Benjamin: quando literatura infantil se torna linguagem de afeto e ferramenta simbólica

 por Taciana Oliveira | 



A ansiedade de separação, vivida por muitas crianças nos primeiros anos de vida, ganha uma abordagem sensível e poética no livro Benjamin (Selo SemiBreve), lançado pela psicóloga, psicanalista e pedagoga Denise Fleury. Inspirada na escuta clínica e em sua vivência como educadora, Denise transforma em narrativa a relação entre mãe e filho e os sentimentos que emergem nos momentos de afastamento. A metáfora dos elefantes, com trombas que remetem ao cordão umbilical, simboliza o vínculo afetivo que persiste mesmo na ausência física, abrindo espaço para que crianças e adultos elaborem emoções difíceis por meio da palavra, do jogo e da imaginação.Com ilustrações de Yasmin Hassegawa, Benjamin nasceu de um processo de escrita de quatro anos e reflete o encontro entre experiência pessoal e formação profissional. Para a autora, a literatura infantil é mais que uma ferramenta pedagógica: é um território de elaboração emocional, que permite transformar angústias em gestos de cuidado e conexão.

Nesta entrevista, Denise Fleury fala sobre as origens afetivas do livro, o simbolismo dos elefantes, o processo de criação compartilhada com a ilustradora e como a literatura pode apoiar crianças, mães, pais e educadores diante de uma das experiências mais marcantes da infância: a separação.

1.O título Benjamin carrega um trocadilho delicado com “beija a mim” e nasce de sua escuta clínica e experiência com a infância. Como foi o momento em que você percebeu que essa vivência poderia se transformar em literatura infantil? 

Percebi no convívio com as crianças. Conviver com a infância é como estar imersa num mundo lúdico. Pressupõe um mergulho no brincar e uma entrega a esta plasticidade com a linguagem que o brincar proporciona. A oralidade das crianças se conjuga no brincar e, diferentemente do que muitas vezes se supõe, brincar é coisa séria. Freud no seu texto O poeta e o fantasiar (1908) nos alertou para isso, e ele vai além, comparando a criação poética como a versão mais avançada desse brincar que está ali na infância. Para os pequenos, não se trata de um fazer “inútil”, mas de um momento de fazer, de trabalho com a língua, de elaboração do mundo que os cerca. É no brincar que a criança faz o jogo com a língua. Nesse jogo há linguagem e há poesia. Escutei no documentário de Manoel Barros (Só Dez Por Cento é Mentira/2010) e leio nos livros dele essa visão que vai ao encontro das descobertas freudianas. Manoel de Barros diz que sua fonte de inspiração eram as falas das crianças e é disso mesmo que se trata a poesia, um lugar dos vazios.

Gosto de pensar os espaços entre a palavra e a nomeação como vãos e neste lugar, afeto e linguagem encapsulam-se, dão forma para as experiências da infância. Creio que a palavra não é pouca coisa e são nestes vãos, o dos balbucios, os dos sons das palavras que a linguagem vai nascendo. Pense nos batimentos cardíacos que o bebê escuta no ventre da mãe? Deve ser bem barulhenta a vida intrauterina… rsrsrs. Linguagem é arte, quando foi que nos esquecemos disso? Não seriam as primeiras palavras nascedouros da poética? Por isso aposto neste início da fala, vejo um trabalho artesanal, da primeira palavra, do som e do tato ao fazer do beijo uma forma de laço com o outro.

É impressionante como as crianças têm uma postura científica para com a linguagem. O que quero dizer com isso? Que elas investigam a partir da sonoridade, fazem deduções e vão dando significado, forma. Na infância esse deslocamento da palavra como signo para o significante sofre metamorfoses capazes de pegar o adulto desprevenido, de surpresa. E assim, como dizia Freud, as crianças estão sempre fazendo suas investigações, buscando um saber nas palavras, creio que a literatura tem esse poder, esse recurso linguageiro de oferecer para as crianças palavras. 

2. A metáfora dos elefantes como representação do vínculo afetivo é muito marcante. Como você acredita que esse recurso simbólico pode ajudar crianças e adultos a compreenderem melhor a experiência da separação? 

A linguagem, especialmente na arte literária, configura-se como um recurso simbólico, um meio lúdico e ficcional de dar conta, vamos chamar assim, do real. O que seria este real? Lacan, ao dar sequência às descobertas freudianas, traz uma noção muito importante para pensarmos o inconsciente estruturado como linguagem e, nesta formulação psíquica, nos permitiu articular linguagem e subjetividade. Escutando as crianças e não só, os adultos na clínica, a sensibilidade dessa escuta, do que há da infância, matéria-prima da subjetividade, percebe-se como a linguagem é o campo das batalhas, dos conflitos, onde a impotência pode tangenciar o ato de criação. Por exemplo quando pensamos que a separação do bebê está no horizonte da relação com este Outro primordial, seja ele quem for, geralmente a mãe, desde o sempre. Não é concebível que o bebê permaneça para sempre na barriga, tem o limite da própria gestação, assim como a amamentação tem o seu limite, seja ele qual for, assim como estar no colo e começar a andar também, então veja, é desejável que o bebê se desenvolva e é impossível contê-lo, daí podermos pensar que a separação se dá desde o nascimento, um movimento por toda uma vida de saída, de ir e vir nas relações que se estabelecem.

Assim, pensamos que o cordão umbilical se corta no ato do nascimento, mas o nascimento ou, movimento de “saída”, de separação desse par mãe-bebê (ou esse Outro que ocupa essa função) continua, por isso me pareceu tão simbólico a tromba do elefante, pois, além do aspecto físico de uma representação muito parecida com o cordão umbilical, a tromba do elefante está separada, então há um “corte” que aparece como alteridade, separação de corpos. Com essa representação da imagem podemos brincar de fazer arte, arte de arteiro, as crianças são arteiras, essa ludicidade permite à criança perceber que há prazer na separação e, neste jogo simbólico da imagem e palavra, a ela cria laços pela linguagem, pelo brincar, com a mãe ou de repente,com o pai, porque o elefante, para o leitor, não necessariamente deve ser a mãe, pode ser o pai, a linguagem literária possibilita esses deslocamentos. 

Voltando ao tema da separação como algo do real podemos pensar na finitude que está posta antes mesmo de existirmos. É este real que insiste em se sobrepor, a linguagem serve como o recurso simbólico por excelência no brincar e por extensão na literatura. Penso que a linguagem como arte literária é um campo vasto para esse nicho de literatura para bebês.

Uma outra possibilidade que as trombas separadas sugerem nesse campo escorregadio e polimorfo que a linguagem proporciona é a de que o cordão umbilical do corpo biológico não é garantia de afeto e amor. A separação e aproximação das trombas da mãe elefante com o filhote vão se dando aos poucos, no toque, cheiro, sons, ou seja, no contato, na relação e nas trocas entre eles. Isso nos permite, pela linguagem literária e suas polissemias que a imagem proporciona, observar que o biológico não é garantia de afeto, o afeto não está dado de antemão e tampouco o biológico é garantia de que essa relação se estabeleça. Em contrapartida a relação e as trocas são essenciais para que o vínculo se estabeleça e se isso se apresenta com as trombas separadas é do campo da linguagem, das relações que o afeto nasce. Lembrando que a “adoção” é o lugar e espaço onde o vínculo ocorre abrindo-se um vasto campo para se pensar nos afetos como laço e não puramente biológico como formas de criar e estabelecer vínculos. Neste sentido, Lacan amplia a noção da maternidade que mesmo sendo biológica, precisa adotar seu “filhote” e só então há possibilidade deste enlace. Portanto o cordão umbilical como tromba aparece como enlace, possibilidades de fazer laço e criar vínculo para além de uma condição biológica. 

3. Foram quatro anos de escrita e reescrita até o livro ganhar forma. Quais foram os principais desafios criativos e emocionais durante esse processo?

Os desafios do processo criativo foram as retiradas que fui fazendo do texto verbal para dar lugar ao texto imagético da Yasmin Hassegawa. Criar uma história e sendo ela ilustrada, a meu ver, aumenta os desafios, pois foi uma composição pensando a história, livro ilustrado e sua materialidade, o passar as páginas, o espaço- tempo do enredo. Por outro lado, o processo é muito prazeroso, especialmente quando há afinidade entre a equipe e o trabalho de criação do livro. Este foi o meu caso, tive a sorte de encontrar pessoas apaixonadas pelo livro ilustrado e literatura infantil. Juntamente com a ilustradora, teve a consultoria e leitura crítica da Andrea Kluge, a Bia Menezes do design gráfico e, com essas pessoas de peso forte, considero que não poderia estar melhor acompanhada. Apesar dos desafios, o que impulsiona o processo criativo de um livro é o prazer. Era sempre uma felicidade participar das reuniões e perceber cada avanço que o livro apresentava.

Para mim, as ilustrações de Yasmin Hassegawa são um trabalho minucioso de coautoria. Isso se explica no fato de que a história inicial foi sofrendo reescritas à medida que as imagens se articulavam. Ao final percebi que o livro ilustrado, diferente de um livro com ilustração, forma uma composição. Parece música, pois, para minha surpresa, a harmonia entre o texto verbal e o texto imagético forma uma única história. Tem sintonia no que o livro se formou e isso em função da autoria com que Yasmin Hassegawa adotou a história. A composição com o tema, a escolha da paleta de cores, a suavidade, as formas arredondadas, a revelação que vai acontecendo aos poucos para o pequeno leitor, foram conduzindo a economia de poucas ou quase nada de palavras presentes no texto. Posso dizer que foi um trabalho de burilamento e desafiador também. Percebi que a retirada de textos foi a parte mais difícil e a mais satisfatória também, pois deixou o texto mais potente e poético.

Foram ao todo quatro anos se contarmos o início da ideia e os primeiros textos, foi um processo mais lento, pois ainda não havia encontrado a ilustradora. Quando Yasmin topou essa parceria começamos o trabalho da conjugação entre texto e imagem, que é uma fase mais demorada e exigente, logo em seguida ficamos tentado oportunidade em publicar com editoras e participar de processos seletivos. Por fim, quando surgiu a oportunidade de publicar, busquei a parceria com o selo Semibreve e pude contar com o trabalho primoroso da equipe editorial. Olha só quantas pessoas envolvidas nessa engenhosidade que é um livro. Creio que este desafio passa pelo fato de ser um livro de autopublicação e até desconfio desse nome pois “é preciso uma aldeia para se criar um filho” e penso que o nascimento de um livro passa por aí também, foram muitas mãos (mães). Percorri o caminho de ponta a ponta, desde oficinas de escrita, produção e pré-elaboração de um texto literário, consultoria, leitura crítica e edição, todas essas etapas com pessoas e profissionais altamente qualificadas, então, talvez, seja esse o trabalho de uma editora, feito com primor, cuidado e rigor sem perder de vista meu lugar de escrever, criar, inventar e poetar. 

4. Na sua visão como psicóloga e psicanalista, de que forma livros como Benjamin podem ajudar crianças, pais e educadores a lidar com a ansiedade da separação de forma lúdica e acolhedora? 

Gosto de lembrar de uma passagem clássica em Freud quando ele próprio observava seu netinho e sua reação quando a mãe (filha de Freud) o deixava para sair. Essa passagem ficou posteriormente conhecida como fort-da. Seu neto jogava os brinquedos para longe de modo a escondê-los e depois os reunia novamente e, ao fazê-lo, emitia o “ooooo” sonoro e prolongado que, com o tempo, pôde ser escutado como Fort (desapareceu, sumiu). Freud logo identificou que seu neto brincava de desaparecer com os objetos. Mais à frente, observando o cotidiano de seu neto, Freud o percebeu com um carretel de madeira, no qual estava enrolado um fio; este carretel passou a ser atirado para longe. Como com os outros brinquedos,começou a atirá-lo para desaparecer emitindo o som “ooooooo”para então puxá-lo novamente pelo cordão e saudar o reaparecimento do objeto com um alegre “da” (chegô/achô). E assim, conseguimos ver que a cena do brincar era forjada pela criança que jogava o carretel para longe e o puxava novamente para perto pronunciando esses sons, que remetiam a essas palavras. O interessante nesta observação do neto de Freud foi ele ter a genialidade de perceber o jogo que estava implicado no brincar. Freud percebia um sofrimento da criança ao ver a mãe sair e um prazer ao brincar com seu carretel. Daí a sacada em Freud: um bebê acerca da angústia, um afeto importante e recorrente na clínica com adultos.

Na minha experiência clínica, a angústia da separação é recorrente e não só com as crianças, mas, especialmente, delicada e sensível, nos adultos. As crianças têm o recurso do brincar que as favorece na angústia que a falta provoca. Já com os adultos o trabalho psíquico é mais exigente e desafiador. Pensando especificamente sobre as mães, a angústia da separação aparece como uma atualização dela própria. O nascimento de um filho pode atualizar afetos antes recalcados e adormecidos, o que pode ser muito perturbador e traumático para ambos, pais e mães.

Na escuta clínica tenho presenciado como o momento de separação do filho pode desencadear angústia numa fase ainda muito delicada de puerpério e na saída da criança para a escola, etc, sentimentos que as acometem por vezes ambivalentes como o alívio, a culpa e a angústia. Penso que a angústia da separação pede lugar e espaço para ser trabalhado e a literatura aparece como um recurso valioso nos espaços familiares, coletivos, comunitários e escolares, ou seja, um livro pode estar presente em muitos lugares ao mesmo tempo, pode ser levado numa viagem, ou para casa da vovó ou titia ao dormir, ou mesmo fazer a presença da mamãe ou do papai que está ausente. Acaba sendo um jogo de desaparecer e retornar. É no jogo que a criança se torna agente e autor do seu brincar, desenvolve a capacidade de lidar e ter o “controle da situação”. Para a mãe, pai, cuidadores e professores a linguagem é o recurso pelo qual nos comunicamos e expressamos. Neste sentido, o livro, e pensando a história do Benjamin, traz essa ludicidade, pois é possível rir, brincar, e se divertir diante de um afeto, sentir a angústia da separação, que por vezes é temida, evitada, mas também desejada.

As histórias têm um lugar primoroso, elas auxiliam as crianças na escuta e transmissão de um saber. Acredito e aposto muito na leitura em voz alta, a leitura de colo, em roda e, naquele aconchego entre mãe, o pai, ou avós, tios etc. A leitura proporciona momentos intimistas e é comum presenciarmos crianças querendo ler o mesmo livro repetidamente. Pela minha experiência, diria que não há uma forma única de estimular a leitura, ao contrário, podemos ler de muitas maneiras diferentes e todas elas têm seu lugar e sua importância na formação de pequenos leitores. Um livro pode ser lido em voz alta, pode ser lido sozinho e no coletivo. Para o Benjamin penso que mãe e filho se beneficiariam, pois trata desse momento delicado e sensível sobre a angústia da separação, nessa intimidade e, numa leitura conjunta, ambos podem se beneficiar do prazer lúdico e simbólico do nascimento, o laço e a separação, que pode ser no brincar como a história sugere, com sons e batuques, como bum-bum.

Creio ser importante ressaltar que as histórias cumprem uma função social e coletiva, inclusive na relação da dupla mãe-bebê, pois pela história um outro, o mundo pode ser apresentado à criança para que ela seja incentivada a percorrer e querer explorar a cultura e o mundo do qual ela é pertencente e sujeita. 

5. Você mencionou que coloca sua própria maternidade na obra. De que maneira a experiência pessoal dialoga com sua formação profissional e o que espera deixar como legado com este livro? 

Quando meu primeiro filho nasceu foi uma experiência avassaladora e um divisor de águas para o que eu queria fazer da minha vida, da minha profissão. Pedagogia foi minha primeira graduação e, na época, estava de licença maternidade, era professora primária na educação infantil. Já havia percorrido desde o maternal, jardim de infância até a alfabetização, minha paixão era a educação infantil. No entanto, não esperava que a chegada de um filho pudesse me deixar balançada ao ponto de não querer voltar ao meu trabalho.

Foi uma escolha muito difícil, pois gostava do meu trabalho, do reconhecimento e de tudo que ele me proporcionava, mas não estava, em hipótese alguma, preparada para deixar meu bebê, me vi arrebatada e querendo viver aquele momento. Era exaustivo, mas também delicioso vê-lo crescer, acompanhá-lo em cada fase.

Ao mesmo tempo, me vi num estado de quase loucura. Como respirar, dormir e acordar cheirando bebê (leite, regurgito etc.) é exaustivo! Percebi a necessidade vital de “saídas” que me possibilitassem momentos de solitude e de atividades diferentes daquela de ser mãe. A maternidade ainda é muito cruel na nossa sociedade, pois devemos considerar como a realidade de mães trabalhadoras se impõe, de forma que estas, na maioria dos casos, se veem impossibilitadas de escolher não trabalhar, sem contar as mães solos. Por outro lado, as mulheres assumem quase exclusivamente o trabalho doméstico e o do cuidado, mesmo aquelas que podem optar por ficar com o bebê. Então, o que sobra para essas mães muitas vezes é o abandono, o desamparo, a sobrecarga e a exigência de serem mães “benevolentes”. Digo isso porque pude escolher ficar com meu filho, o que muitas não podem, mas, ainda assim, senti a dificuldade de sustentar este lugar por tudo que vem como anexo (brinde) desta escolha. Não foi fácil, porém sabia que seria uma experiência única e pude contar com apoio para realizar este meu desejo.

Nesta fase retornei aos meus estudos e decidi fazer psicologia. Retornar aos estudos, podendo ser mãe e fazer meu tempo foi a minha saída para exercer a maternidade sem me afogar nesta empreitada que a mesma provoca.

Pensando na pergunta sobre a minha maternidade e a minha profissão, o desafio foi conseguir conjugar grandes amores, ou seja, a minha maternidade com a minha busca profissional. Ao longo desses anos pude ficar com meus filhos e estudar. Retornei ao meu trabalho posteriormente. Nesse entretempo, os livros eram nossos companheiros, sempre tirava momentos de leituras com meus filhos, uma prática que trago comigo desde a minha infância até a vida adulta. Hoje escrevo como forma de expressar memórias, as dores e os desafios da experiência da maternidade, mas especialmente meu lugar no coletivo, na sociedade, na cultura, no convívio e na luta por uma sociedade mais acolhedora. Na escuta clínica a sobrecarga da maternidade para as mulheres é predominante. Há muito trabalho a ser feito nesse sentido, e quando falo trabalho penso num compromisso e responsabilidade da sociedade e do Estado, com mais políticas públicas por exemplo.

Acredito na política do cuidado e me dei conta de como isso pode ser revolucionário. Quero deixar como legado esse vislumbre de começarmos a pensar a política como cuidado, pois somos nós e são elas, as mulheres, quem cuidam, nutrem, alimentam e preparam os pequenos para a vida e por que não este modelo? Uma política que se pauta no cuidado vai na contramão de uma ordem utilitarista e de um capitalismo predatório e selvagem. Por isso penso que a voz da mulher, das crianças e das mães, especialmente daquelas das quebradas, que ficam lá na ponta da corda segurando o TRANCO, cuidam da própria casa e da casa de outros, dos próprios filhos e dos filhos dos outros, são as que sustentam os braços e pernas, a vitalidade e dão condições para que os filhos cresçam e mais mulheres trabalhem.

Enfim, se a política começa na base, a do cuidado, estruturas sociais, instituições teriam que se reinventar. Um exemplo disso? Lembro da minha avó quando criança que por onde passava gritava em alto tom o nome do prefeito da cidade mostrando os buracos das ruas, os fios desencapados que poderiam matar as crianças, etc. Esta era a versão de uma mulher que, em outras atitudes e palavras, denunciava a ausência de cuidado com as vidas, com os corpos que habitavam a cidade.

É isso! Aprendi com minha avó, uma mulher, desde cedo que a política revolucionária é a do cuidado, esta gera vida.




Denise Fleury é uma psicóloga, pedagoga, mestre em educação e psicanalista goianiense. Com uma trajetória que une a clínica psicológica à paixão pela literatura, ela escreve crônicas, contos e livros infantis, sempre com foco na subjetividade humana e em suas relações. É autora de “Senhora M e outros contos” (Editora Caravana, 2024) e “Quem conhece os gatos do vovô?” (Semibreve, 2022), com “Giralda & Geraldo” no prelo. Sua crônica “O cortejo” foi premiada com menção honrosa pela Academia Feminina Mineira de Letras no Concurso Adélia Prado (2019). Em 2025, seu trabalho foi reconhecido com o Diploma de Mérito Cultural do Prêmio Buritis, na categoria Livro, Leitura e Literatura. Denise também realiza um importante trabalho social, participando de rodas de conversa em escolas e nos Centros de Atendimento Socioeducativo de Goiás.



Taciana Oliveira — Natural de Recife–PE, Bacharel em Comunicação Social (Rádio e TV) com Pós-Graduação em Cinema e Linguagem Audiovisual. Roteirista, atua em direção e produção cinematográfica, criadora das revistas digitais Laudelinas e Mirada, e do Selo Editorial Mirada. Dirigiu o documentário “Clarice Lispector — A Descoberta do Mundo”. Publicou Coisa Perdida (Mirada, 2023) livro de poemas.