A irmãzinha | Adriano Espíndola Santos

 por Adriano Espíndola Santos__


Foto de Jr Korpa na Unsplash


Marcelo, desde muito pequeno, com cerca de dois anos, adorou a companhia de Amanda, uma boneca que a mãe havia ganhado para simular a terapia do sono em bebês. Durante muito tempo, Marcelo dormiu com a boneca, adotou-a, e, se perguntassem, ele diria que era sua irmãzinha. Aos quatro anos, a boneca ainda tem quase o seu tamanho, e é um evento quando ele inventa de sair às ruas com ela; muitos questionam, perguntam se é amiguinha dele, e ele, incisivo, diz que é sua irmã. Bem, para todos os efeitos, para ele, não é uma boneca, é simplesmente sua irmãzinha Amanda. Mas isso, para a cultura machista que envolve a nossa sociedade, poderia dar em algum incidente preconceituoso, era tal fato que me preocupava. Mas nunca, na rua, houve quem tirasse alguma brincadeira, fosse agressivo ou atacasse com palavras o meu filho — atribuo a isso pura sorte; até porque evitamos sair com a boneca, infelizmente. No sábado passado, saí para resolver uns problemas de casa, os quais não consigo resolver na semana, por conta do trabalho. Marcelo ficou com a avó. A mãe teria ido para a academia. Mãe e avó combinaram de irem juntas, com o Marcelo, para o salão de beleza, num horário pré-definido. O caso é que a avó logo cismou com a boneca, não iria sair com um menino e uma boneca a tiracolo. Resolveu, de maneira bruta e unilateral, esconder a boneca. Arrancou-a, sinto, do corpo de meu filho — um lance talvez banal, mas significante. E, ao falar com a nora por telefone, antes de se encontrarem para sair, disse que o Marcelo estava “botando banca” para ir. Quando a mãe chegou, perguntou ao filho o que estava acontecendo. Logo respondeu que a vovó não deixava elae sair com a boneca, e a escondeu, para que ele parasse de melindres. “Ora, criança não tem querer. Vai-se e pronto, do jeito que tem de ir”. Houve uma tentativa de explicação por parte da nora, que a boneca tinha o sentido de irmã e não comprometeria a sua sacrossanta masculinidade. A avó admitiu que jamais sairia com um menino, mesmo o seu neto, com uma boneca. “O que os outros iriam pensar?!”, passava por sua cabeça, decerto. Resultado é que a avó desmarcou o salão de beleza para ir em outro horário, longe dos afogamentos do medo intrínseco. A mãe foi com a criança, agora superanimada por levar a querida Amanda. E não houve quem levantasse qualquer questão, além do deslumbramento e da beleza do cuidado de Marcelo com Amanda — a mãe depois me contou, pelos olhares curiosos e singelos. Disso concluo que a pureza é um dom que não deve ser castigado. A criança o fez por amor à vida, o respeito a outro humano menor, o amor inseparável que concilia a relação infantil.



Adriano Espíndola Santos
 é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”, e em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, estes pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com as Revistas Mirada, Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir — sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária e em Revisão de Textos. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto. instagram: @adrianoespindolasantos | Facebok:adriano.espindola.3 email: adrianoespindolasantos@gmail.com