por Taciana Oliveira__
ARA-Y — Raízes da Terra, de Célia Martins (Mirada,2025) é um livro-cântico, um manifesto poético que irrompe da terra, da memória e do corpo como resistência viva. Escrito por Célia Martins, poeta pernambucana, educadora e ativista das palavras, este livro é mais do que um conjunto de poemas: é um território, uma encruzilhada de saberes, dores e encantamentos. Dividida em cinco partes (Raíz-Terra, Raízes da Casa, Palavras/Aterro, Enterro e Terreiros/Saberes da Terra) a obra constrói um caminho lírico em direção às ancestralidades, à denúncia das violências contra a natureza e os corpos, e à celebração da espiritualidade dos povos originários, das mulheres, das palavras que brotam como sementes.
A escrita de Célia é radical no sentido mais profundo da palavra: toca a essência da terra, a origem. Nela, o poema é terra lavrada, planta, mato queimado, bicho em extinção, água poluída e gesto de cura. A poeta recolhe cacos, escombros, restos do mundo e os transforma em versos que resistem ao apagamento e reencantam a linguagem. Em sua força crítica e compassiva, Célia Martins também alarga os horizontes da luta e da empatia: dedica um de seus poemas à Palestina, denunciando a violência colonial e a dor dos povos silenciados. Sua voz é trincheira, eco que se estende além das fronteiras geográficas.
Reverberando vozes como as de Ailton Krenak, Davi Kopenawa, Nêgo Bispo, Célia Xakriabá, entre outros faróis da luta indígena e negra no Brasil, ARA-Y também é instrumento político e pedagógico. É livro para ser lido com o corpo, com a escuta sensível, com os pés na lama e os olhos abertos para as urgências do presente. Neste compasso entre vida e (des)vida, entre a força da mata e os destroços do asfalto, a poesia de Célia Martins nos convida a reaprender o verbo viver. A caminhar com a terra e por ela. A reconhecer que somos raízes, folhas, abismos — e que da palavra pode brotar o recomeço.
*originalmente texto publicado na orelha do livro
*Célia Martins é poeta, professora e artista pernambucana, nascida no Recife e residente em Olinda. Formada em Letras pela UFPE, atua há mais de duas décadas na pesquisa de línguas indígenas e na promoção de debates sobre raça, gênero e pertencimento. Publicou poemas em seis antologias e na revista Laudelinas, além de dirigir o espaço cultural A Casa do Sol.
Taciana Oliveira — Natural de Recife–PE, Bacharel em Comunicação Social (Rádio e TV) com Pós-Graduação em Cinema e Linguagem Audiovisual. Roteirista, atua em direção e produção cinematográfica, criadora das revistas digitais Laudelinas e Mirada, e do Selo Editorial Mirada. Dirigiu o documentário “Clarice Lispector — A Descoberta do Mundo” Publicou Coisa Perdida (Mirada, 2023) livro de poemas.