Julgamento | Adriano Espíndola Santos

por Adriano Espíndola Santos | 


Foto: Antonio Augusto/STF

Hoje é o terceiro dia de julgamento dos golpistas. É um momento histórico: militares se sentarem no banco dos réus, julgados por civis, não militares. A democracia está sendo testada e, se passar — vai passar, com fé em Deus —, garantirá a segurança das instituições e da sociedade como um todo, coesa, harmônica, livre. A verdade é que já me sinto deveras estafado, como se um trem tivesse passado por cima de mim. Foram muitos os crimes cometidos pelo chefão — uma absurda alucinação, inimaginável, mas, enfim, aconteceu. E, pasme, muitos foram fisgados pelo artificioso fascismo, em nome de uma falsa legenda: “Deus, pátria, família” — é só olhar o comportamento da familícia. As dores se acumularam nesses últimos anos. Ter perdido um irmão na desastrosa pandemia ainda me afoba profundamente. Ele morreu por falta de ar — por falta de ar! —, você tem noção da gravidade disso?! Enquanto o então governo tentava cobrar propina em cima da compra das vacinas, meu irmão agonizava. Era uma pessoa boa, humilde, como jamais conheci um igual. Não merecia passar por tudo o que passou. Foi um guerreiro, mas não resistiu ao descaso e às atrocidades de um governo que blasfemava dos doentes. Mas sei que num Estado Democrático de Direito é preciso haver o devido processo legal, com direito à ampla defesa e ao contraditório. Sou um advogado velho, não tenho mais energia para enfrentar quem quer que seja. Perguntaram se eu era capaz de fazer a defesa de um deles. Respondo que, como profissional, sim; contudo, como ser humano, não. Haveria, decerto, uma crise interna intensa, que iria me afligir muito. Porém, não é o caso; sinto-me aliviado. Mas rio das defesas pífias. É bem como os crápulas merecem. Venho acompanhando a ação penal. Muitas pessoas me perguntam, também, se o crápula maior será mesmo condenado e preso. Bem, pelo que sei, com as provas robustas acostadas aos autos, é bastante provável que o núcleo duro seja alcançado pela justiça, ou seja, condenado a pena de reclusão; pelo menos por um tempo ficarão presos. Os conspiradores, em sua maioria, são idosos. Terão, após certo cumprimento da pena, progressão para prisão domiciliar; é quase certo esse desenrolar. Aplaudo a grandeza dos ministros, que não se acovardaram, mesmo diante da ameaça externa. Isso é prova de democracia e soberania. “Dentro das quatro linhas da Constituição”, serão condenados, oxalá, para que as futuras gerações tenham segurança, para que saibam que moram num país direito, com perspectiva de futuro. Sem medo de ser feliz. Espero logo, logo, comemorar, tomando um bom vinho, escutando Milton Nascimento e Chico Buarque, que me inspiraram durante a vida de militância e de exílio. Ditadura nunca mais. Vida longa à inalienável democracia.



Adriano Espíndola Santos é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”, e em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, estes pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com as Revistas Mirada, Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir — sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária e em Revisão de Textos. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto. instagram: @adrianoespindolasantos | Facebok:adriano.espindola.3 email: adrianoespindolasantos@gmail.com