Me dê motivos
Com
a dádiva de Oxalá, a sagração de Bragi, Apolo, Calíope, Érato, Euterpe,
Polímnia e Terpsícore. Com as bênçãos de Homero, Camões, Shakespeare, Pessoa e
Neruda. Com a bendição de São João da Cruz, peço licença poética para dar uns
pitacos nessa tal de sutil metáfora subliminar. O que será que me dá, em todos
os sentidos, o que não faz sentido. Será que o meu chamego quer me judiar?
Já
repararam que muitas poesias musicadas não fazem sentido? Bradarão os
eloquentes puristas da Flor de Lácio: “Mas é licença poética!”. Para ela tudo
vale, é como se fosse assim uma casa da avó Joana ou Maria, não importa. Lá
tudo pode, para, na segunda-feira, após o fim de semana de traquinagens e
traquinices, os pais arrancarem os cabelos ao ouvirem a sublime frase: “Eu
quero voltar para casa da vó; lá eu posso tudo! Quase uma ode do síndico no
‘vale tudo’ da vida, sem violência, é claro!”.
Com
licença, mas, na partitura, eu pergunto e questiono: pode haver erro de
concordância? Pode! Pode confundir ‘lé’ com ‘cré’ e ter um sapato em cada pé?
Pode! Pode viagem imaginária no país do Baurets? Pode! Pode Raulzito, Caetanear
e Djavanear? Esses tudo podem! Valem o que vier e quiserem, valem cada estrofe,
cada verso de sutilezas.
Caetaneando
fui à Sampa e me encarei frente a frente, sem ver rostos. Mas dá para encarar
lado a lado, tipo ombro a ombro? Ah, Narciso acha feio o que não é espelho.
Então dá! Djavaneando descobri que “...Zum de besouro um ímã / Branca é a tez
da manhã...”. Os besouros costumam ser perseguidores, fazendo zum-zum na testa
como as abelhas rainhas. Só discordo da ‘branca tez da manhã’; nunca a vi
branca e olha que de alvorada eu entendo um pouquinho, quase nada, mais que
nada, sai da minha frente que eu quero passar.
Controlando
a minha ‘maluquez’, bebi na fonte de Rauzito: “…Aprendi o segredo, o segredo /
O segredo da vida / Vendo as pedras que choram sozinhas / No mesmo lugar…”.
As pedras choram solitárias porque não conversam com as rosas. Também pudera;
as rosas não falam, não é mesmo Mestre Cartola? Bilac responderia: “Ora,
direis, ouvir estrelas, certo / Perdeste o senso, e eu vos direi, no entanto / Que,
para ouvi-las, muita vez desperto / E abro as janelas, pálido de espanto…”.
As rosas falam, as pedras falam e as estrelas, em toda Via Láctea, sussurram
palavras de amor, enquanto se procuram mesmo estando a capa pendurada. A mais
incrível metamorfose, seja ela ambulante ou errática. Metal, sopro do dragão
tatuado no braço, porque na minha terra tem Lua e estrelas no anel.
(continua…)
Carlos Monteiro é fotógrafo, cronista e publicitário desde 1975, tendo trabalhado em alguns dos principais veículos nacionais. Atualmente escreve ‘Fotocrônicas’, misto de ensaio fotográfico e crônicas do cotidiano e vem realizando resenhas fotográficas do efêmero das cidades. Atua como freelancer para diversos veículos nacionais. Tem três fotolivros retratando a Cidade Maravilhosa.
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