Literatura em cartaz: 80 autores ocupam outdoors de Fortaleza em projeto inédito

 por Taciana Oliveira | 




De 8 a 21 de setembro, Fortaleza e Região Metropolitana ganharam uma nova forma de leitura: a poesia espalhada em 80 outdoors. A ação, intitulada Poesia em Cartaz, reúne nomes consagrados e emergentes da literatura cearense em uma iniciativa cultural sem fins lucrativos que cruza palavra e cidade, ampliada pela divulgação digital no perfil @poesiaemcartaz e por saraus no Museu da Imagem e do Som do Ceará (MIS).

O projeto, idealizado por Paulo Fraga-Queiroz, é uma ação que divulga poemas de 80 autores cearenses, rompendo os espaços tradicionais de leitura e levando literatura ao encontro do transeunte no dia a dia. Assim, o projeto conecta rua, rede e palco, democratizando o acesso à poesia e ampliando a experiência coletiva da palavra. Com nomes consagrados como Adriano Espínola, Batista de Lima, Linhares Filho, Lira Neto, Nina Rizzi, Tércia Montenegro, Stênio Gardel, Abidoral Jamacaru e Pachelly Jamacaru, além de vozes emergentes e representantes de coletivos do interior, a curadoria buscou refletir a pluralidade da poesia cearense contemporânea. Muito maia do que uma exposição literária, o Poesia em Cartaz é um movimento que ressignifica a cidade.

É sobre essa ideia, seus bastidores e impactos, que conversamos com o criador do projeto, Paulo Fraga-Queiroz.

1. O projeto leva a poesia para os outdoors da cidade, rompendo com os espaços tradicionais de leitura. Como surgiu a ideia de ocupar esse suporte publicitário com literatura?

Uma querida amiga me deu um presente para eu promover lançamento do meu primeiro livro de poemas, Pássaros de Giz, 20 placas de outdoor. Como sou publicitário, sei o peso — e a visibilidade — desse espaço, demasiado até para um primeiro livro. Em vez de promover só minha obra, pensei que fazia mais sentido transformar o presente em coletivo, dividindo as placas com outros poetas, letristas e escritores do Ceará. A cidade, então, virou página. Esse movimento de trazer a poesia para o cotidiano, para o caminho de quem cruza a rua é quase um retorno ao espaço público como lugar de encontro — entre palavra e olhar, entre autor e leitor, mesmo que por acaso.

2. São 80 autores cearenses espalhados por Fortaleza e Região Metropolitana, de nomes consagrados como Stênio Gardel e Tércia Montenegro a vozes emergentes. Qual foi o critério de escolha e de equilíbrio entre gerações e estilos?

A ideia era a pluralidade desde o início. Convidei poetas nascidos, radicados ou de trajetória marcante no Ceará, buscando diversidade de geração, gênero, raça, linguagem, experiência e origem social. O conselho de curadoria (com Alan Mendonça, Alexandre Barbalho, Argentina Castro, Cliff Villar, Kelsen Bravos, Luciana Targino, Mailson Furtado, Mona Gadelha e Nazaré Fraga) ajudou a equilibrar vozes consagradas e emergentes, poesia de rua e de academia, letristas, cronistas e poetas de diferentes regiões do estado, vozes negras e até representares de coletivos de cidades do interior. Nosso foco foi abrir espaço tanto para quem já tem livro publicado e reconhecimento, quanto para quem está começando, para quem faz poesia na música, no slam, na escola, na periferia. O resultado é um painel múltiplo, realmente representativo da poesia cearense contemporânea e, por extensão, a partir daqui, do Brasil.

3. Além da exibição em outdoors, o projeto também prevê divulgação digital e saraus no MIS Ceará. De que maneira essas frentes se complementam e ampliam o alcance da iniciativa?

São frentes que se alimentam, se complementam e se expandem. O outdoor gera impacto imediato — pega o transeunte de surpresa, oferece a poesia na rotina. O digital, por meio do Instagram oficial do projeto (@poesiaemcartaz), amplia o alcance, permite que quem está em qualquer lugar acompanhe, salve, compartilhe e até dialogue com os autores. Além disso, cada post traz carrossel com minibiografia, foto, informação do poema — é uma curadoria multimídia, uma antologia viva. O sarau no MIS, que encerra o ciclo, traz o encontro físico, celebra a palavra dita, reúne autores e leitores numa experiência presencial, aberta à comunidade. A combinação de rua, rede e palco potencializa o alcance e reforça o convite democrático à poesia.

4. O senhor define o projeto como uma ação cultural sem fins lucrativos. Quais os principais desafios para viabilizar um projeto dessa dimensão e como foi reunir apoios institucionais e exibidoras?

O desafio é grande. Mobilizar 80 autores, alinhar textos, imagens, aprovações e identidade visual, negociar com exibidoras, tudo sem verba — só na base do voluntariado e da parceria. Mas o retorno foi extraordinário: tanto as exibidoras (Bandeirantes Outdoor, Divulcart, RH Outdoor) quanto instituições como o MIS Ceará e o caderno Vida & Arte do O Povo abraçaram a proposta. Profissionais de design, como o Gesse Colares, toparam colaborar, assim como jornalistas, artistas e muitos envolvidos na cena literária local. É um movimento coletivo que só acontece porque muita gente acredita no valor de tornar a poesia pública, de democratizar o acesso. Enfim, todo o entorno do poder da palavra.

5. O subtítulo do projeto fala em “poesia publicada na pele da cidade”. Que tipo de impacto espera provocar nos transeuntes que se deparam, no cotidiano, com versos impressos no espaço urbano?

Espero causar estranhamento e encantamento, mesmo que por alguns segundos. A cidade é pressa, barulho, rotina. A poesia no outdoor interrompe isso — propõe uma pausa, uma brecha de sensibilidade, um deslocamento de olhar. É um convite a sentir, imaginar, pensar. Talvez alguém se reconheça num verso, guarde uma palavra, repasse uma frase. O que me move, e acredito também move a todos os queridos amigos e amigos de amigos que se engajaram neste projeto, é essa chance de provocar, de tocar — seja pelo afeto, pela dúvida, pela memória a outrem, tirá-lo do automático, mudar sua vida naquele instante, seu dia, sua tarde, um momento que seja.

Quando a poesia é publicada na pele da cidade, ela não pertence só ao autor: vira experiência coletiva, vira encontro. Isto em si já é um ato poético.



Paulo Fraga-Queiroz nasceu em Fortaleza, em 1968. Sua família vem direto do coração do sertão cearense: Quixadá. Cursou Letras. É publicitário com prêmios nacionais e internacionais. Atualmente, divide seu tempo entre paixões que se completam: comunicação, arte, design e cinema.




Taciana Oliveira — Natural de Recife–PE, Bacharel em Comunicação Social (Rádio e TV) com Pós-Graduação em Cinema e Linguagem Audiovisual. Roteirista, atua em direção e produção cinematográfica, criadora das revistas digitais Laudelinas e Mirada, e do Selo Editorial Mirada. Dirigiu o documentário “Clarice Lispector — A Descoberta do Mundo”. Publicou Coisa Perdida (Mirada, 2023) livro de poemas.