por Taciana Oliveira |
Jardim Quitaúna: crônicas de paixão, política e cultura pop, de Rodrigo Carneiro
Rodrigo Carneiro reúne em Jardim Quitaúna: crônicas de paixão, política e cultura pop (Terreno Estranho, 2025) um conjunto de textos que transitam na experiência individual e coletiva de uma geração formada entre a década de 1970 e os anos 1990. Para além de um exercício memorialístico, o livro é uma cartografia afetiva das transformações políticas, sociais e culturais vividas por jovens da periferia paulistana diante da ascensão da cultura pop.
O autor, vocalista da banda Mickey Junkies e jornalista com longa trajetória, revisita episódios que vão da fascinação infantil por Sidney Magal ao convívio com Chico Science, passando por relatos da cena punk, dos bailes black e dos primeiros passos do hip-hop no Brasil. Cada crônica associa lembrança pessoal e análise crítica, costurando música, literatura, cinema, televisão e artes visuais em um tecido narrativo que revela de que forma a periferia brasileira dialogou, e muitas vezes reinventou, linguagens globais.
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Entre os destaques, estão textos como “Escovinha ou função”, que recupera a genealogia do hip-hop nacional a partir de gírias, roupas e gestos da juventude; “Revolte-se pela vida”, sobre um ato conjunto de punks e ferroviários em 1988; “Manhãs de domingo no inferno eletrônico”, memória da efervescência do Hell’s Club nos anos 1990; “Gravuras de Goya e o poeta”, que narra um encontro inesperado com Haroldo de Campos na Bienal de São Paulo; e “Spike Lee, Chico Science e os domingos”, lembrança de uma ida ao cinema com Chico Science, marcada tanto pela celebração cultural quanto pela sombra da perda.
A importância do livro reside no equilíbrio entre a observação crítica e o sabor do relato pessoal. Carneiro não apenas recupera episódios de uma juventude marcada pela inquietação política e cultural, mas também problematiza como a mídia hegemônica silenciou experiências periféricas. Ao fazê-lo, oferece uma versão alternativa da história recente da cultura brasileira, marcada por conexões improváveis do jazz a Exu, de Spike Lee a Mano Brown.
Abaixo segue uma entrevista com Rodrigo Carneiro:
1 - Suas crônicas partem da memória pessoal, mas dialogam com crítica cultural e poesia. Como foi o processo de transformar lembranças em literatura sem cair no tom puramente autobiográfico?
Elenquei os causos que se comportariam bem na página. E pensei numa espécie de linha do tempo para os escritos. Ao iniciar a batucada, o desejo por encontrar uma linguagem para ela logo se colocou. A linguagem é o grande lance. Aí vieram os cruzamentos de dados, os contextos históricos, a pesquisa, o turbinar de antigos textos, os episódios que ficaram, aqueles que caíram, etc. Espero ter conseguido, a partir das minhas reminiscências, apresentar a quem lê um panorama além-eu.
2 - Em Jardim Quitaúna, a juventude periférica aparece como protagonista de transformações culturais. De que maneira essa vivência em Osasco moldou seu olhar para a música, a política e a arte?
O apreço pelas artes vem dos meus pais. Como digo em “Mercedes e Ricardo” (2020), documentário dirigido por mim e Otavio Sousa, eles foram os primeiros artistas que conheci. Em casa, muito cedo, vivenciei o barato das luzes da ribalta e os inúmeros desafios na produção de uma obra — cênica, musical ou literária. A dupla também teve atuação no movimento negro. O que me influenciou muito. Quando elegi o punk — e suas variantes — como modo de expressão, estavam em jogo a sonoridade, o visual e o discurso. Sou resultado de todas as experiências vividas. Muitas delas, osasquenses.
3 - Alguns episódios narrados por você revelam a intersecção entre cultura pop e mobilização política, como o ato “Revolte-se pela vida”, em 1988. De que maneira você enxerga hoje a força política das manifestações culturais juvenis no Brasil?
Acredito que a garotada mais nova — assim como o pessoal com maior tempo de estrada — esteja às voltas, ainda, com os efeitos pós-pandêmicos e a dinâmica maluca das redes sociais. Antes disso, houve também uma negação da política, cujo aparecimento de figuras lamentáveis no cenário é uma das heranças.
4 - Seu livro registra encontros com artistas de diferentes gerações e linguagens, de Sidney Magal a Chico Science e Itamar Assumpção. Que papel esses encontros tiveram na construção da sua identidade artística e no olhar que você lança sobre a cultura brasileira?
Ter contato com heroínas e heróis é uma dádiva. Ainda mais quando a conexão se estabelece noutro patamar. Sou próximo de integrantes e ex-integrantes da Nação Zumbi até hoje. E vibrei com o fato de Itamar Assumpção ter sido tema de exposição no Lincoln Center, em Nova York, em julho deste ano. O Sidney Magal é paixão primeira. Eles e diversas outras figuras têm importância perene para mim.
5 - Jardim Quitaúna olha para o passado com afeto e crítica. Que memórias da cena cultural atual você acredita que merecem ser registradas para as próximas gerações?
O que é feito no tecnobrega, no trap, na música experimental e na de improvisação, as bandas novas que misturam tudo e a movimentação do slam — as batalhas de poesia — pelas ruas das cidades seriam algumas das minhas sugestões de registro.
Pré-venda: clica aquiPreço: R$ 49,50
Número de páginas 144
Editora Terreno Estranho
Lançamento na Livraria Martins Fontes da Avenida Paulista no domingo, 28 de setembro de 2025, das 15 às 18 horas
Poeta, jornalista e músico, Rodrigo Carneiro escreveu para veículos como Estadão, Folha de S.Paulo e Valor Econômico, além de colaborar em livros sobre música e cultura pop. Vocalista da banda Mickey Junkies e nome ativo na cena spoken word desde os anos 1990, apresentou seus poemas na FLIP, na Virada Cultural e no Circuito Sesc, ao lado de artistas como Mano Brown, Juçara Marçal e Brian Jackson. Após barítono (2018) e afetos sísmicos (2022), lança agora Jardim Quitaúna: Crônicas de paixão, política e cultura pop — um mergulho memorialista e afetivo no Brasil subterrâneo e midiático que moldou sua trajetória.
Taciana Oliveira — Natural de Recife–PE, Bacharel em Comunicação Social (Rádio e TV) com Pós-Graduação em Cinema e Linguagem Audiovisual. Roteirista, atua em direção e produção cinematográfica, criadora das revistas digitais Laudelinas e Mirada, e do Selo Editorial Mirada. Dirigiu o documentário “Clarice Lispector — A Descoberta do Mundo”. Publicou Coisa Perdida (Mirada, 2023) livro de poemas.
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