por Carlos Monteiro |
A borboleta amarela
E assim,
do nada, eis que pousa em mim uma borboleta amarela. Seria àquela que, com seu
bater de asas, criou um furacão na costa americana; será a presença da Oxum ou,
até quem sabe, uma enviada de Rubem Braga. Não há a menor dúvida: as duas
últimas são reais e de felicidade plena.
A
fotografia é feita no detalhe, é a sutileza e singeleza das coisas e cores. É
feita por meio da observação através das lentes magníficas, mágicas e
caleidoscópicas, das minudências, é feita de pôr(menores) e minúcias, é aí,
exatamente aí, que são encontradas todas as diferenças entre uma foto
minimalista-contemplativa e outra repleta de elementos.
Rubem
percebeu o travertino encardido da empena da ABI, os leões argolados que
encimam palácios do quadrilátero fantasmagórico, os bancos pintados de azul
destoantes daquelas em pedra dura, notou as tais cores de Almodóvar
dijanirianas, eu, mais humildemente, tenho notado às ‘folhas secas do Lúcio’ e
as estátuas de ‘senhoras nuas’, os líquens rebeldes que, apesar da grossa
camada de fumaça que os envolvem, teimam em existir e dar sinais, bem mais
precisos que os relógios propagandistas que brotam pelas ruas, poluentes
visuais indefectíveis, do ar que respiramos ou, muito mais provavelmente nos
afogamos.
Diferentemente
do mestre, a borboletinha amarela permaneceu por bom tempo pousada no meu ombro,
e outro tanto em minha mão. Não abandonou minha visão, não se escafedeu pelas
entranhas viscerais dos sombrios prédios, embotados de concreto e tráfego,
parados na contramão, nem atrapalhou o vai e vem magnetizado fritzlanguiano.
Teria
ficado horas e mais horas observando-a, trocando olhares, tentando, como Rubem,
descobrir de onde viera e para onde pretendia ir e para onde efetivamente
foi… Fiquei ali, magnetizado, imaginando novas imagens, novos ‘detalhes tão
pequenos de nós dois’, céus celínicos e celestiais, onde somente o detalhe mais
sutil da cratera da lua se faz protagonista e nos faz enxergar seu lado oculto.
Ali assim hipnotizados pensando na foto que não fizera e aquela que ainda fará
meu coração acelerar como uma plateia em êxtase, aplaudindo a natureza e
Olorum.
É,
borboletas amarelas são realmente dádivas que podem transformar um simples
caminhar em uma grande série de fotografias, que não se tornarão amareladas
pelo tempo.
Carlos Monteiro é fotógrafo, cronista e publicitário desde 1975, tendo trabalhado em alguns dos principais veículos nacionais. Atualmente escreve ‘Fotocrônicas’, misto de ensaio fotográfico e crônicas do cotidiano e vem realizando resenhas fotográficas do efêmero das cidades. Atua como freelancer para diversos veículos nacionais. Tem três fotolivros retratando a Cidade Maravilhosa.
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