaz do prazer. 

A poesia de Baudelaire está associada ao Simbolismo Francês, caracterizando-se assim, além da valorização do inconsciente, pela presença de elementos místicos. Assim, ao desconfiar das realidades concretas imperfeitas, o eu lírico procura implicar a existência de uma realidade ideal, que só pode ser alcançada através da poesia. Assim, predominam elementos vagos, imperceptíveis e principalmente sinestésicos. Segundo a estética simbolista, o leitor só consegue atingir o “plano das essências” através do sentimento. Assim, os poetas dão ênfase à métrica e à rima, responsáveis ​​por produzir a musicalidade da poesia (BRANDÃO, 2017).

A vida de Baudelaire foi marcada por traços de rebeldia e licenciosidade, que também permearam sua poesia, por vezes incompreendida por seus contemporâneos e até censurada e condenada.  Ao longo de sua vida adulta, Charles Baudelaire enfrentou problemas financeiros. Assim, em 1864, ele tentou ganhar dinheiro dando palestras em Bruxelas, na Bélgica. Por fim, permaneceu naquele país até 1866, quando sofreu um derrame que o deixou paralisado e com dificuldade de comunicação verbal, assim, retornou então à França, onde faleceu em Paris em 31 de agosto de 1867.


  1. OS PRINCIPAIS ASPECTOS DAS OBRAS DE CHARLES BAUDELAIRE

Na primeira metade do século XIX, Paris tornou-se o centro do império colonial durante o processo de industrialização, um grande número de trabalhadores se mudou para a cidade em busca de trabalho, e foram esses trabalhadores que alimentaram a luta de classes da época. Estas lutas continuaram até à fundação da Comuna em 1871 e forneceram alimento tanto para socialistas utópicos como para materialistas como Marx e Engels. No entanto, estes trabalhadores e toda a propaganda socialista não foram suficientes para quebrar a política defendida pela burguesia, que expandia a cada dia a sua esfera de influência.

Nas fábricas, os trabalhadores foram forçados a acompanhar a máquina a vapor, que deu um grande impulso à indústria têxtil. Criada por Thomas Newcomen em 1711 e aperfeiçoado por James Watt em 1760, ela colaborava com a possibilidade de se instalar moinhos em outros locais afastados da margem do rio, o que anteriormente não era possível, pois o funcionamento do moinho dependia de energia hidráulica. A mecanização da produção, o advento das primeiras máquinas, as fontes energéticas do carvão e do ferro, a revolução agrícola como a fertilização, novos métodos de cultivo em vez do sistema de rotação utilizado desde a Idade Média, são algumas das principais características das mudanças tecnológicas e econômicas que ocorreram na Europa no final do século XVIII, a chamada Revolução Industrial (LIMA; OLIVEIRA NETO, 2017).

É dentro da comunidade, e não apenas no momento em que se viveu um conflito, que o figura do herói para Baudelaire surge. Seu ídolo é o trabalhador assalariado em fábricas, é o trapezista, a prostituta, o artista, e é o núcleo da modernidade. Para ele, o que o trabalhador assalariado faz no trabalho diário não é menos do que a antiga tradição de dar gloria e aplausos ao lutador, o que significa que para ser moderno, é preciso ter uma constituição heroica. E assim descreveu a ambientação no qual o herói é destaque:


Não importa o partido a que se pertença – escreve Baudelaire em 1851 – é impossível não ficar emocionado com o espetáculo dessa multidão doentia, que traga a poeira das fábricas, inspira partículas de algodão, que se deixa penetrar pelo alvaide, pelo mercúrio e todos os venenos usados na fabricação de obras-primas... Essa multidão se consome pelas maravilhas, as quais, não obstante, a Terra lhe deve. Sente borbulhar em suas veias um sangue púrpuro e lança um olhar demorado e carregado de tristeza à luz do Sol e às sombras dos grandes parques (BAUDELAIRE, 1931-1932:637).


Para dizer a verdade, Paris não era a capital do único império colonial que se estendia, bem próximo, em Londres, estava a capital de um império, o poderoso império britânico. A partir de 1866, depois de um incêndio em Londres, a cidade foi também reformada. Entretanto, nesta cidade, não se encontra um poeta que se enquadre na mesma categoria de Baudelaire. Se tem Dickens que é, no máximo, seu parente na literatura. Pois, Dickens utilizava os folhetins, uma outra forma de expressar suas emoções através da literatura, mantendo, no entanto, uma recepção geral, já que possuía um bom índice de vendas (LIMA, 1980).

Sob a direção de um governo autoritário, que Baudelaire procurou expressar em sua obra poética: apenas a figura da alegoria poderia explicar tal história, ele não desejava ser igual ao folhetinista, que conta as histórias de modo consecutivo e nem igual ao romancista, que narra as amorosas de modo impossível. Portanto, restava-lhe apenas ser um poeta lírico, uma letra que se recusava a ser quebrada. Para Gagnebin (1993), num mundo onde as leis do mercado governam a vida de todos, não existe mais um sujeito soberano, mesmo aqueles que parecem escapar dele: Poeta.

Baudelaire toma uma rota alternativa: ele toma a da “porta estreita”. A ambiguidade, a ironia e a crítica violenta presentes na obra do poeta da França o diferenciou de seus colegas, ao contrário deles que preferem folhetins, Baudelaire preferiu escreve poesia (LIMA, 1980). Baudelaire via a desaprovação da vida real, que é manifestada na facilidade com que a vida moderna se desvanece, na publicidade e no amor às mercadorias. O escritor associa estes componentes a um símbolo mais antigo da decadência, que é o “esqueleto” ou o “cadáver”. 

Conforme Benjamin (1989), a modernidade acaba tendo um papel que talvez só o próprio Baudelaire possa ter desempenhado. No fundo, ele nem mesmo era um herói. Mas era um pouco como Cabotino, que devia fazer o papel de “poeta” diante do público e da sociedade, que não precisa mais de um poeta de verdade e apenas lhe dá espaço para ser Cabotino.

No novo cenário urbano, as pessoas enfrentavam frustrações e violência, todas vivenciam experiências chocantes. Baudelaire não escondia esses choques, a sua arte era fiel à violência da vida, para ele a arte tinha que ser “chocante”, precisava ser chamada pelo seu nome. Ele também não ignorou as mudanças socioculturais e os padrões de comportamento, como o homem moderno enfrentando um quadro de referência frágil que o torna vulnerável aos múltiplos choques que marcam a existência.

Nesse entendimento, Benjamin (1989), fala que outra forma de resistência de Baudelaire à modernidade foi o que ele chamou de “experiência de choque”. No cerne de sua obra, imagens chocantes estão intimamente relacionadas ao contato com as massas urbanas. Andar na rua, gesticular no meio da multidão e o trânsito caótico, esses fenômenos comuns na metrópole significam uma série de choques e colisões físicas e psicológicas para todos. Baudelaire aborda em suas obras o homem que salta no meio da multidão como se estivesse pulando em uma caixa elétrica e descreve a experiência chocante como “um caleidoscópio dotado de consciência”.

Assim, se Baudelaire previu a importância de algumas temáticas para a posteridade, o que o ajudou a fazer isso não foi apenas a compreensão e a projeção do que está ocorrendo no presente. De suas criações, o autor foi além: ele ajudou a criar o imaginário presente sobre a comunidade de Paris do século XIX. Além disso, ele não apenas entendeu a época em que viveu, como também a protegeu, deixando para trás textos que podem, hoje, ser lidos por todos.


  1. CONTEXTO HISTÓRICO DO SIMBOLISMO 

O simbolismo surgiu na Europa durante o segundo período do século XIX, mais especificamente na França, cerca de 1880. Na época que nasceu, o mundo estava enfrentando uma grande transformação na sociedade, na economia e na cultura. O crescimento do sistema capitalista, a consolidação das indústrias, a alta da burguesia e a corrida para novos territórios e mercados, como a África, modificaram significativamente a comunidade. 

Na visão de Gomes (1994), essa época é aparentada com o aumento da produção e do consumo de bens manufaturados, e o homem criando a impressão de que o mundo se tornou mais pequeno devido à facilidade de locomoção.  O fruto de tal obsessão é uma grande euforia, aliada à certeza de que o homem é onipotente, quase exclusivamente guiada pela razão.

Todavia, no meio dessa conjuntura, o gênero de pensamento que prevalecia era o cientificismo, uma influência do movimento positivista. Esta linha de pensamento era muito lógica e racional, pretendia compreender e explicar a realidade de forma objetiva, priorizando a ciência sobre as teorias metafísicas e a espiritualidade. Entretanto, esta foi a forma de pensar mais rejeitada por um grande número de indivíduos, particularmente aqueles que não tinham as benesses do capitalismo. 

Assim, o simbolismo foi um movimento parisiense, nele a arte deixava de ser nacional, mas pressuposta pela cultura ocidental. A sua principal preocupação era o problema atemporal, não sectário, não geográfico e irracional da condição humana: o confronto entre as forças da morte e da vida do homem através da preservação da emoção humana na forma de arte (BALAKIAN, 1985). 

Corroborando com tal pensamento, Marques (2004), fala que o simbolismo leva a arte ao extremo da abstração idealista, de tal forma que as próprias palavras seriam privadas de seu poder de comunicar e representar diretamente a realidade, e em vez disso assumiriam qualidades como símbolos de verdades etéreas e incompreensíveis da consciência e da lógica.

A movimento simbolista surgiu em oposição ao Realismo e ao Naturalismo, os dois primeiros movimentos literários, com a difusão dos poemas do livro "Flores do Mal", de Charles Baudelaire, que é considerado o precursor da teoria simbolista. Após a difusão dos poemas em 1857, vários autores se apropriaram da ideologia e do estilo de Charles Baudelaire, estes por sua vez foram nomeados os decadentistas.  Esta foi uma tendência que se baseou na oposição às características objetivas de movimentos como o Parnasianismo, bem como nos conceitos de cientificidade e materialismo.

Os principais elementos simbolistas são a busca por liberdade poética, pois os escritores escolheram uma forma de escrita mais livre e desmedida; sonoridade já que a poética simbolista é fortemente marcada por sua musicalidade, o que proporciona uma forma de expressão com base no ritmo e na voz; subjetividade porque os poemas desse período foram escritos com base no drama do eu lírico, o que torna a obra muito subjetiva e íntima; símbolos como o nome sugere, os autores simbolistas utilizam muitos símbolos em sua escrita. Isto favorecia uma linguagem mais geral e abstrata, repleta de jargões escapistas; transcendência pois as marcas desta tendência literária é a presença de objetos transcendentes e interessantes. As obras estão envoltas em um ambiente etéreo, metafísico e cósmico; poesia visual porque as palavras são organizadas de maneira comum para formar imagens interessantes que complementam a escrita; por fim, a sinestesia que é um dispositivo retórico que consiste em uma mistura dos cinco sentidos (FARIAS, 2017).

Já no Brasil, o simbolismo surgiu após a fundação da República e a abolição da escravidão. A sua emergência reflete os males crescentes da civilização industrial. Além disso, é um representante de moda importado da França, voltado aos segmentos instruídos da sociedade brasileira. Diante disso, vale ressaltar que não houve diálogo direto entre o Simbolismo e as questões sociais brasileiras, mas o movimento influenciou indiretamente alguns padrões sociais. 

Com o passar do tempo, as distinções se alteram, a atenção se desloca para outros tópicos, os valores se alteram, as idéias se renovam, as questões se ampliam e se voltam para os problemas mais importantes para o momento. Nem todos os pensadores importantes do passado continuaram a dialogar sobre as questões do presente.  Duchamp (2004), fala que se tem conhecimento que os sobreviventes continuaram a ser sujeitos com potencias ativas dos pensamentos no qual vem sondo construído. Portanto, ainda é possível encontrar nas entrelinhas do passado relações que têm a ver com os problemas atuais.



  1. NA ANALISE DO POEMA “ALBATROZ”

No poema “O Albatroz”, Baudelaire compara simbolicamente a figura do albatroz à do poeta, distinguindo-os e equiparando-os à inteligência e à sensibilidade, atributos que ao mesmo tempo lhes conferem a qualidade e a distinção que os causam acanhamento no seu próprio entorno. Baudelaire fala que o poeta é o prisioneiro inconsciente de sua obra, um belo e orgulhoso pássaro enjaulado. As “asas” do herói lírico impedem-no de descer à Terra e ser aceito por uma sociedade distante de suas visões filosóficas, sobrenaturais e altamente organizadas, livre de fardos materiais.


Antes tão belo, como é feio na desgraça

Esse viajante agora flácido e acanhado!

Um, com o cachimbo, lhe enche o bico de fumaça,

Outro, a coxear, imita o enfermo outrora alado.

O Poeta se compara ao príncipe da altura

Que enfrenta os vendavais e ri da seta no ar;

Exilado no chão, em meio à turba obscura,

As asas de gigante impedem-no de andar

(BAUDELAIRE, 1859, p. 27).


Aqui, o albatroz, grande ave que viaja com os marinheiros, representa a dualidade da humanidade, pois suas grandes asas dificultam a locomoção, dificultando muito o caminhar no chão. No chão, ele é ridicularizado pelos marinheiros por sua feiúra e falta de jeito. À medida que o pássaro voa pelo céu, atinge grandes alturas e hipnotiza a todos, sendo a mesma coisa que acontece com os poetas. Poeta é um sujeito que se sente deslocado no seu ambiente, porque embora seja admirado como artista, não é valorizado como individuo comum, porque é um homem em estado de contemplação perpétua diferente dos outros.

No poema, nada sugere que os marinheiros tivessem um respeito valioso pela ave, sendo apontada como inconivente. Um breve resumo de como pássaros gigantes muito semelhantes ao poeta foram tratados por seus respectivos marinheiros ilumina a vasta e mutável paisagem cultural que o poeta deve modificar. A não reverência, a excitação e a espiritualidade antiquada que caracterizaram o final da década de 1780, mas a apatia, o tédio apático e os palavrões que produziram albatrozes, que costumavam ser “atraentes” e devidamente reverenciados.

A interpretação do poeta do albatroz é que ele é um pássaro estúpido devido ao deslocamento do ambiente adequado ao albatroz, o céu é a sua casa e o ambiente em que ele pode ser um pássaro incrível, e o solo logo perde qualquer traço positivo, qualquer qualidade de excelência, são todos transformados em animais feios e chatos. Baudelaire comenta um fato que se pode verificar em seu poema é que o albatroz, pela sua falta de jeito, provoca até piadas cruéis dos marinheiros, e o poeta em estado de perpétua concentração, voltando-se para si mesmo.

Os marinheiros são o público do escritor, que se alimenta de sua produção, e não como uma obra de arte, mas apenas como um tipo de diversão. Um navio e um barco são uma representação de uma rota desconstante das pessoas, influenciada por uma tormenta e condições ruins. No ambiente desta obra, o mar representa uma vida violenta, ardente e cruel, e destrutiva para o escritor. A partir da análise e das reflexões sobre a criação artística de sua época e sobre as condições de possibilidade dela, Baudelaire chega à conclusão de que é necessária uma teoria da arte que seja racional e histórica, em oposição à noção de arte como um todo e sem distinções, ou seja, a noção de genialidade.

O sentido da obra é que o escritor permanecerá condenado e amontoado pelos tolos. Seu ofício serve como um divertimento de curto prazo para uma comunidade superficial. Suas “enormes de asas" são uma punição sem consciência, um motivo de constrangimento e uma crítica. Entretanto, a verdadeira liberdade somente pode ser alcançada na solitude, na criação e na harmonia com o interior de si; por isso, o autor se rende à pressão dos fatores, tornando-se mais forte. Além disso, o tema deste poema representa a postura do escritor em relação à comunidade e à sua vida particular. Sendo uma jornada aparentemente sem fim e sem fim no mar através dos abismos mortíferos, onde as pessoas são estúpidas, indolentes e não encontram nada maisdo que crueldades e ameaças às pessoas que encontraram uma liberdade sobre a desgraça da realidade.


  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Charles Baudelaire foi um dos mais importantes artistas da modernidade, ele conta em suas obras literárias sobre a morte, a desordem, a decadência e outros termos que possam ser desagradáveis ou repulsivos relacionados à humanidade. Para o poeta, o crescimento rápido e a modernidade traziam perigo e ansiedade para as pessoas, então, Baudelaire tentou representar essas mudanças enormes e repentinas em uma cidade grande e moderna.

O poeta viveu o período histórico simbolizado pela modernização, na qual o ser humano seria substituído por uma máquina e não teria tempo para quase nada, características estas que se tornaria parte da vida dos seres humanos da modernidade. A França durante o século XIX, vivenciou uma sucessão de experimentações políticas e inovações tecnológicas que fizeram da Europa uma das partes mais importantes do mundo, e Baudelaire conviveu com todos estes eventos, e levou a literatura, especificamente na obra As Flores do Mal. Por fim, sua obra foi importante para os artistas do simbolismo, do surrealismo e do expressionismo, e suas idéias têm uma influência grande na formação do modernismo. 


REFERÊNCIAS

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SILVA, Wendell Menezes da. O pintor da vida moderna: crítica, arte e modernidade em Charles Baudelaire. 2022. 85 f., il Dissertação (Mestrado em Literatura) — Universidade de Brasília, Brasília, 2022.




João Pedro Auzier, formado em jornalismo e mestre em literatura e crítica literária pela PUC-SP. Nascido em Manaus, Amazonas. 28 anos e leitor assíduo das obras de James Joyce e Virginia Woolf. Tem se dedicado à produção de contos e crônicas, inspirado no início da carreira de autores como Caio Fernando Abreu e Rubem Braga.