Rede de Intrigas: uma sátira ainda atual

 por João Oliveira Melo |



Rede de Intrigas: uma sátira ainda atual

Network — Rede de Intrigas (1976) é um filme americano de drama e comédia dirigido por Sidney Lumet e roteirizado por Paddy Chayefsky. A produção venceu o Oscar de melhor roteiro, melhor atriz — Faye Dunaway (Diana Christensen), ator principal — Peter Finch (postumamente), e atriz coadjuvante — Beatrice Straight (Louise Schumacher) prêmio bastante questionado por sua atuação de exatos cinco minutos. Vale destacar ainda as performances memoráveis de William Holden (Max Schumacher), Robert Duvall (Frank Hackett) e Ned Beatty (Arthur Jensen). O enredo toma como ponto de partida o anúncio do apresentador Howard Beale (Peter Finch), do programa de notícias UBS Evening News: ele irá cometer suicídio ao vivo na próxima terça-feira por conta da futura demissão. Beale delira e discursa raivosamente, expondo como a vida é horrível e sem sentido, provocando um aumento imediato na audiência. A consequência do surto do seu principal apresentador faz com que o canal mude de ideia sobre tirá-lo do ar. Após o ocorrido, membros da companhia compreendem que conteúdos tendenciosos e polêmicos aumentam os índices da audiência, causando a transformação da filosofia de informar eticamente a sociedade por uma política do lucro, onde vale tudo para angariar mais público, mesmo que isso tenha consequências nefastas e que alimente o fanatismo e desinformação.

 Diálogos do filme:

Diana: "Acho que podemos tirar um baita filme da semana disso, talvez até uma série... Olha, temos um bando de radicais fantoches chamados Exército de Libertação Ecumênica que andam por aí filmando eles mesmos roubando bancos. Talvez gravem filmes sequestrando herdeiras, sequestrando 747s, bombardeando pontes, assassinando embaixadores. Abriríamos o segmento de cada semana com as filmagens autênticas deles, contrataríamos alguns roteiristas para escrever a história por trás dessas filmagens, e teríamos uma série...”

George Bosch (John Carpenter): "Uma série sobre um bando de guerrilheiros assaltantes de banco?"

Barbara Schlesinger (Conchata Ferrell): "Como vamos chamar isso? A Hora Mao Tsé-Tung?" 

Diana: "Por que não? Eles têm 'Strike Force', 'Task Force', 'SWAT'. Por que não o Che Guevara e seu próprio 'Mod Squad'? Olha, enviei a todos vocês um relatório de análise conceitual ontem. Alguém leu? Bem, resumidamente, dizia: 'O povo americano está ficando mal-humorado. Eles foram massacrados por todos os lados pelo Vietnã, Watergate, a inflação, a depressão. Eles se desligaram, se drogaram, se foderam e nada ajuda.' Então, este relatório de análise conceitual conclui: 'O povo americano quer alguém que expresse sua raiva por eles.' Eu venho dizendo a vocês desde que assumi este cargo, seis meses atrás, que quero programas raivosos. Não quero programação convencional nesta emissora. Quero contracultura. Quero antissistema.

(...) Não quero bancar o chefão machão com vocês. Mas quando assumi este departamento, ele tinha o pior histórico de programação da história da televisão. Esta emissora não tem um único programa entre os 20 mais assistidos. Esta emissora é uma piada da indústria. É melhor começarmos a pensar em um vencedor para setembro do ano que vem. Quero um programa desenvolvido, baseado nas atividades de um grupo terrorista. "Joseph Stalin e seu Alegre Bando de Bolcheviques". Quero ideias de vocês. É para isso que vocês são pagos. E, a propósito, da próxima vez que eu enviar um relatório de pesquisa de audiência, é melhor vocês lerem, senão eu demito vocês, entendeu?

 


Peter Finch


O longa retrata a superficialidade das relações, a manipulação das mídias, a corrupção de grupos políticos pelo capitalismo, o monopólio global das empresas, o surgimento de Messias, a alienação da sociedade, a comercialização das contraculturas e do transgressivo, a dessensibilização à violência, a ganância corporativista, a desumanização dos trabalhadores no ambiente de trabalho e perda da noção de realidade fora das exibições dos programas. O filme é assustadoramente atual, mesmo lançado há quase cinquenta anos e vai te dar boas risadas e questionamentos. A obra é recomendada para pessoas que querem assistir uma crítica sobre as mídias e a sociedade atual.


 Discurso de Howard Beale (Peter Finch)

Não preciso dizer que as coisas estão ruins. Todo mundo sabe que as coisas estão ruins. É uma depressão. Todo mundo está desempregado ou com medo de perder o emprego. O dólar compra o que vale. Bancos estão quebrando. Lojistas escondem armas debaixo do balcão. Punks andam soltos na rua e não há ninguém em lugar nenhum que pareça saber o que fazer, e não há fim para isso. Sabemos que o ar está impróprio para respirar e nossa comida está imprópria para comer, e ficamos sentados assistindo à TV enquanto algum apresentador de jornal local nos conta que hoje tivemos quinze homicídios e sessenta e três crimes violentos, como se fosse assim que deveria ser.

Sabemos que as coisas estão ruins — piores que ruins. Estão uma loucura. É como se tudo em todos os lugares estivesse enlouquecendo, então não saímos mais. Ficamos em casa, e lentamente o mundo em que vivemos vai ficando menor, e tudo o que dizemos é: "Por favor, pelo menos nos deixem em paz em nossas salas de estar. Me deem minha torradeira, minha TV e meus pneus radiais com cinto de aço e eu não direi nada. Apenas nos deixem em paz."

Bem, eu não vou te deixar sozinho. Eu quero que você fique FURIOSO! Eu não quero que você proteste. Eu não quero que você faça um motim - eu não quero que você escreva para o seu congressista, porque eu não saberia o que te dizer para escrever. Eu não sei o que fazer sobre a depressão, a inflação, os russos e a criminalidade nas ruas. Tudo o que eu sei é que primeiro você tem que ficar furioso. Você tem que dizer: 'Eu sou um ser humano, porra!  Minha vida tem valor!'

Então, eu quero que vocês se levantem agora. Quero que todos vocês se levantem das cadeiras. Quero que vocês se levantem agora mesmo e vão até a janela. Abram, coloquem a cabeça para fora e gritem: "Estou furioso pra caramba e não vou mais aguentar isso!"

Quero que você se levante agora mesmo. Sente-se. Vá até a janela. Abra-a, coloque a cabeça para fora e grite: " Estou furioso e não vou mais aguentar isso! ". As coisas precisam mudar. Mas primeiro, você precisa ficar furioso!... Você precisa dizer: " Estou furioso e não vou mais aguentar isso! ". Então, vamos descobrir o que fazer com a depressão, a inflação e a crise do petróleo. Mas primeiro, levante-se da cadeira, abra a janela, coloque a cabeça para fora e grite: " Estou furioso e não vou mais



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João Oliveira Melo é natural de Recife. É aluno do sétimo período do Curso de Ciências Sociais (UFRPE).